segunda-feira, 30 de maio de 2011

Filetes de polvo

         Muitas vezes dei um jeito à minha agenda profissional de modo a ser “obrigado” a estar pelas bandas de Campanhã pela hora de almoço e assim, ir almoçar ao Aleixo, pois claro, para me maravilhar com os filetes de polvo e arroz do dito (ou de pescada com arroz de feijão)!

Com o passar dos anos e o crescer da merecida fama, o Aleixo sofreu, no entanto, algumas variações, umas para cima e outras para baixo: para baixo, e muito, escorregou o tamanho das doses, que dantes deixavam qualquer um satisfeito e com pouca vontade de trabalhar à tarde e agora são (na parte do polvo) umas coisinhas minúsculas, tipo prato de menu de degustação de algum chef molecular, a faltar filete e a sobrar fome. 
Para o lado de cima, e muito, trepou o preço; não que o Aleixo tivesse sido alguma vez um daqueles sítios do Porto de preços exíguos que deixavam os alfacinhas boquiabertos, mas era o que se podia chamar um restaurante de preços medianos, acessível para se ir sem ser só em ocasião festiva. 
Agora não: do Aleixo sai-se depenado e com aquela sensação indefinida de que, se não fosse o preço e parecer mal, até marchava outra dose… para não falar da chico-espertice que algum guru do marketing descobriu e que fazendo jus à máxima “tempo é dinheiro”, neste caso “tempo de mesa é dinheiro”, nos empurra (literalmente) para uma sala de café de uma incomodidade inenarrável, onde tomamos o cimbalino e de onde somos finalmente corridos para a rua, depois de pagarmos, naturalmente.  
Por estas e também por outras de que o Aleixo não tem culpa, já há uns tempos que não provo lá os filetes de polvo de que tanto gosto.
Felizmente, é algo que podemos fazer sem dificuldade na nossa casa e que muitas vezes me dá desforra das diabruras do Aleixo. Assim:
Ingredientes:

Polvo congelado
Cebolas
Alhos
Louro
Salsa
Azeite
Polpa de tomate (ou tomate maduro)
Arroz carolino
Salada a gosto

Preparação:

Esta receita faz-se normalmente com polvo grande. Neste caso, que era só para dois, usei um polvo pequeno comprado já congelado e que acusava na balança 960g, os filetes não ficam tão direitinhos mas o sabor é o mesmo ou até melhor.
Coza o polvo do modo que usa normalmente, deixando-o tenro.
Utilize a cabeça, as partes finas das pernas e os ingredientes adequados para fazer um arroz de polvo, malandro. Deixe as pernas agrupadas a 2 e 2 e prenda cada grupo com um palito.
Passe por farinha, ovo batido e frite em azeite até estarem louros.
Regue os filetes  com sumo de limão e sirva com o arroz e uma salada a gosto. 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Manteiga de Anchova


           Embora a verdadeira anchova (ou enchova) seja um peixe de grande porte comum nas águas tropicais, quando aqui nos referimos a anchovas estamos a falar desses deliciosos filetes de biqueirão em conserva, ultrassalgados e com um sabor único e extremo que não deixa ninguém indiferente: é mais um caso de amar ou odiar**!
A anchovagem é um processo ancestral de conservação pelo sal que se prolonga por dois a três meses, durante os quais o peixe perde muita da sua água, fermenta parcialmente e ganha esse sabor estranho e pungente que aromatiza pastas, pizzas, carnes, saladas, molhos, sendo que alguns acham que é pivete a peixe podre e outros, como eu, que o consideram um aroma celestial.
Em culinária profissional usam-se muito as pastas de anchova (98% de peixe) , as manteigas (75% peixe-25%manteiga) e outras apresentações que a indústria disponibiliza e que não nos interessa particularmente.  O que hoje vos proponho é a fabricação caseira de uma manteiga de anchova, não para cozinhar* mas sim para barrar e que é uma verdadeira maravilha para o palato, seja como aperitivo, seja a qualquer hora.

Ingredientes:

1 lata de anchova em óleo (24g p. escorrido)
125g de manteiga (com ou sem sal)

Preparação:


Escorra bem os filetes e deixe a manteiga a amolecer à temperatura ambiente.
Se estiver a usar manteiga com sal, mergulhe os filetes em água fria durante 30m e seque-os em seguida; se estiver a usar manteiga sem sal isso não é necessário.
Pise os filetes no almofariz até estarem reduzidos a uma pasta.


Misture a pasta de anchova na manteiga até ter um aspeto liso e uniforme.
Atreva-se! Verá que o difícil será mesmo conseguir parar.
Notas: 
* Se quiser preparar uma manteiga de anchova para usar na sua cozinha, que é uma maneira de dosear na perfeição o seu uso  sem ficar com uma lata aberta a cada utilização, utilize os frascos de 100g (p. escorrido 60g) para a mesma quantidade de manteiga (125g), que poderá conservar fechada, no frigorífico, por vários meses. 

** Eu sei o que é odiar (ferozmente!) anchovas: tempos houve em que não comeria uma pizza em que tivesse havido um pedaço minúsculo do odiado sabor! Se é como eu fui, aceite a sugestão de provar um pedacinho de pão ou tosta com esta manteiga, open-minded, naturalmente. Depois, goste ou não, diga-me.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Batatas com Alheira e Grelos de Nabo

        É difícil imaginar o mundo sem batatas, de tal forma se tornaram omnipresentes na nossa alimentação, sendo talvez o mais usado dos alimentos diretos e em geral apenas ultrapassada pelos cereais, dado o papel que estes representam de alimento estruturante na nossa cadeia alimentar.

E no entanto, como é recente a sua introdução nos nossos hábitos! 
Originária da cordilheira andina, com especial notoriedade no Peru, foi introduzida em Espanha no Sec.XVI onde se manteve como curiosidade exótica durante mais de dois séculos, tendo mesmo chegado a ser perseguida pela Inquisição, acusada do magno crime de ser “alimento do Diabo” por não ser nunca mencionada na Bíblia.
Em Portugal, teria sido introduzida em 1760 (embora não seja certo que se tratasse de batata ou de batata-doce) e a primeira referência culinária que se lhe conhece, aparece, tímida, em 1780 no livro de Lucas Rigaud.
Só no sec XIX, portanto a uma distância de 3 ou 4 gerações, o seu consumo se generaliza, aproveitando a brecha causada por uma terrível doença que dizimou grandes áreas de cultivo de castanha, alimento base muitíssimo importante até então.
Do mesmo modo que é difícil imaginar bacalhau sem a companhia das batatas, também a alheira, esse enchido tão sui generis, parece reclamar a batata para se completar e valorizar. Para esta 29ª trilogia com a Ana e o Cupido, em que o tema é precisamente “Batata”, resolvi construir de um modo diferente esse ícone da nossa cozinha popular transmontana, as alheiras com batatas e grelos.

Ingredientes (para 3 pessoas):

3 batatas grandes, novas
3 alheiras
1 molho de grelos de nabo
Azeite
Sal e pimenta

Preparação:

Corte uma tampa às batatas e vaze-as com o auxílio de um instrumento apropriado ou, na falta, com uma colher de sobremesa que tenha os bordos finos.
 Deve deixar cerca de 1,5 cm de espessura das paredes e pode guardar o miolo retirado, dentro de água, para aproveitar para uma sopa ou puré.
Cubra as batatas escavadas com água fria e leve-as ao lume, com sal,
 deixando ferver por cerca de 10 minutos. Escorra.
Preencha as cavidades das batatas com massa de alheira, uma alheira por cada batata* , salpique com pimenta e disponha numa assadeira. Regue tudo com um fio de azeite e leve a forno quente (180-190ºC) durante 30 a 40 minutos.
Disponha em redor das batatas os grelos de nabo que entretanto salteou rapidamente em azeite
 e leve de novo ao forno por mais 10minutos, de modo a que a gordura da alheira impregne bem a batata.
* Se não arranjou batatas de tamanho suficiente para que cada uma leve uma alheira dentro, claro que pode dividi-la por duas batatas mais pequenas, embora não tenha a mesma graça.
... e assim se fez esta 29ª Trilogia, sendo a mando do Cupido que completaremos a terceira década; para a semana!

terça-feira, 24 de maio de 2011

A Tília


                    Todos os anos pelo fim de Maio, Lisboa e tantas outras cidades e vilas enchem-se do seu aroma portentoso, transfigurando em jardins, pela magia do perfume, até artérias cheias de fumo, barulho e tráfego, a lembrar que por vezes a mole urbana é um sítio bom  e gratificante para pessoas viverem.


É a magia das Tílias!


Árvore de folhagem verde escura, copa densa e sombra magnífica, quando chega o final de Maio, emite umas estranhas folhas verde claro, as brácteas, do meio das quais sai um pedúnculo de botões que se abrem em singelas flores branco amarelado que exalam um perfume poderoso que se intensifica ao fim do dia.
Diurético, estomáquico, calmante, são apenas algumas das virtudes que se anunciam para as infusões destas flores, o conhecido chá de tília que, se afinal não tiver as tais propriedades medicinais, é pelo menos, e isso seguramente, uma bebida deliciosa.
Se tem acesso* a uma tília, tem agora uma janela temporal de uma ou duas semanas para colher as delicadas flores e suas brácteas, 

secá-las num local arejado mas sempre à sombra

 e poder assim desfrutar durante todo o ano dessa fragrância única, seja em infusão seja através de um licor de que vos falarei daqui a dias, quando a minha tília estiver seca e o fizer.

* As tílias que existem em matas e jardins, públicos ou privados, fornecem belíssimo material de colheita. Nas cidades, principalmente nas tílias que ornamentam avenidas com tráfego automóvel intenso, claro que a poluição ambiente desaconselha o seu uso para preparar bebidas. Nestes casos, poderá no entanto colher alguns ramos mais floridos e levar para sua casa que ficará por alguns dias cheia do seu perfume.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Papas queimadas

         Chamam-lhe sêmola, farinha grossa, rolão, etc. mas o termo certo para esta espécie de areia grossa feita de fragmentos de milho amarelo é carolo de milho e usa-se em polentas grossas e numa infinidade de pratos africanos.
Estas papas que hoje fiz e aqui deixo têm a particularidade de serem queimadas como leite creme em vez de polvilhadas com canela e esse pormenor torna este doce tão simples em algo realmente diferente e que muito gostei de experimentar.

Ingredientes:

1 medida de carolo de milho
8 medidas de leite
1,5 medidas de açúcar
0,5 medida de açúcar para queimar
1 gema por cada 50g de carolo
Casca de limão

Preparação:

Ponha o carolo a cozer no leite, com a casca de limão, em lume muito baixo e recipiente tapado.
Ao fim de cerca de 40-45m, o cozimento vai engrossar e é altura de adicionar o açúcar. Mexa bem e junte então as gemas que devem voltar ao lume para cozerem.
Retire a casca de limão e verta para um recipiente de serviço.
 Depois de frio ou, pelo menos, morno, espalhe açúcar e queime com ferro de tostar leite-creme ou com maçarico.
 Se quiser pode polvilhar de canela , que é a forma clássica de comer as papas doces. Nesse caso, ao confecionar o doce deve usar a totalidade do açúcar.
Nota: Pode encontrar carolo na secção de farinhas dos supermercados. No entanto, este bem grosso que aqui usei, só se encontra à venda nas lojas e bancas de feira especializadas em comida africana.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Bife à Café (tradição, papistas e Papa)


          O Bife à Café é a melhor prova que a tradição é viva, dinâmica, criativa e que nas gastronomia e culinária, a História é algo que enquadra sem abafar a renovação e não há lugar para cânones e receitas imóveis, ou até há, no museu, nas reconstituições históricas, na Torre do Tombo.

Comer bifes em cafés, longe de ser uma tradição entre nós, foi, no Sec.XIX e para satisfação dos apetites estrangeirados da burguesia lisboeta, hábito importado   do costume anglo-saxão de tomar refeições menos formais que as de restaurante, em cafés, clubes e bares,  sendo o primeiro que ficou registado o que se comeu nos cafés de António Marrare depois imitado e recriado pelos Central do Chiado, Nicola, Martinho, Janssen, Leão de Ouro, A Brasileira e tantos outros, cada um com a  sua variação, que o marketing preparava-se então para nascer.
Uma das muitas variações ao Bife à Marrare, criada por alguém que a História não registou, surgiu no Café Central do Chiado, onde está hoje a Livraria Sá da Costa, e foi a introdução de café na confeção do molho para o bife, que foi um êxito logo imitado pelos bifes da Brasileira, do Nicola e de muitos mais que, até hoje, mantêm o aromático ingrediente na receita dos seus bifes, chamem-se ou não Bife à Café.
A ignorância anda quase sempre disfarçada e de mão dada com a arrogância e desta mistura sui generis aos fundamentalismos é um passinho bem pequeno: nestas coisas há sempre um "cromo" dos que o povo chama os "ainda mais papistas que o Papa".
Para alguma pretensa crítica gastronómica deste torrão luso, que entre tiques e ciumeiras se dispensa olimpicamente de ler os maiores investigadores contemporâneos da nossa gastronomia, Quitério* e Saramago** e que, nunca tendo reparado, por alguma fraqueza do palato, que os bifes que comiam com juvenil gosto no Nicola e na Trindade tinham cafezinho, foi um crime de lesa-gastronomia (vá-se lá saber por infringir qual fundamental dogma?)!
 De facto, o que nunca perceberam foi que não há nem nunca houve um bife à café, ou talvez tenha havido durante o pouco tempo em que o do Marrare foi único, mas que quando o segundo surgiu já eram dois bifes à café e depois três e quatro e…. que o bife à café não é nem tem de ser algo baseado na técnica do Marrare que, de qualquer modo, nunca se chamou "à café"!
A suposta "subversão" da receita que Olleboma publicou em 1936 (que, de resto, é a do Marrare**** e não do à café) e de Maria de Lourdes Modesto (que apenas cita um dos muitos outros bifes à café,) tornou-se o exemplo-fetiche de desrespeito pela "sacrossanta tradição", inventando, de passagem, um novo conceito, o da contaminação semântica que, aqui para nós, mais parece o paradigma da “contaminação pela palermice”!
Bifes à Café, como os chapéus, há muitos; teoricamente tantos quantos os cafés, o do Pantagruel até leva gema de ovo e molho de carne assada e não deixa de ser à café por isso!

Esta conversa amena sobre bifes à café pôs-me a salivar e, com a hora de almoço a chegar, é talvez altura para descer até à Boa-Hora e ir à minha tasca da esquina, A Toca dos Caracóis, onde se faz um bife à café honesto, com boa carne, às vezes os alhos fritos para além da conta e sempre as batatas congeladas… ou posso também comprar um belo bife cru do acém redondo, o meu preferido, e vir fazê-lo exatamente como eu gosto e aprendi com Alfredo Saramago**, nesse tratado maior que nos deixou, sobre as comidas de Lisboa, “Cozinha de Lisboa e Seu Termo”***. Com café, naturalmente!

Ingredientes:

Bife alto de vaca, de peça a seu gosto
Alho
Sal e pimenta
2 colheres de sopa de banha
2-3 colheres de sopa de natas
½ chávena (bica) de café

Preparação:

Tempere o bife (usei acém redondo que corresponde à carne que sai de uma costeleta de novilho) com pimenta e um dente de alho cortado em fatias finas.

 Derreta metade da banha e, em lume forte, frite o bife dos dois lados tendo o cuidado de não o espetar durante esta operação

Retire o bife e reserve. Derreta então o resto da banha,  junte a nata, sal e o café e agite a frigideira para emulsionar.
Reponha o bife no molho e volte ao lume durante o tempo adequado para que fique bem ou mal-passado, a seu gosto.
Sirva regado pelo molho e acompanhado de batatas fritas.

Notas:
*José Quitério: jornalista desde 1973, autor e coautor de vários livros de tema gastronómico, fundou a secção de gastronomia do semanário Expresso e é diretor da coleção de gastronomia da Assírio e Alvim — "Coração, Cabeça e Estômago"

**Alfredo Saramago (1938-2008): Nome cimeiro das gastronomia e culinária portuguesas, usou a sua preparação académica como historiador e mestre em Antropologia (Univ. Friburgo), e em Gastronomia (Sorbonne), para desenvolver um trabalho ímpar na recolha e enquadramento histórico da tradição e atualidade da gastronomia portuguesa, de um modo científico e sem concessões a bairrismos, regionalismos, sequer a nacionalismos. A sua obra literária é, seguramente, a mais importante disponível sobre gastronomia portuguesa histórica e contemporânea. 
*** Saramago, Alfredo. Cozinha de Lisboa e Seu Termo, Assírio e Alvim, Lisboa 2003.
**** Na verdade não existe qualquer versão escrita de receita do original bife à Marrare, sendo muitas vezes aceite a versão publicada no Culinária Portuguesa, de Olleboma, em 1936. Mas o certo é que o último bife feito no Marrare aconteceu quando Olleboma tinha 14 anos ( em 1886) e é pouco provável que o tenha experimentado. Esquece-se normalmente que existe uma outra publicação anterior à de Olleboma da receita do Bife à Marrare, menos conhecida mas talvez mais importante ainda pois o autor é um técnico e não um gastrónomo e por isso sistematicamente relegado para o esquecimento pois a crítica gastronómica tem alguma raiva aos grandes técnicos e incensa a diletância. Trata-se de Manuel Ferreira e da sua obra monumental, A Cozinha Ideal, de 1933, onde existe um Bife à Marrare com diferenças substanciais em ralação ao de Olleboma, 3 anos depois. Como é fácil supor, não há qualquer hipótese de fazermos hoje uma escolha honesta sobre a autenticidade de uma (ou nenhuma) das receitas.   

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Fondue de Queijos no Pão

             Se tivesse de me pronunciar sobre qual o alimento de que mais gosto, o preferido entre tantos preferidos, seria muito provável que o eleito fosse esse alimento cuja origem se perde nas origens da própria raça humana, primeiro como misteriosa magia transmutatória do simples leite, ali a transformar-se em delícia por alguma divina intervenção, depois como forma de preservar o essencial do precioso leite: o queijo!
Quando a Ana me transmitiu, e ao Cupido, que o tema para esta 28ª Trilogia seria "Queijo" não podia ficar mais contente; é que queijo e eu vivemos uma guerra eterna cujas batalhas eu tenho vencido até hoje, apesar de saber que um dia o queijo será o derradeiro vencedor.
Mas até chegar o dia em que ele dará cabo de mim, eu vou dando cabo dele, tirando esta antecipada desforra, a única possível contra adversários desiguais e como-o sem remorsos e com deleite, como neste fondue de três queijos, dentro do pão onde o calor os misturou e que, para mim, a Zé, a Isabel, Joaquim, João e Tomás, foi ceia sublime.

Ingredientes:


200g de queijo da Ilha
200g de queijo Emmental
200g de Mozzarela
200g de natas 30% m.g.
200ml de Béchamel
200g de bacon
50ml de vinho do Porto
Pimenta preta
Orégãos
Pão entre 300g e 500g

Preparação:


Rale os queijos se não estiver a usar queijo adquirido já ralado, que é prático e aqui preferível*.
Parta o bacon em pedacinhos e frite-os na própria gordura até ficarem estaladiços.
Faça béchamel firme, junte-lhe as natas, o toucinho frito

e todos os outros ingredientes, exceto o pão. Misture bem e reserve.
Retire uma tampa aos pães (fiz 2 merendeiras de 300g) e esvazie o miolo. Encha a cavidade com a massa de queijos,
 tape de novo, embrulhe o pão assim recheado em folha de alumínio e leve ao forno a 170ºC por 30 a 45 minutos, consoante o tamanho do pão.
Ao fim deste tempo, certifique-se que o queijo está fundido e deixe o alumínio aberto por mais 10 minutos de modo a que a côdea fique muito estaladiça.

 Durante estes últimos minutos, toste também os pedaços de miolo
e use-os para molhar no queijo fundido.
A seguir, quando falta o miolo e a tampa, vai-se comendo a parede ao "tacho", por fim o fundo... de uma fondue de queijos no pão nunca sobra nada!

Notas:
Em todas as preparações em que  vá ser fundido, processo em que se perdem os aspetos mais preciosos da individualidade de um queijo, não há qualquer vantagem em usar queijos de qualidade superior, mais caros, bastando um queijo de qualidade mediana. Aqui, usei queijos dos que se vendem já ralados em embalagens de 200g e preço muito acessível.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Canja de Peixe e Mar


Faz hoje uma semana, quando aqui mostrei a bela cabeça de pescada que tinha sido o meu almoço domingueiro, acabei o relato com esta foto, a lembrar algum holocausto de trazer por casa, dos ossos ou espinhas que sobraram e que vos prometi mostrar transformadas em canja. Cá está!

Espinhas, peles e ossos são, após fervura prolongada, mananciais de sabor e de nutrientes, os caldos, que podemos  usar para fazer o que quisermos, desde enriquecer um prato ou, como aqui, simplesmente para temperar e fazer uma canja.


Ingredientes:

Espinhas e peles de peixe*, preferencialmente da cabeça
Postas do mesmo peixe, ou de outro (facultativo)
Frutos do mar, camarão, ou caranguejo, ou bivalves (facultativo)
Ovo (facultativo)
Azeite
Alho
Arroz carolino
Sal e pimenta
Vinagre de vinho (facultativo)
Poejos e/ou coentros espigados

Preparação:

Na água em que cozeu o peixe de onde provêm as espinhas, ferva-as em lume baixo por cerca de duas horas, juntamente com um ou dois dentes de alho, com a casca. 
Ao fim deste tempo, se quiser apenas a canja, passe logo para o parágrafo seguinte: se, como eu, optar por fazer desta canja uma refeição, coza ainda nesta água as postas de peixe e/ou o marisco, pondo-os na água e apagando o lume mal comece a retomar fervura. Deixe por alguns minutos e retire o peixe e marisco. Reserve.
Passe o liquido com as espinhas pelo chinês. Reserve o caldo.
Pique alho muito fino e passe-o por azeite, sem deixar fritar, na panela onde vai fazer a sua canja. Junte o caldo coado, verifique o sal e, quando ferver, junte arroz carolino, baixe o lume deixe cozer por cerca de 12-15minutos. Adicione então os poejos e/ou os coentros* (também fica excelente com hortelã ou hortelã da ribeira), deixe só ferver por alguns segundos e esfrie a canja através da introdução dos peixes e mariscos, devidamente arranjados (mantive algum camarão com casca para efeito decorativo).
Um ovo escalfado com a clara cozida e a gema bastante líquida, fica muito bem nestas canjas de mar.
* Também fica uma maravilha com bacalhau. Para isso, deverá dar-se ao trabalho de ir guardando peles e barbatanas para fazer o caldo (ou pode pedir que lhas dêem no sítio onde comprar o bacalhau). Neste caso, deve usar só bacalhau.
** Todas as mentas que vão bem com peixe servem para aromatizar uma canja. Estão neste caso o poejo, a hortelã, a hortelã da ribeira, qualquer deles a usar com prodigalidade no fim da fervura. Quanto aos coentros, que foi o que usei juntamente com poejos, é especialmente indicado o uso da planta já espigada, com flor ou até alguns frutos a despontar e quando a folha se transforma em finíssimas "agulhas" como as do endro; se usar a folha comum de coentro, disponível no supermercado, deverá fazê-lo em menor quantidade que as mentas, para evitar que a canja tome um travo a aipo que lhe desfeia o sabor portentoso.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Bag in Box - Amoreira da Torre 2009



Fui um dos cavalheiros da enorme távola redonda do David, mas pouco sei sobre adstringência, excesso de taninos, pouca acidez, vou para sempre evoluir mal na garrafa, só sei se gosto ou não gosto.”
     Rui Cardoso Martins in Evocando David Lopes Ramos, Clube de Jornalistas, 30-4-2011

Há palavras que dizem tudo de nós, apesar de vindas de outra pena e é inútil procurarmos outra forma de dizê-las: este sou eu frente aos vinhos, igualzinho ao Rui Cardoso Martins, que as escreveu e a muitos dos meus leitores que, como eu, bebem um copo de vinho à refeição, não a todas ainda assim, e  confrontam-se diariamente com a questão de como conservar uma garrafa de vinho aberta por dois ou três dias sem que o bom vinho do dia de abertura perca grande parte da graça e, para o fim, já não tenha mesmo graça nenhuma.
É para todos nós que gostamos de vinho mas não estamos na esfera iniciática das provas, dos enófilos, dos néctares raros, do wine pairing, dos vinhos "difíceis" dos grandes conhecedores, que este sistema de acondicionamento de vinho de que vos vou hoje falar é absolutamente indicado: o Bag in Box!

 O formato “bag-in-box” (BiB) fecha o vinho em bolsas de plástico alimentar, por regra PET, cobertos por uma folha de alumínio. O princípio é em tudo semelhante à técnica isolante das famosas embalagens Tetra-Pak. Estes sacos (bags), que permanecem invisíveis dentro de uma caixa de cartão (box), costumam conter  2, 3, 5, 6 e 10 litros, sendo os mais vulgares de 3 ou 5 litros. Incluída na embalagem está  uma torneira de serviço com uma válvula de passagem que impede a entrada de ar. Essa torneira permite dosear com precisão o volume de vinho a ser servido.
O formato BiB é comum nos países mais evoluídos do norte da Europa  onde chega a representar 50% do volume de vinho vendido, mas no  sul da Europa a sua aceitação tem sido mais controversa, estando a enofilia destes países, tradicionalmente elitista e conservadora, renitente em aceitar esta inovação técnica e criando no consumidor a ideia de que grandes volumes (exceto as suas queridas magnum) são sinónimo de vinhos de qualidade inferior.
As vantagens do “bag-in-box” para o consumidor são evidentes: como o vinho é embalado em vácuo e o saco vai-se esvaziando sem que haja entrada de ar à medida que o vinho vai sendo consumido, mantém-se sempre fresco, sem quaisquer sintomas de oxidação.

Do ponto de vista ambiental, a passagem para esta embalagem teria um impacto positivo tremendo, como refere a Revista de Vinhos nº227: "Um BiB de 3 litros gera cerca de metade das emissões de uma garrafa de 0,75l. Se 97% dos vinhos a serem bebidos jovens passasse para BiB, conseguiam-se reduzir a emissões de gases de efeito de estufa em 2 milhões de toneladas, o equivalente a retirar de circulação 400 mil automóveis".
Infelizmente são ainda muito poucos os produtores que, entre nós, têm a ousadia de apresentar esta opção de embalagem para os seus vinhos, sendo que alguns, envergonhados, o fazem para exportação mas não se atrevem ao mercado nacional.
Felizmente, porque há em todos os campos uma valorosa pequena percentagem de inovadores e gente que não se deixa amedrontar pelas mainstream ideológicas, já vai sendo possível encontrar vinhos de valor em BiB's nos nossos supermercados, distinguem-se pelo preço , um pouco mais alto que os correntes mais vulgares (infelizmente, nenhum enófilo se atreve ainda a dar nota a um vinho BiB).

Produzido em Montemor-o-Novo em vinhas antigas da Herdade da Amoreira da Torre, reconvertidas para agricultura biológica, agora certificada, com castas Trincadeira, Aragonês e Cabernet, este Amoreira da Torre 2009 é um vinho de que muito gosto, que conheci nas noites de tertúlia no Espaço do Tempo, o espaço coreográfico e cultural de Rui Horta, no castelo de Montemor-o-Novo.
Pode comprá-lo a 8.99€ nos Continente, em BiB de 3 litros e é um encontro com um vinho que Paulo Laureano faz respeitando o que a Natureza opera quando transforma uvas em vinho.
Não esqueça, quando o beber, de esperar um pouco para deixar o néctar "abrir" no copo: é que no sistema BiB, de cada vez que se serve, é como se a "rolha" tivesse sido acabada de tirar!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Canapés "prendados"

        A entrada, no sentido de um primeiro prato da refeição composta por dois, é um conceito quase desconhecido na cozinha  portuguesa, das famílias. Mesmo em ocasiões de cerimónia ou excecionais, coexistem dois pratos de importância idêntica, o de peixe e o de carne, mas o papel desse primeiro prato menos importante que abre a refeição é, entre nós, assumido pela sopa.
Sendo, também na minha cozinha de todos os dias, uma ilustre ausente, ao receber do Cupido o tema "Entradas" para esta 27ª Trilogia comigo e com a Ana, socorri-me de inspiração do sempre criativo João Batista da Costa Aguiar, o Senhor Prendado e, com algumas pequenas alterações à receita original (Canapés de Espinafre), se compuseram estes que,  claramente demais para dois comensais, acabaram por entrar, seguir e acabar a refeição, que ficou por aqui, e bem!

Ingredientes:

Pão (usei "artisan" de meu fabrico)
Azeite
Alho
Sal e pimenta
Espinafres
Farinha de trigo
Sumo de limão
Ovos de codorniz
Salada fresca

Preparação:

Corte fatias finas de pão que tenha alguma consistência e, com o auxílio de um aro ou mesmo com tesoura, retire rodelas de miolo em número igual ao de canapés que quer montar.
Frite estas rodelas em azeite bem quente, dos dois lados, de modo a que fiquem bem fritas, pelo menos de um dos lados. Escorra bem em papel absorvente. 
Esfregue rapidamente um dente de alho neste lado mais frito, aproveitando a rugosidade e dureza superficial do pão para desgastá-lo, impregnando assim o pão do seu sabor. Salpique com flor de sal e reserve.
 Escalde em tacho sem tampa, rapidamente, folhas de espinafres e, mal amoleçam, retire-as e passe-as logo por água fria, para manterem o verde. Pique-as à faca e salteie-as num fundo de azeite com alho muito picado, sal e pimenta. Junte um pouco de farinha para ligar o esparregado e no fim sumo de limão. Reserve.
Estrele em azeite um ovo de codorniz por cada canapé e reserve.
 Monte os canapés barrando cada rodela de pão com o esparregado de espinafre, ponha em cima de cada, um ovo de codorniz estrelado, tempere os ovos a seu gosto (usei flor de sal e pimenta) 
  e sirva com uma salada fresca a gosto (usei alface, tomate e rúcula, temperada com azeite e limão).
Cumprida esta 27ª Trilogia, que encerra o 9º Ciclo, está de novo nas mãos da Ana o rumo da 28ª, para a semana.