quinta-feira, 1 de março de 2012

Um grande vinho (Moscatel Roxo 2011, JMF)!

                                                    
                     Sendo hoje um espaço de referência na blogosfera que se expressa em português e dedicada ao tema culinário/gastronómico, o Outras Comidas apresenta uma gritante lacuna no que toca a vinhos e muitos têm sido os leitores que me têm feito esse reparo, com razão.
Penso, por isso, que devo a todos os que me lêem, uma explicação.

Eu tenho com o vinho uma relação de amante, forte, mágica e visceral: eu gosto de beber vinho e gosto de senti-lo sem peias nem preconceitos intelectuais, para mim é coisa de palato e de interacção directa, gosto ou não gosto, que me interessam essas habilidades, que acho meio circenses, de identificar  que carvalho é o das barricas ou se a vinha é nova ou velha ou se o frutado é de ameixa ou de mirtilos azuis… isso pode ser um divertimento complementar, e sei que o é, para muitos, mas é assunto que não me interessa!
Um vinho é, para mim e antes de tudo o mais, o prazer que me dá, a maneira como me impressiona: a cor, o aroma, o corpo, os sabores que ficam no palato, sentidos, não classificados e não preciso de mais para saber, sem qualquer outro esforço adicional, se gosto ou não.
Como vinho não é água-tónica, não me forço a gostar de nada de que o palato não goste; se amargou, foi áspero ou azedo, bem pode vir o mais pintado a falar que aquilo é efeito da famosa e raríssima casta “xpto”, que extasia os entendidos. Pois sim, para mim é um vinho azedo, áspero ou amargo e não volto a bebê-lo, por maior que seja a pontuação que a enofilia lhe der, num sistema de classificação, hermético para mim, supostamente valores de 0 a 20, mas em que a pior zurrapa leva sempre, pelo menos, 13, e o melhor dos néctares nunca passa os 18. Coisas…

É por isso que não vou cair na pecha de tentar pontuar ou falar-vos em calão enófilo deste Moscatel Roxo, rosé 2011, que a casa José Maria da Fonseca acaba de pôr no mercado, integrado na “colecção privada” de Domingos Soares Franco e feito de um modo inovador com uma casta tinta, moscatel roxo, até aqui reservada aos vinhos generosos.
Bebi uma das 15.563 garrafas deste néctar cor de salmão, da maneira que mais gosto, a acompanhar conversa, palavra puxa palavra, gole puxa gole, mais um copo e já acabou, diabo, era só uma!
Mas que “uma”!
Este Moscatel Roxo é uma sinfonia de frutas, aromas, frescura e personalidade, foi uma verdadeira epifania para mim, que tenho com os rosé uma longa história de desencantos e desencontros, eu que era, até ontem, um dos muitos para quem os vinhos a sério eram tintos ou brancos, sendo esses mestiços rosados, coisa mesmo boa para americano beber, com um donut, hambúrguer ou pipocas.
Mas não este Moscatel Roxo 2011, que me conquistou, encantou e que me fez olhar o vinho rosé de uma forma bem diferente. 
Servi-o a 8ºC (aquilo a que chamamos bem fresco mas não gelado) e não o deixei muito tempo no copo: ele está pronto a beber quando sai da garrafa e se o deixasse aquecer acima dos 10ºC seria mesmo uma pena.

Nota: Aqui sim, uma  nota, e "20", à rolha,
de cortiça aglomerada, a mostrar que já há entre nós grandes casas que vão esquecendo marialvismos conservadores e estéreis, e que decidem fechar garrafas de grandes vinhos com soluções recicladas e amigas do ambiente, que agradece, obrigado, à José Maria da Fonseca.
                                Vinho oferecido pelo produtor

6 comentários:

Jardineiro do Rei disse...

Caro Pontes...

Li com muito interesse a sua dissertação acerca deste vinho Moscatel.
No que aos vinhos diz respeito, subscrevo em absoluto o que diz. Para mim o melhor vinho é aquele que eu gosto. E nem estou preocupado se sabe a ameixa, a especiarias ou se tem um toque (ou dois...)a mirtilo, ou se a madeira é de carvalho americano ou francês. Isso é para os "gurus" da enologia.
Mas depois de ler a sua dissertação sobre este excelente Moscatel, permita-me que lhe faça uma pergunta: Porque associa o Moscatel ao vinho rosé? Aos meus olhos de leigo, nada tem a ver um vinho com outro.

Um abraço

João Carlos

Luís Pontes disse...

Caro João Carlos,
Não fui eu que associei; este é um vinho rosado, logo "rosé" e "moscatel roxo" é mesmo o nome da casta com que é produzido.
Esta casta que agora está em franco crescimento, tem, apesar de menos acentuado que nos moscatéis brancos, o inconfundível toque "moscato" de todos os moscatéis.

Abraço e bom fds.

LPontes

Jardineiro do Rei disse...

Caro Pontes...

Falei depressa demais. Tem toda a razão. Só agora reparei no rótulo da garrafa. Está lá bem visivel: Rosé!

um abraço

João Carlos

cupido disse...

Luís, estás a ser um bocado mau para quem gosta de vinho e acima de tudo, gosta de falar de vinho, no teu intróito.
Claro que há pessoas que gostam de enfiar o nariz no copo e encontrar estranhos descritores, alguns idiotas, mas isso é como tudo na vida...
E não há nada mais desagradável do que beber um vinho de que não se gosta, por isso, ainda bem que gostaste deste rosado de moscatel roxo (que é bom, desde que foi lançado, em 2007) e achaste bem dar disso nota :)

Ficamos à espera de novas descobertas enófilas.

Luís Pontes disse...

Amândio, penso que não entendeste bem o que quis dizer. Como sabes eu falo pouco de vinhos, até porque me faltam termos "descritores", próprios do enófilo e que eu acho que funcionam como barreiras de comunicação muito eficazes em relação ao publico em geral, transformando a quase totalidade da informação sobre vinhos em conversa apenas acessível a quem domina o jargão, ou seja, apenas um exercício de troca de informação entre a elite que domina esse jargão, os enófilos.
O que eu quis ressalvar foi que o que iria dizer sobre este vinho era algo que deveria ser entendido como dirigido ao público leigo, em que me incluo, e que desfruta o vinho numa relação mais directa, mais sensual e menos intelectual.
Mas que fique claro que eu não critico a enofilia e até gostava de que quem aprofunda a sua ligação ao vinho, o enófilo, desse uma ajuda em termos não-esotéricos à multidão em que eu estou incluído que se debate na lotaria que representa a prateleira de vinhos de um supermercado e que do especialista só lhe chega conversas de maloláticas e tostas, taninos, etc...
Abraço e bom fim de semana!

cid simoes disse...

Sobre vinhos. Quem escreve assim não é gago. Gostei!