sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Risotto de Tripas

..................... Resquícios de passadas glórias e solitários orgulhos mais recentes, quando encontramos algo lá fora, comparável com outro algo que deixámos no luso torrão, o nosso primeiro impulso é de superlativizar a excelência do "genuíno" produto português.
Se em alguns casos (infelizmente bem menos que o desejável) até temos razão, na imensa maioria das vezes apenas falamos por bravata patrioteira. Para evitar cair nesse provincianismo periférico opto, sempre que sinto impulsos de falar em "melhor do mundo" por usar uma fórmula mágica que deixa todos contentes: "O pão alentejano é o melhor pão alentejano do mundo" ou " Não há no mundo melhor cozido à portuguesa que o cozido à portuguesa". Fica tudo satisfeito e não se diz mentira nehuma!
Esta entrada serviu para introdução ao prato que hoje vos trago, uma criação que se poderia chamar de refusão (ou fu-fusão) que entra em campos de nacionais e nortenhos brios, já que funde as sacrossantas tripas portuenses com mais algumas das muitas que por esse mundo fora há, e boas, e ainda as apresenta como um italianíssimo risotto!
Por isso, fique aqui registado para memória futura que eu considero as Tripas à Moda do Porto, as melhores Tripas à Moda do Porto do mundo!
O caso não é para menos, estamos a falar de um prato para o qual se inventou uma lenda de contornos pretensamente históricos que, coloca em 1415, uns, em 1832 outros, o nascimento de um prato que é realmente muito mais antigo, cujas raízes mergulham na Idade Média europeia e que tem poucas diferenças em relação aos seus também lendários congéneres, as bretãs Tripes de Caen, as corsas Tripettes Corses du Nebbio, as italianas Busecca lombarda ou Trippa in Umido ou ainda os Callos madrilenos.
Por vezes esquecemos preciosidades singulares e amesquinhamos em picardias locais pratos que têm uma grandiosidade global!
Mas vamos ao risotto:
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Ingredientes:
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1kg de Tripas (dobrada)
1/2 mão de vitela ou vaca
1 Chouriço de carne caseiro (usei alentejano de Sousel)
1 + 2 Cebolas médias
3+3 dentes de Alho
3 Cravinhos
1 folha de Louro
1 colher de café de pimenta preta em grão
3 malaguetas secas ou uma fresca e verde
4 Tomates médios maduros ou, fora da época, 2 copos de polpa.
1 ramo de Salsa
2 folhas de Sálvia
2 Cenouras
0,5 dl de Azeite
200g de Arroz Carnaroli
2dl de Cidra
1 colher de sopa de Calvados ou, na falta, Cognac.
3 colheres de sopa de puré de feijão branco cozido ou Queijo Parmesão ralado.
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Preparação:
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A dobrada que se encontra à venda é já, por norma, lavada e higienizada, pelo que bastará uma lavagem sumária antes de pôr a cozer, em panela de pressão, juntamente com a mão de vitela, sal, uma cebola com os cravinhos, três dentes de alho com casca, uma folha de louro, uma colher de café de pimenta em grão e as folhas de sálvia. Coza por 80 minutos se estiver a usar dobrada e mão de vitela e por 120 minutos se de vaca adulta. Coe e reserve o líquido.
Se gosta de mão de vaca, reserve uns pedaços juntamente com a dobrada. Se não gosta, dê ao cão que lhe chamará um figo, além de ser excelente para o pêlo.
Trate então do risotto: num tacho refogue em azeite os tomates até eles terem perdido todo o líquido, adicione então a cebola picada, os restantes alhos, desta vez sem a casca, a malagueta verde aberta ao meio, as cenouras às rodelas finas e a salsa, deixando alourar ao de leve. Junte então o chouriço também em rodelas, dê uma volta para largar sabor para o refogado e junte então o arroz.
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Vá mexendo até este estar translúcido mas nunca acastanhado.
Junte então, de uma vez e em lume forte, a cidra misturada com o Calvados (se a cidra que usar não for bastante frutada e ácida, misture-lhe o sumo de um limão). Deixe evaporar completamente o vinho. e adicione as carnes.
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Comece então a adicionar pequenas quantidades de caldo, mexendo sempre e adicionando mais um pouco de caldo sempre que comece a secar; este processo deverá estar concluído em cerca de 20m, tempo de cozedura para o Carnaroli. Se usar outro arroz deverá verificar o andamento do processo, que poderá ser substancialmente mais curto. Na última adição de caldo, pode optar por adicionar queijo (opção risotto típico) ou, como eu fiz, cerca de 3 colheres de sopa de puré de feijão branco cozido que engrossou e aveludou o molho, deixando aquela nota da dobrada portuguesa em fundo.
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Se é amante de risottos e de tripas, este é um prato que jamais esquecerá.

3 comentários:

  1. Gostava de experimentar, mas tenho algumas dúvidas:
    -o caldo a que se refere é o que resultou da cozedura da dobrada
    - não se poderá usar pé de porco

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  2. BE-A,
    O caldo é o que resultou da cozedura temperada da dobrada e da mão de vitela.
    O pé de porco, vulgo chispe, não tem a quantidade de gelatina dos de vitela e tem também um sabor mais acentuado. Essa parte do sabor até nem seria problema (nas tripas à moda do Porto, usa-se cabeça e orelha de porco), mas a falta da gelatina ia "endurecer" a suavidade do molho final.
    Mas se tem problemas com mão de vaca (eu tenho!), não deixe de experimentar por isso. Este risotto é um prato perfeitamente experimental e tudo menos canónico, claro!

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  3. Esta é uma preparação de que dificilmente me lembraria, mas apenas porque associo naturalmente as tripas ao feijão branco e confesso que cada vez menos gosto do arroz nas feijoadas. Também porque associo o risotto a uma preparação mais ou menos delicada e muito diferente das nossas "arrozadas". Subtil o toque final do feijão (eu também não optaria pelo queijo) a querer aproximar o risotto das tripas. Desconcertante e acima de tudo, ousado. Parabéns pela preparação (que vai ficar na minha wish list de coisas a experimentar).

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