O simples facto de um indivíduo de elevado potencial ter nascido no sul do Sudão, em Lisboa ou em Helsínquia, poderá traçar de imediato aquilo que será o seu futuro.
Vinte e cinco anos depois, haverá grande possibilidade de o finlandês estar já a caminho do segundo doutoramento financiado pelo estado e com uma carreira brilhante à sua frente, o português terá concluído o 12º Ano e debater-se-á na procura desesperada de um emprego qualquer, depois de duas breves passagens por empregos temporários e o sudanês terá sucumbido de fome e de malária aos 6 meses de vida.
O finlandês sonha com um Nobel, o português com um trabalho, o sudanês não sonha. São assim a vida, a morte e os sonhos dos homens!
O simples facto de um vinho de elevado potencial ter nascido lá para Beja, na península de Setúbal ou no Douro, poderá traçar de imediato aquilo que será o seu futuro.
Após os devidos tratos vinificadores e merecidos estágios nas madeiras certas estes três excelentes vinhos vão enfim enfrentar os seus sonhos e destinos: para o Sr. Vinho lá de cima isto não é sequer motivo para qualquer ansiedade, ou não fora ele feito por um desses enólogos míticos a quem todos os enófilos se curvam e cujos vinhos já têm nota assegurada ainda a uva está em flor, além de que nunca se sujeitará a essas infâmias das provas cegas*, não é preciso tal para topos de gama e, de qualquer modo, o seu estiloso rótulo faz parte integrante da inolvidável experiência que deve constituir a sua degustação.
Já para o pretendente sadino a vida, pelo menos em terras lusas, é dura: apesar de ser reconhecido em todo o mundo como um vinho “cinco estrelas”, disputado e premiado por quem classifica vinhos por aquilo que são e não pela aristocracia marialva do dr. que o fez, cada menção honrosa é arrancada a ferros. É que a quinta onde ele nasceu foi comprada por um tipo rico mas sem pedigree nenhum, não tem sequer um cursito qualquer para ser dr. e teve de se contentar com o humilhante título de comendador de qualquer coisa, o título que se dá aos pés-descalços muito ricos mas de quem ninguém se lembra, lá na ilha donde veio, quem era o avô. Um horror!
Quanto ao de Beja, não há qualquer problema: não existe!
Como qualquer enófilo suficientemente gourmet sabe, já Olleboma** dizia “…/… sendo Borba a única região … importante e interessante, são consumidos na região a seguir à colheita; não são tratados nem engarrafados, não interessando ao consumo dos apreciadores gastronómicos.”
Fica pois o bejense já fora do concurso e por imensos motivos, a saber: toda a gente sem graduação enófila gosta dele, vende-se muito, se fosse roupa vendia-se na Zara, é fácil de gostar, vende-se no supermercado e entra em promoções e, last but not least, é alentejano e aquilo lá para os mouros é tão grande que nem se nota o “terroir!.
No universo de elite da moda vínica e das sábias confrarias de santos inquisidores, estas incursões de vinhos bons vindos de terras plebeias é mais que crime, é heresia e castiga-se em Auto de Fé, na fogueira: ainda há dias vi no blog de um desses Torquemada (um tal Pingus Vinicius), temperar-se, por puro acinte, um pargo no forno com ….. Pêra Manca!
Se hoje abro uma exceção e vou falar de um vinho foi porque encontrei um “alentejano” notável, um vinho inesquecível, mas esquecido naquela terceira categoria da brincadeira de abertura deste post.
Nascido perto de Beja, o Herdade das Pias, T & T de 2008 é um vinho de que não encontrei ( na Internet, pois não sou assinante de revistas de vinhos) qualquer nota de prova, mas que provei, não no sentido técnico que o enófilo dá a palavra “prova”, mas sim querendo apenas dizer que bebi a uma refeição uma (infelizmente única) garrafa do dito.
Complexo, mineral, cheio de aromas e sabores sedutores, este T & T feito de Touriga Nacional e Trincadeira em partes iguais foi uma experiência de equilíbrio que recomendo vivamente a todos os que queiram ousar os néctares que escapam aos radares da enologia corporativa “oficial”. A 9-10 €.
Notas: * Provas Cegas - Os sistemas de avaliação em cego (blind random) ou duplo-cego (double blind random), são os únicos admitidos, em qualquer área do saber e da investigação, pelo mundo científico em todos os casos em que a avaliação pretendida depende de um qualquer fator humano. Não é tanto a questão da fraude (sempre possível em qualquer sistema) que está em causa mas a impossibilidade reconhecida de o avaliador não influenciar inconscientemente os resultados pelas suas convicções ou expectativas. No universo das provas de vinhos, em que a avaliação é, na prática, apenas dependente de impressões subjetivas e a organolética de um vinho o grande determinante da sua classificação, seria, por maioria de razão, de esperar que o duplo-cego fosse o sistema único adotado para as provas classificativas de vinhos. No entanto, à parte alguns grandes painéis de algumas revistas e organismos oficiais ligados ao setor (mesmo assim com resultados sujeitos a "correções"!!!), o sistema é mal visto por muitos dos provadores e para vinhos topo-de-gama, a que atribuem uma nota que é absolutamente legítima para efeitos de organização pessoal mas que ao ser divulgada a terceiros gera inevitavelmente uma hierarquização de resultados forçosamente distorcidos na sua qualidade classificativa. Nas provas cegas, algumas singularidades famosas têm acontecido, como a do vinho de 14€ que ficou em 2º lugar à frente de uma dezena de outros consagrados de muitas centenas de euros por garrafa. Argumentos bizarros como o de que a prova de um vinho destes é indissociável da informação cultural prévia e do rótulo, que as provas cegas são propícias a exibições circenses, etc., justificam a recusa do método por muitos "especialistas"que, ainda assim, não se coíbem de divulgar classificações baseadas em notas de prova pessoais.
** Olleboma, Culinária Portuguesa, Assírio e Alvim, Lisboa 1994, pp.432
Notas: * Provas Cegas - Os sistemas de avaliação em cego (blind random) ou duplo-cego (double blind random), são os únicos admitidos, em qualquer área do saber e da investigação, pelo mundo científico em todos os casos em que a avaliação pretendida depende de um qualquer fator humano. Não é tanto a questão da fraude (sempre possível em qualquer sistema) que está em causa mas a impossibilidade reconhecida de o avaliador não influenciar inconscientemente os resultados pelas suas convicções ou expectativas. No universo das provas de vinhos, em que a avaliação é, na prática, apenas dependente de impressões subjetivas e a organolética de um vinho o grande determinante da sua classificação, seria, por maioria de razão, de esperar que o duplo-cego fosse o sistema único adotado para as provas classificativas de vinhos. No entanto, à parte alguns grandes painéis de algumas revistas e organismos oficiais ligados ao setor (mesmo assim com resultados sujeitos a "correções"!!!), o sistema é mal visto por muitos dos provadores e para vinhos topo-de-gama, a que atribuem uma nota que é absolutamente legítima para efeitos de organização pessoal mas que ao ser divulgada a terceiros gera inevitavelmente uma hierarquização de resultados forçosamente distorcidos na sua qualidade classificativa. Nas provas cegas, algumas singularidades famosas têm acontecido, como a do vinho de 14€ que ficou em 2º lugar à frente de uma dezena de outros consagrados de muitas centenas de euros por garrafa. Argumentos bizarros como o de que a prova de um vinho destes é indissociável da informação cultural prévia e do rótulo, que as provas cegas são propícias a exibições circenses, etc., justificam a recusa do método por muitos "especialistas"que, ainda assim, não se coíbem de divulgar classificações baseadas em notas de prova pessoais.
** Olleboma, Culinária Portuguesa, Assírio e Alvim, Lisboa 1994, pp.432
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