quarta-feira, 29 de junho de 2011

Irish Coffee

           Sou pessoa de sono leve e difícil, a quem um simples café (ou até chá) bebido pela tarde pode arruinar por completo a noite que se segue. Talvez por isso, eu detesto café (embora não só por isso, pois adoro chá).
Isto que disse antes é para enquadrar a escolha do Irish Coffee para esta 34ª Trilogia com a Ana e o Cupido, em que o tema é o Café: sendo uma bebida criada em 1942 no bar do aeroporto de Foynes, na Irlanda, quando os passageiros chegavam dos Estados Unidos, enregelados, após um voo de 18 horas sobre o Atlântico Norte, o Irish Coffee é uma típica bebida de Inverno e é no tempo frio que ganha todo o seu encanto.
Por outro lado é talvez a única maneira que eu gosto de beber café e feito com uma dose generosa de Bushmil’s, este Irish Coffee tomado ontem já bem a desoras, com a noite  a refrescar, soube muito bem e acompanhado de um inevitável “antídoto” químico, lá me deixou dormir descansado.

Ingredientes*:

1 medida (chávena de café) de whiskey irlandês
2 medidas de café forte (expresso)
1 colher de sopa de açúcar amarelo
Natas batidas q.b.

Preparação:

Bata natas 30%m.g. até ganharem consistência.
Escalde bem o copo com água fervente.
Ponha no copo o whiskey com o açúcar
e depois o café acabado de fazer. Mexa bem para dissolver o açúcar.
Deposite então com todo o cuidado, para evitar que se misturem com o café, as natas à superfície** (basta cerca de 1cm mas fica muito mais decorativo se puser uma boa quantidade).
Beba o café através da camada de natas, como quem bebe uma cerveja através da sua espuma e, no fim do café, resista à tentação de continuar a comer aquela gordura toda, que vai muito bem para dentro.
Nesta 34ª Trilogia, por força da todo-poderosa aritmética, alguém iria ter a honra de publicar a 100ª receita neste âmbito: foi a Ana com uma tarte de café de fazer crescer água na boca. Parabéns à Ana e a nós também, pois claro!

Nota - * Receita oficial (International Bartenders Association)

27 ml de whiskey irlandês 
45 ml de café forte quente  
18 ml de nata fresca batida  
1 colher de bar de açúcar mascavado.

** É muito frequente que a nata (às vezes é chantilly) seja decorada por cima com um grão de café e, por vezes, com uns pós de canela.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Queijada de Coco e Tâmaras

         A ideia do Cupido para tema desta 33ª Trilogia comigo e com a Ana, o coco, apanhou-me algo desprevenido. É que o coco é assim como que parente pobre  entre os ingredientes na minha cozinha e não é raro que, quando o vou buscar a algum pacote aberto há mais tempo que o devido, tenha de ir para o lixo e lá vá eu comprar outro que não esteja rançoso.
Fora o leite do dito, que uso quase só em caril, e uma ou outra tirita do fruto fresco comprada nalguma rua de destino de férias, aos vendedores ambulantes, o uso era bem pouco, a última vez que usei coco ralado foi para as broas castelar, no Natal.
Assim, a ideia veio de uma proposta do Miguel, no Cozinha sem Tabus, uma tarte de coco e tâmaras que lhe saiu com um ótimo aspeto e que foi mote para esta queijada que, de facto, acabei por criar de raiz e ficou uma maravilha húmida e voluptuosa, daqueles bolos que se deseja que não acabem.
Ingredientes:


250g de Requeijão
250g de Açúcar
250g de Tâmaras
6 Ovos
150g de Coco seco ralado
120g de Farinha
125g de manteiga


Preparação:


Bata as gemas com o açúcar até ficarem fofas e brancas. Junte então as claras e a manteiga amolecida e continue a bater com as varas até estar uniforme, altura em que adiciona o requeijão e o coco.
Bata até estar liso e junte por fim a farinha peneirada. Envolva rapidamente e leve em forma de aro untada ao forno quente (200ºC), por cerca de 10m, altura em que a superfície começa a tomar cor. 
Retire e decore com meias tâmaras sem caroço, polvilhe de açúcar e volta ao lume médio (160ºC) até estar cozido (palito seco ao meio).
Pincele a superfície com uma geleia diluída, para dar brilho à fruta e espere que arrefeça para desenformar.
É um bolo denso e húmido, com a textura especial dos bolos e queijadas de requeijão, que só ganha se utilizar requeijão de ovelha.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Caril de Bacalhau


               Coentros, mostarda, curcuma, feno-grego, pimentão, cominhos, pimenta, alho, funcho, cardamomo, assafétida, são apenas alguns dos ingredientes mais comuns do caril que, originário do sub-continente indiano, é hoje de uso global. Os puristas defendem normalmente a confeção pessoal de cada caril e, como em todos os folclores culinários, enfeitam-no com algum “segredo” ancestral mas, talvez por defeito meu, acho que fico melhor servido pelas misturas comerciais já prontas (uso a marca Jalpur, um Madras muito aromático e doce, pouco picante, que compro na Popat Store, ao Martim Moniz).
Existe também caril em pasta e essa é uma opção pois há caris extraordinários nessa apresentação, mas deve considerar a sua tolerância/gosto ao picante pois, dos que conheço, são todos bastante “puxados” neste aspeto.
Normalmente encara-se o uso do caril como uma base forte e dominante na qual se incorpora algo, carne, peixe, vegetais, que tomam então o nome de caril disto ou daquilo, mas pode também usar-se o caril como um tempero simples, do mesmo modo que usa pimenta ou louro, em pequena quantidade, dando assim apenas um toque subtil e exótico que aquece suavemente o seu prato sem o afogar no seu aroma forte e subjugante.
Este caril de bacalhau que aqui deixo hoje é um exemplo de caril clássico que tem como novidade a incorporação no próprio caril do acompanhamento vegetal, muitas vezes deficitário nos pratos de caril.
Ingredientes:

Bacalhau
Couve repolho (parte branca)
Cebola
Alho
Óleo
Caril
Leite de coco (com polpa)
Hortelã (facultativo)
Alcaparras (facultativo)
Arroz
Sal

Preparação:

Parta a couve em juliana fina e escalde-a, juntamente com o bacalhau.

Refogue a cebola e o alho, picados, no óleo, junte o caril (cerca de uma colher de sopa por pessoa, mais ou menos a gosto),

mexa, junte então a couve escorrida e o leite de coco, tempere de sal, deixe ferver e, por fim, junte o bacalhau em lascas, as alcaparras e a hortelã.


Mexa e sirva com arroz cozido em água e escorrido.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Codornizes no Forno ao Limão

          A maioria das receitas para essa pequena e curiosa ave que é a codorniz, um franguinho em miniatura, quase sempre a parte em quartos ou metades e, com esta ou aquela variação pontual, acaba frita ou estufada, seja no tacho, seja no forno.
A codorniz de que hoje dispomos (a menos que haja algum “tio” caçador) é a versão domesticada e criada em aviário o que, se lhe retira por completo o valor como peça de caça, também lhe confere outros atrativos no que respeita a tenrura, suculência e até versatilidade culinária.
Gosto de cozinhar as codornizes inteiras, a melhor maneira de preservar a sua humidade interna pois, como qualquer bicho de reduzidas dimensões, a secura é o seu principal inimigo. Para isso, nesta receita que aqui vos deixo e que é, além de muito simples, uma verdadeira delícia, darei ênfase à técnica de “fechar” a ave, de modo a obter dela o seu melhor.

Ingredientes (2 pessoas):

4 Codornizes
4 dentes de alho
1 colher de sopa de azeite
Sumo de 1 ou 2 limões
Sal e pimenta

Preparação:

Por motivos de legislação geral sobre o comércio de carnes, a codorniz que se vende no mercado vem sempre sem qualquer maturação e, a bem dizer, imprópria para consumo imediato, apresentando uma carne insípida, dura e fibrosa. Isto deve-se aos prazos de comercialização, indiscriminados em relação a todas as carnes e que nestas aves que, apesar de aviário, estão ainda muito próximas da variedade selvagem, faz com que sejam vendidas ainda em estado de rigor mortis, estado esse que pode verificar observando a resistência que as articulações das pernas oferecem ao tentar dobrá-las para a posição de “frango assado”.
 Para que a carne da codorniz fique perfeita deve deixá-la fechada no saco de plástico onde a comprou, seca, no frigorífico, por um período que nunca é inferior a 48h e raramente superior a 72h. Durante esse tempo, dá-se a maturação enzimática da carne (não tem nada a ver com putrefação!), e sentirá que as articulações se tornam muito mais brandas e a carne toma um aroma apetecível: está pronta para cozinhar!
Introduza no abdómen de cada codorniz, um dente de alho e algumas pedrinhas de sal grosso.
O modo como a indústria trata as codornizes deixa-as desprovidas de uropígio, aquela parte onde se inserem as penas da cauda, e da prega de abdómen usada normalmente para prender as pernas das aves.
Deverá por isso enfiar uma agulha culinária com fio (se não tiver pode usar uma agulha de cozer lã, das com bico afiado), atar as duas patas, cruzadas, com a extremidade do fio oposta à da agulha,
Depois perfura o osso ao nível das últimas vértebras disponíveis
 e puxa de modo a trazer as patas até á abertura, fechando-a.
Dê um nó para fixar, dobre e empurre o pescoço para dentro do tórax, que fica assim também fechado e aloure então as codornizes num pouco de azeite, sendo que devem ficar coradas por todos os lados.
Disponha-as numa assadeira, salpique com sal e pimenta, regue com o sumo de limão e leve ao forno (160ºC) 
por cerca de uma hora, virando-as e regando-as com o molho.
Retire o molho, passe a temperatura para 170 – 175ºC e volte ao forno, agora sem molho, para conseguir um bom tostado, por mais 30 - 45m, durante os quais vai devolvendo o molho ao assado, deitando sobre as aves uma colher de cada vez.
Sirva com acompanhamento a gosto.


quarta-feira, 15 de junho de 2011

Omoleta de Rins (como se fazia em Lisboa)

            Regressei há dias de Marrocos, um país pobre mas onde todos sabem a importância vital  de conceitos tão básicos como os do aproveitamento integral dos recursos, da reutilização, da reciclagem, aqui não encarada como uma atitude cívica e ambiental mas como algo de naturalmente inscrito na vida diária. 
É assustador o que, num país como Portugal, um consumismo disfarçado de prosperidade  vaidosa fez aos hábitos alimentares portugueses, hoje espampanantes e desastrosos do ponto de vista ambiental.
Ainda nos anos 60-70 do sec.XX uma carcaça bovina era integralmente aproveitada, até os ossos, sendo que apenas uma minoria mais abastada se podia aventurar em lombo, vazia ou mesmo rosbife; mas isso não era dramático, como se vê pelo uso que faz de todas as partes de um animal o nosso riquíssimo receituário popular tradicional.
Hoje, já só chega aos balcões e expositores dos talhos urbanos menos de 50% do animal abatido; o resto vai diretamente para fabrico de rações para cães e gatos e para … incineração!
Uma geração inteira que na sua infância ainda comeu alegremente tanto o músculo como as vísceras, aprendeu rapidamente a renegar esses saudáveis hábitos, encarando hoje o consumo das vísceras como vergonhoso ou demonstrativo de baixo status social. Na feira das vaidades vale tudo, até o sacrifício do nosso futuro coletivo.
Nas tascas que hoje apresentam bitoques do lombo, vazia ou alcatra, até há pouco tempo havia dobrada, mão de vaca, coração, iscas, rins, chispes, sangue, carnes de cebolada. Não havia dinheiro para mais e ainda não se inventara o crédito ao consumo!
Foi a pensar nesse abandono generalizado das vísceras animais como fonte  alimentar, pelo dia-a-dia das cozinhas familiares que as propus à Ana e ao Cupido, como tema para esta nossa 32ª Trilogia.
No Cais do Sodré existiu, entre 1905 e 1959, o Café Royal, sítio de tertúlia para os  surrealistas e antes deles, Columbano Bordalo Pinheiro, Camilo Pessanha, Gago Coutinho, entre outros.
Aí, como de resto na maioria dos cafés, tascas, retiros, casas de pasto e tabernas, imperava uma cozinha popular e adequada às magras finanças da clientela e do país.
As omoletas ainda não tinham adquirido o estatuto “vergonhoso” de prato barato do fim da lista, ao pé da alheira com ovo estrelado e que ninguém ousa pedir mesmo quando apetece, não vão os vizinhos pensar que está ali algum sem-abrigo.
As omoletas de Lisboa eram variadas e tinham a particularidade de serem recheadas “por cima”, depois de confecionadas*.
No Café Royal, era especialidade a omoleta de rins, de que aqui deixo a minha versão:

Ingredientes (por pessoa):

2-3 ovos
1 rim de porco ou 1/3 de rim de vitela
Alhos
Louro
Sal e pimenta
Vinagre

Preparação:

Se não tem experiência de arranjar rins, deixe essa tarefa para o talho. Em casa, lave-os e parta-os em fatias** muito finas com o auxílio de uma faca muito afiada.
 Tempere com sal, pimenta, alhos cortados e louro, molhe com vinagre e deixe a marinar por algumas horas ou para o dia seguinte.
Fritar os rins obedece a uma técnica precisa que resolve o problema aparentemente insolúvel de os rins não deverem ser muito cozinhados mas o seu molho sim.
Aqueça azeite ou banha numa frigideira e introduza os rins, com lume forte. Mexa.
Dentro de cerca de dois minutos, verá começar a formar-se muito líquido e que os rins passaram a cozer e já não a fritar naquele líquido. Passe então o conjunto por um passador de modo a reservar a carne fora do lume e continuar a ferver e reduzir o molho que se formou e a que adiciona agora o líquido da marinada.
 Quando este molho já quase desapareceu, está grosso como molho de iscas e recomeçou a fritar, junte de novo o rim, envolva e apague o lume.
Faça uma omoleta enrolada, abra-a por cima longitudinalmente 

e encha esta fenda com o rim e seu molho.

Se quiser pode terminar polvilhando com salsa picada.
Acompanha com batatas fritas, arroz de manteiga, grelos salteados ou simplesmente como petisco, com pão.

Notas: * Saramago, Alfredo. Cozinha de Lisboa e Seu Termo, Assírio e Alvim, Lisboa 2003.
** Também pode ser cortado em cubinhos pequenos.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Uma viagem até ao Sahara

       "Para conhecer uma civilização há que se comer o seu pão".
Acabado de chegar de mais um mergulho por terras marroquinas, desta vez Ourzazate, Zagora e, claro, a minha querida Marraqueche, deixo-vos hoje uma série de apontamentos fotográficos que, longe de pretenderem constituir reportagem, são registos soltos de uma maneira aparentemente bem diferente de encarar a cozinha e a comida (e a vida), mas que, afinal, constituíram uma base bem mais sólida do que à primeira vista se percebe, sobre a qual se criou depois aquilo a que chamamos a cozinha portuguesa.
Afinal, como dizem alguns mais bairristas lá do Norte, "abaixo de Aveiro são todos mouros".
A 1ª de muitas tagines...


As azeitonas...
 As aromáticas frescas...
Aicha, nº1 de Djemma el Fna...
... e o seu maravilhoso couscous!
Os almoços estão prontos!
 Cabeças de carneiro cozidas a vapor...
... uma delícia!
Carneiro estonado (como também se faz na região de Oleiros (Beira)
 ... e borrego com lentilhas.
 O talho.
Outra tagine.
 Pastelaria tradicional.
 Mãos e mãozinhas...
Depois da oração das 15h, começam a nascer os restaurantes que irão servir os jantares na mítica praça Djemma el Fna, em Marraqueche. No canto superior esquerdo, com a frente tapada agora com panos e obras de arte moderna, o café Argana, destruído a 28 de Abril por uma bomba da Al-Quaeda. 
Parecem-nos monumentos exóticos...
... mas são sítios de gente e de vida...
 ... onde cada recanto deste misterioso labirinto revela uma porta e uma cozinha.
 Eu e o meu topo-de-gama...
 Jantar de tagine, cozinhado e servido já em pleno deserto...
e um pequeno-almoço improvisado com o que há, quando o Sol nasce sobre as dunas.