terça-feira, 24 de agosto de 2010

“Boquerones” ( Biqueirão/Sardinha, em vinagre)

....................... Ainda há poucos anos eram uma espécie de “peixe de gato”, e serviam para fazer as anchovas de lata, uma conserva que também não era muito popular e pouco mais.
Lembro-me de ouvir a minha mãe, na praça, a admoestar a peixeira de modo a que não viesse algum biqueirão misturado por engano nas sardinhas, peixe com que é aparentado em forma e dimensão e junto do qual aparecia com frequência.

Mas isso eram outros tempos. Agora, mercê da sua escassez, da procura ávida desta espécie pelas conserveiras, para anchovar e da popularidade que as preparações espanholas deste peixe ganharam entre nós e por todo o mundo, o biqueirão passou de peixe indesejado a ilustre ausente dos nossos mercados.
- Isso, quando aparece, é vendido a preço de salmonete e logo agarrado para ir para os hotéis do Algarve – foi a resposta que obtive ao tentar na minha praça de peixe lisboeta, sequioso por fazer uns boquerones en vinagre com que me deliciei nas férias galegas.
Em Espanha a coisa também não está muito fácil, sendo já uma aventura, para um particular, chegar aos desejados boquerones, muito canalizados para Málaga, onde a sua preparação se tornou um expoente e o seu consumo é enorme, de tal modo que os malagueños são conhecidos por “boquerones”, do mesmo modo que lisboeta é alfacinha e portuense é tripeiro.

Portanto e em termos práticos, se quiser uns boquerones para petiscar nestes últimos dias estivais, resta-lhe suplicar ao seu peixeiro que lhe arranje alguns a preço de salmonete e ficando com uma sempre funesta dívida de gratidão para o resto da vida, pode ainda usar esses já feitos que vêm num estojinho de plástico, muito arrumadinhos, mas que têm aquele não-sei-quê de sabor a conserva ou então, caçando com gato que foi o que fiz, fazer estes “boquerones” de sardinha, que essa há muita e que com este truque de preparação, que aprendi com esse grande senhor da gastronomia brasileira que é João Batista Costa Aguiar, deu origem também ao Ceviche de Sardinha de que vos falei aqui, há já muito tempo.
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Ingredientes:
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1 kg de Sardinhas fresquíssimas (ou ultracongeladas)
Sal marinho, grosso
Vinagre de vinho ou de malte
Azeite Virgem
Pimenta preta
Temperos ( Salsa, alho, pimentos, chalota)
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Preparação:
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Escame e escale as sardinhas, separando os filetes de modo a eliminar as espinhas dorsal e ventral.
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Apare os filetes.Ponha os filetes por meia hora em água gelada saturada de cubos de gelo, para lavar qualquer resto de sangue.
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Disponha os filetes em camadas, com abundante sal grosso, num recipiente ou passador que permita a saída do líquido que se forme.
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Ponha algo pesado por cima e deixe escorrer por três horas. É neste processo que a carne mole da sardinha vai perder água e endurecer ficando com a consistência da carne de biqueirão.
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Se arranjar biqueirão esta salmoura prensada é dispensável, indo os filetes directamente para a curtimenta acética, que será então temperada com sal.
Lave os filetes de modo a eliminar todo o sal agarrado e arrume-os em camadas,
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cobrindo-os então com o vinagre rebaixado com água na proporção 2:1 (dois de vinagre para 1 de água). Leve ao frigorífico por 24 horas.
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Após este tempo, em que todo o peixe foi cozido a frio pelo vinagre, os “boquerones” de sardinha estão prontos para consumir*. Durante uns 3-4 dias pode fazê-lo, directamente da marinada, temperando com alho finamente picado, chalota ou cebola, pimenta, salsa e pimentos crus, também picados finíssimo e azeite.
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Se quiser usar durante mais tempo, escorra bem os filetes, disponha-os e cubra completamente com azeite virgem. Pode assim demorar o consumo por semanas e até tê-los à temperatura ambiente**.

Notas: *Se quiser fazer a prevenção da Anisakiasis, uma parasitose que se pode transmitir ao homem através da ingestão de peixe cru e que causa sintomas intestinais e alérgicos, deverá congelar os filetes prontos e imersos na marinada ou no azeite, por 48horas, depois descongelar e consumir então. Em alternativa poderá usar sardinhas ultracongeladas.
**Quando se isola um alimento do contacto com o ar, como neste caso através de uma camada de gordura, criam-se condições para o desenvolvimento do Clostridium botulinun, um micro-organismo de desenvolvimento anaeróbio produtor de uma toxina paralisante e fatal. Para evitar este desenvolvimento há que conservar um ph ácido, inferior a 4.8, o que neste caso e em todos os produtos cozinhados pelo vinagre ou pelo sumo de limão é perfeitamente conseguido. Portanto aqui a questão temperatura não se põe, ao contrário dos alimentos que estão em contacto com o ar e para os quais a temperatura deve ser baixa para evitar o desenvolvimento aeróbio.
Os ceviches, alimados, escabeches e outros envinagrados submersos, resultam bem melhor se guardados fora do frigorífico, apesar do acervo de asneira que se divulga sobre este assunto; neste, como em tantos outros campos, o mundo está cheio de burros vergados ao peso dos livros…

10 comentários:

  1. Parabéns pelo delicioso e pedagógico texto! É um dos meus petiscos favoritos... Vou agora tentar fazê-lo em casa!
    :)

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  2. Lembro-me bem de em adolescente comer esses peixinhos fritos, a minha mãe comprava-os. Claro está como disse na região sul do país. E as anchôvas, até no meu 11º ano do secundário fiz um trabalho sobre o ciclo produtivo de uma fábrica de anchôvas. Passados uns anos fechou, como tantas conserveiras deste pais.
    Hoje em dia até para comermos umas sardinhas de conserva a probabilidade de serem Espanholas deve rondar ai os 95%. E Portugal já teve um império no mundo das conservas.
    Perdi não sei como um livrinho antigo que tinha de à muitos anos,talvez até viesse da geração dos meus pais que era "100 maneiras de cozinhar sardinha de conserva".

    Voltando a receita, parabéns, conseguiu fazer os ditos! Em Espanha são mesmo um must. Confesso que das vezes que estive em Madrid há três coisas que não resisto: cogumelos da Meson des Champiñons, Boquerones e Macarones.

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  3. Cheguei, falta-me só 1 semana de «doce nada para fazer», chego aqui e é só cheirinho de férias, de mar, de petiscos... tudo muito bem descrito pelo Luís, como já vem sendo hábito.
    Eu escolho os mexilhões, pode ser?
    Beijinhos.

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  4. Parabéns pela receita.
    Não será possível guardar em frascos esterilizados e fervidos, como nas conservas de fruta?

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  5. Boas

    No Algarve este petisco é muito apreciado este verão tive oportunidade de fazer um video que publiquei no meu canal de youtube se tiverem interesse vejam o seu modo de confecção: https://www.youtube.com/watch?v=W_bvUsCgjFY&t=282s (atenção não sou de todo cozinheiro profissional)

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  6. Pois tal como eu faco...com petinga a falta do biqueirao....aprendi a fazer com amiga de Murcia. Bom petisco.

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  7. Bem explicado e fica muito bom. Obrigada

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  8. Adorei a sua receita dos biqueirões envinagrados, estou neste momento a fazer dois kg deles. Estou agora na fase da marinada. Vim consultar esta receita pois a minha dúvida era o prazo em que se podem conservar em azeite. Bem, desde cobertos por azeite aguenta semanas pelo que entendi. Obrigado. Os biqueirões têm sido vendidos a cinco, seis euros o kg em Olhão.

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  9. Gosto mais de carapaus alimados (ou cavalinhas ou mesmo sardinhas) do que de boquerones.
    E também de carapaus de escabeche...

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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