quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Carne guisada com macarrão


                   Há comidas que, tendo passado há muito de moda, mantêm lugares intocados nos nossos imaginários, porque arrastam consigo a evocação de épocas ou situações distantes mas gratas. Massa guisada com carne é um desses pratos que, apesar de hoje relegado para a prateleira dos esquecidos, mantém para mim esse encanto dos pratos da juventude.
Antes de termos adquirido o hábito italiano de cozer as massas em água e acrescentar-lhes depois os mais diversos molhos e condutos, o costume em Portugal era guisar a massa, ou seja, cozê-la desde o início com todos os ingredientes, guardando destes, sabores e aromas. Isto passava-se nas mesas das cozinhas familiares, nas de restaurantes populares e casas de pasto e, claro, eram estas massas presença assídua nas cantinas, quer escolares, quer de empresas.
Sendo “cantinas” o tema desta 147ª Trilogia, tema que certamente despertará na Ana e no Amândio a evocação dessa comida dos tempos académicos, onde havia dias bons e outros nem tanto, e eram frequentes as massas guisadas, com frango, com chouriços e farinheiras ou com carne de vaca ou porco assim em pedacinhos como eu hoje fiz.

Ingredientes:

Carne limpa de porco
Sal, pimenta, alhos, louro
Vinho branco
Azeite
Cebola
Polpa de tomate
Macarronete

Preparação:

Parta a carne em pedaços e faça com ela e os temperos do costume uma vinha de alhos e deixe durante algumas horas.
Refogue a cebola no azeite e nela os pedaços de carne até alourarem.
Junte então a polpa de tomate e água e deixe a carne a cozinhar até estar tenra.
Rectifique sal, junte a massa e deixe cozer até estar apurado.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Pão Sírio

                O simples facto de comer ao ar livre, num qualquer pinhal ou praia, ou seja fazer um pic-nic, é já um prazer que me transporta a anos longínquos em que esses dia eram, por si, uma festa em que as comidas eram apenas parte da aventura.
Em piqueniques não sou de meias-medidas, de vergonhas ou de comidinhas plásticas envergonhadas ou sandochinha de panrico em celofane compradas na área de serviço mais uma latinha de bebida. Eu gosto mesmo é dos velhos piqueniques de mesa posta, o frango assado, as petingas ou jaquinzinhos fritos para comer dentro do pão, bem como a patanisca ou o pastel de bacalhau e o bom do tinto, pois claro, tudo isto para horror  e desdém trocista do citadino moderno, urbano ou suburbano em excursão intelectual pela Natureza, de cocacola, bolicao e pálapála e a acharem que num restaurante se está muito melhor. Bom, coma cada um do que gosta!
Um piquenique começa na sua preparação, meio gozo, ou antegozo do momento e gosto de preparar tudo, desde o pão que, feito por nós tem logo outro sabor. O pão sírio, também chamado “pão pita”, com a sua forma de envelope é um pão ideal para rechear do que se quiser e, refeição dentro dele, ser peça de base para um piquenique. Claro que se pode comprar feito, como tudo o resto, mas sendo de feitura tão fácil e ficando tão bom feito por nós, nem o piquenique saberia ao mesmo se o pão tivesse vindo de um supermercado. Sendo “piquenique” o tema para esta 146ª Trilogia, com a Ana, o Amândio e eu próprio continuamos este mês de Agosto e de férias, aqui fica o registo do meu Pão Sírio.

Ingredientes:

¾ de farinha de trigo 650
¼ de farinha de trigo integral (ou farinha de sarraceno)
Água
Sal
Fermento fresco de padeiro

Preparação:

O pão sírio é pão de trigo e há tantas receitas como os milhões de pessoas que o preparam diariamente a seu gosto e preceito, da Turquia a Marrocos, toda a volta do mediterrâneo. Em Marrocos usa-se uma mistura de farinha e semolina de trigo, já na Turquia se adiciona muitas vezes a farinha de sarraceno e no Médio Oriente é só farinha. Optei por lhe misturar um pouco de integral para lhe dar sabor e consistência mas fará com o que lhe aprouver ou tiver em casa; o pão sírio é, essencialmente, pão e como tal é feito.
Dissolva meia barrinha de fermento num pouco de água morna com sal e misture com cerca de 900g das farinhas já misturadas. Amasse e junte mais água de modo a ficar uma massa consistente mas a pegar e deixe em repouso por 20m para abrir a farinha.
Passado esse tempo, polvilhe a massa, a bancada e as mãos com farinha e amasse bem. Verá que a massa deixou de pegar e está elástica.
Enfarinhe-a e deixe em repouso e ao abrigo de correntes de ar por cerca de uma hora ou até ela dobrar de volume.
Amasse de novo, agora brevemente, divida em porções com o volume de uma tangerina, estenda com o rolo em rodelas,
cubra e deixe a crescer de novo cerca de 30-40minutos.
Não faça qualquer furo ou vinco nas rodelas de massa e coza-as pelo processo tradicional, ou seja numa frigideira seca ao lume,
primeiro um lado, depois o outro, ou no forno, num tabuleiro. Ambos são bons apesar de diferentes mas o aspecto essencial é o pão ter enfolado, separando os folhetos.
Cortando num dos bordos ele abrirá como um envelope pronto a rechear.
O recheio? Bom, o limite é a sua imaginação. Dentro deste “saco” de pão cabe tudo o que lhe apetecer; em suma, cabe um piquenique!
No meu caso, um pouco na linha dos famosos “beirut” brasileiros, recheei com bela carne de vitela da maminha, alface, um ovo estrelado e mostarda
e ficou de chorar por mais, não só porque estava delicioso, como também porque piqueniques são o diabo para abrir o apetite.


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Bacalhau à Dona Zé


               Quando se pensa em comida para festas, entendendo-se aqui festas, não como banquete ou refeição de cerimónia mas aquelas festas que se fazem nas casas, aniversários, comemoração deste ou daquele acontecimento ou simples juntar de amigos, é frequente que se acabe por escolher o inevitável e incontornável bacalhau. Versátil, do agrado geral e a permitir pratos dignos e que se comem bem em estilo volante, prato na mão e só com garfo, tem no entanto o inconveniente de se desembocar em pratos que sendo excelentes acabam por estar de tal modo vistos e repetidos que, se pensar bem nas probabilidades de haver em qualquer festa um tabuleiro de bacalhau com natas ou bacalhau espiritual, se chegará à conclusão que essas probabilidades são por certo bem altas.
O Bacalhau à Dona Zé, prato que, com a introdução de uma generosa parte verde, contorna de forma deliciosa esta vulgaridade em que os bacalhaus “escondidos” de tabuleiro se tornaram, será o meu contributo para o tema “comida de festa” desta 145ª Trilogia em que eu, a Ana e o Amândio festejamos estas férias, o Verão e o que mais quisermos.

Ingredientes:

Bacalhau demolhado
Batatas
Cenouras
Cebola
Alhos
Azeite
Sal e pimenta
Natas frescas
Queijo ralado
Espinafres
Pão ralado

Preparação:

Coza batatas e cenouras e esmague-as. Reserve.
Escalde bacalhau (partes finas, badanas, cabeça e rabos) e limpe de peles e espinhas. Refogue cebola e alhos em azeite, sem deixar alourar e passe neste refogado o bacalhau, acertando sal e pimenta.
Misture o bacalhau com o puré juntando natas e queijo ralado,
ambos abundantes e envolva bem. Disponha uma camada deste preparado numa forma, tabuleiro ou assadeira, depois uma camada com cerca de um dedo de espessura de espinafres escaldados e cortados miúdo
e por fim acabe de encher com o resto do puré e bacalhau. Polvilhe com pão ralado,
sacuda ou sopre o excesso e leve a gratinar em forno quente por cerca de 15-20 minutos ou até estar bem alourado.


Faço por vezes uma variante quando o bacalhau se destina a refeição apenas para dois em que a apresentação é feita em ramequim individual
e em vez de espinafres, sempre consensuais e portanto ideais para festa, uso grelos cozidos,
cujo amargor vai especialmente bem com a suavidade das natas e  com o meu gosto.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Bacalhau do Senhor Grandella


                    Francisco de Almeida Grandela (1857-1935) nasceu em Aveiras de Cima e cedo veio trabalhar para Lisboa onde construiria
um império comercial e industrial cuja face mais conhecida seria os Armazéns Grandella, primeira grande superfície comercial em Portugal.
Além desta faceta profissional Grandela foi ainda um notável político republicano, benemérito, amante das artes e fundador do Clube dos Makavenkos, uma sociedade filantrópica, gastronómica e algo libertina cuja sede funcionava na cave do Teatro Condes, aos Restauradores, que também era seu. Dentro em breve teremos outra oportunidade de conversar sobre o legado gastronómico deste clube mas hoje o nome de Grandela aparece aqui como um verdadeiro mistério.
É que apesar de Grandela nos ter deixado um livro “Memórias e Receitas Culinárias dos Makavenkos”, este prato não é aí mencionado, aliás como em qualquer outro receituário conhecido, aparecendo a receita numa nota manuscrita por D. Leonor Mendonça, funcionária próxima de Francisco Grandela com o título “Bacalhau do Senhor Grandella”, assim, mais nada.
Alfredo Saramago recolheu esta nota e publicou-a no seu livro Cozinha de Lisboa e Seu Termo, mas o facto é que é uma receita que ninguém vivo viu ou provou e portanto o desafio perfeito para esta 144ª Trilogia em que eu, a Ana e o Amândio andaremos às voltas do tema “pratos perdidos”.

Ingredientes:

Lombos de bacalhau, demolhados
Farinha
Água morna
Leite
Sumo de limão
Sal e pimenta moída
Ovos
Azeite
Cebola
Alhos
Acompanhamento a gosto

Preparação:

Tendo como orientação este texto de A. Saramago,
lancemo-nos então na aventura:
Usei para o polme exterior dois ovos, duas colheres de sopa cheias, de farinha, três colheres de sopa de leite e outras três de água morna
e bati tudo com sal e pimenta. Depois de bem liso e homogéneo juntei uma colher de sopa de sumo de limão. Foi esta a minha interpretação do texto; o leitor fará a sua, se quiser.
Deitada uma concha deste preparado numa frigideira, faz-se como que uma omoleta fina
 e, antes que esteja bem cozida põe-se no centro um lombo de bacalhau, demolhado e sem espinhas.
Dobra-se então a massa semi-frita sobre o bacalhau, fechando-o,
deixa-se alourar de um lado, depois do outro, devagar para que a posta tenha tempo e calor para cozinhar,
passa-se para o prato de serviço e coloca-se por cima cebola frita em azeite com alho e um pouco de polpa de tomate.
Servi acompanhado de um puré de batata e cenoura e algumas azeitonas das minhas oliveiras.
Nunca saberei se ficou igual ao prato perdido a que a Mendonça chamou “do senhor Grandella”, mas que ficou divino, isso ficou.
   

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Estupeta de Atum


           Estupeta é um daqueles nomes que designa não só o prato como o ingrediente.
Típica e quase um ex-libris gastronómico de Vila Real de Santo António e do Sotavento Algarvio, comem-se estupetas por todo o Algarve e agora também um pouco por todo o lado, dada a excelência do petisco.
A estupeta é atum cru das aparas de muxama conservado em salmoura forte e vende-se* hoje em baldes plásticos de diversos tamanhos.
Para as refeições leves, rápidas e frescas que agora apetecem ou simplesmente como petisco de qualquer altura, uma estupeta é, na sua desconcertante simplicidade, sempre uma festa para o paladar e um prato consensual no aplauso dos comensais.

Ingredientes:

Atum para estupeta
Cebola
Pimento
Tomate
Pimenta
Azeite e vinagre

Preparação:

Ponha o atum
em água por uns minutos, para amolecer e facilitar o trabalho. Vá abrindo as fibras do músculo sob água corrente. Costumo passar os bocados de atum com um rolo pesado
de modo a que abra e facilite a acção da água e vou depois desfiando em pequenos pedaços, sempre dentro de água até que, bem espremido fica uma miga como esta,
que vai para o fundo da tigela. Sobre o atum vai então cebola cortada fina, pimento
e tomate em cubos pequenos, pimenta e por fim, azeite abundante** e vinagre de vinho.
Bem mexida, está pronta a estupeta para ir estagiar
uma ou duas horas no frigorífico para ficar bem fresca antes de ser servida,
normalmente acompanhada por uma fatia de pão e vinho a gosto.

Notas: * Apesar de haver outros preparadores desta conserva, todos algarvios, o destaque terá que ir para as Conservas Dâmaso, de Vila Real de Santo António,
que, na prática, acabam por ser os únicos que têm dimensão a nível de distribuição nacional. A sua estupeta encontra-se à venda lá e nas casas especializadas em bacalhau. Em Lisboa existe na Rua do Arsenal.
** Tradicionalmente as estupetas são apresentadas “afogadas” em azeite, quase 1 dl por pessoa, onde se vai molhando o pão à medida que se come o petisco. Por motivos dietéticos, cortei drasticamente na quantidade de azeite, de que utilizei apenas o necessário para temperar e ficou deliciosa também. A “linha” agradece.