domingo, 1 de maio de 2011

Descascar favas (como fazia a vizinha Plinária)


                    No tempo do Estado Novo, surgiram umas estranhas escolas primárias semi-oficiais, dentro das grandes herdades alentejanas, construídas e sustentadas pelo latifundiário que assim evitava a dispersão dos trabalhadores infantis em caminhadas de horas para chegarem à escola da vila mais próxima, com o inerente prejuízo das tarefas rurais a que as crianças estavam submetidas.
Nessas escolas o "professor" era também contratado pelo senhor da terra, muitas vezes até um parente e as habilitações para o cargo não eram questão importante, sendo vulgar que os alunos que normalmente só faziam a 3ª Classe ( chamava-se o 1º Grau e era uma espécie de bacharelato primário), tivessem como mestre alguém que tinha apenas a 4ª Classe, o 2º Grau!
A vizinha Plinária foi uma destas bacharéis de escola de herdade e quando a conheci, já velhota, só a custo fazia mais que escrever o próprio nome, que, no entanto, nunca reconheceu como seu.
- Plinária, vem cá, Plinária está quieta, Plinária aventa isto ao reco!- nunca soube que se chamasse outra coisa e até a professora lhe ensinou a desenhar um formoso "P" para iniciar o seu nome, laboriosamente escrito na lousa e até bordado em algum lenço mais fino.
Só pelos 12 anos, quando foi a Montemor fazer o exame de 1º Grau, Plinária soube, consternada, que alguém lhe tinha realmente posto o estranho nome de Apolinária e foi a muito custo que lá fez o exame com o "falso" nome que a havia de perseguir pela vida fora, a cada vez que o tinha de escrever  nalgum documento oficial.
A vizinha Plinária não chegou a doutora mas descascava favas como ninguém!
Com um golpe certeiro as vagens abriam-se e soltavam os túrgidos bagos verdes, todos a arreganhar a pele à volta do golpe que, ao passar, também os atingiu. Este golpe na pele de todas as favas era o segredo para que se impregnassem de sabores e temperos durante os tratos que a seguir sofreriam até se transformarem em pitéu.

Ingredientes:

Favas inteiras

Preparação:

Pegue na vagem com uma das mãos e dê-lhe um golpe longitudinal com uma lâmina bem afiada de faca ou até de x-acto ( eu aproveitei para experimentar as minhas novas facas de porcelana!).

Este golpe deve ser suficiente para seccionar não só a casca como também a pele das favas, que ficarão todas golpeadas.

Através deste golpe, as favas ficarão acessíveis ao contacto com todos os temperos que fizerem parte da receita com que as vai cozinhar, impregnam-se de molho e aromas e ficam uma verdadeira delícia.

8 comentários:

  1. Luís:
    Acabo de abrir a caixa de correio e dei com o seu post. Pois creia que com a minha respeitável idade, só há cerca de duas semanas me ensinaram esta maneira de cortar as favas.Faz todo o sentido. Já experimentei e ficam de facto saborosíssimas.
    Não quero acabar sem lhe pedir, conforme já por si referido, um bom post sobre ARROZ, " esse grande escultor" das nossas cozinhas. Se puder fale também do Bomba espanhol que conheci há dias.O rei , no m eu entender, é o Carolino pouco polido... mas há outros. Não há é livros sobre o assunto.
    Mais uma vez obrigado pela sua partilha de tantos saberes.
    um abraço martinho.cruz@gmail.com

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  2. adorei a história, adoro tudo que seja do passado.

    a minha mãe descasca a fava normalmente e depois "golpeia" a fava com a unha, mas essa forma é muito mais prática.

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  3. E eu que detesto descascar favas, fiquei com vontade de experimentar esta forma de as golpear (novidade para mim, que de favas não pesco nada)...
    Beijinhos.

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  4. Eu vou descascando favas e comendo-as. Gosto delas até cruas e de ervilhas também. Rusticidades...

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  5. Estimado Luis Pontes
    Fico muito agradecido por compartilhar estes Apontamentos sobre o Azeite...de que sou um grande apreciador. Só nesta altura, e neste ano, estou deixando o meu comentário porque só agora tomei conhecimento deste seu Blog e, desde já lhe dou os meus sinceros parabéns pois, pelo pouco que dele eu vi, já colhi muita informação e adquiri conhecimentos, entre eles o da forma de fazer o Salmão fumado á maneira nórdica -GRAVLAX- que ficou uma maravilha, e que me levou a pesquizar na net e a conhecer o seu Blog, como referi.
    Já agora gostaria de saber da sua opinião (se possivel) sobre os azeites definidos como "extraidos a frio", da sua "seriedade..." e do seu interesse na utilização, porque é bem caro.
    Muito Obrigado e o meu abraço -
    J. Carlos

    ps- Estou de novo a repetir o meu Comentário/Azeite, depois de ler a sua chamada de atenção quanto a comentários feitos em temas já antigos.
    Que me desculpem os outros Comentaristas e Leitores.

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  6. Caro José Carlos,
    Muito obrigado pela sua visita e palavras.
    O panorama do azeite português está em evolução ascendente rápida, as duas últimas campanhas foram excelentes e assiste-se a um mudar de mentalidade como há muito não se via por cá. Hoje é possível encontrar bons e "honestos" virgem-extra nas marcas populares a preços incríveis e qualidade muito boa. De algum modo está a esbater-se o fosso entre os muito bons (Romeu, Alfandagh, etc.) e caros, e o azeite de planície, então feito sem grande cuidado e muitas vezes desonesto. Hoje produz-se azeite de qualidade "mundial" de norte a sul de Portugal, nomeadamente nos grandes olivais de regadio do Alentejo, a abastecer a preços democráticos as grandes superfícies e marcas de "televisão". Foi uma mudança muito rápida e claro, estamos todos de parabéns!

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  7. Martinho de Almeida,
    O post sobre arroz está "ao lume".
    Na verdade não faço ideia quando verá a luz do dia pois os escolhos são mais que muitos, com quase tudo a ter de ser testado e comprovado, a informação disponível é, não só escassa como totalmente eivada de mitos e incorreções.
    O Bomba (ou Calasparra) é o grande arroz para Paella, onde consegue o feito de ser um redondo cheio de amido e goma que fica solto como um basmati! Falarei dele, é claro, apesar de nunca o ter visto à venda em Portugal (e em Espanha é a 5€ o quilo).
    Entretanto entretenho-me com o incrível Carolino, de Alcácer e do Mondego, com o qual se faz, literalmente, tudo!

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