quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Coq au Riesling

                  O tema para esta 47ª Trilogia com a Ana e o Cupido, foi “A Cozinha do Vinho” e, se de repente pode parecer algo rebuscado ou raro, se atentarmos no número de vezes que as nossas receitas passam por marinadas e vinhas de alhos, por refrescar com vinho branco, temperar com Porto ou Madeira, vemos que bem poucos são os pratos que, nalguma altura da sua preparação, não levaram um vinho.

Na verdade os grandes pratos feitos com base no vinho, como as chanfanas ou o coq au vin já aqui figuram no Outras Comidas, pelo que a escolha recaiu sobre um outro emblema da cuisine française, o Coq au Riesling, sendo que este Riesling é um famosíssimo branco seco da Alsácia que eu, naturalmente, substituí por BSE* com belíssimos resultados e que, a propósito, nos leva diretamente para o tema, que alguns acham polémico, da qualidade dos vinhos que se usam para cozinhar.
Quando se fala de vinhos para cozinhar, existem por norma 3 posições, que cada opinante defende com unhas e dentes: nos extremos, estão os que acham que para cozinhar qualquer coisa serve, já que é para “queimar”, e os que acham que se deve cozinhar com os melhores vinhos, pelo menos tão bons como os que se servirão no repasto. Entre estes extremos ficam os outros, ditos mais comedidos e sensatos, que acham que no meio é que está a virtude e que sendo asneira “queimar” vinhos excelentes, os vinhos fracotes também não cumprem o desiderato. Curiosamente, acho que nenhum tem razão e, na minha humilde opinião, todos a podem ter.
A única oportunidade para se usar um vinho excelente num cozinhado, sem ser por exibição possidónia****, são aqueles raríssimos pratos que levam vinho após a confeção, já fora do lume. Conheço dois ou três nas cozinhas francesa, alemã e eslava, nenhum na cozinha portuguesa e de facto, o uso de vinhos assim na cozinha costuma ser uma pura exibição ostentatória de novo-riquismo ignorante porque, realmente, é preciso não se fazer a mais pequena ideia do que acontece ao vinho dentro de uma panela ou frigideira para se pensar que algo das suas propriedades organoléticas poderá sobreviver a tal “queima”. 
A esmagadora maioria dos vinhos baratos, a chamada gama de entrada (de 1 a 3€ a garrafa) serve para a esmagadora maioria dos pratos feitos com vinho; não estou a falar de algumas zurrapas “a martelo” que hoje já quase não aparecem e será sempre necessário perceber a característica básica deste vinho quanto a açúcares, ácidos, taninos pois se um vinho adocicado poderá servir na perfeição para algum prato agridoce, já a maioria pedirá alguma secura ao vinho utilizado. 
Mas posições como a muito conhecida de que se deve “constipar” o leitão da Bairrada com o vinho da região são puro delírio até porque para além do choque térmico, não fica nada que possa ser atribuído às características do vinho bairradino na pele do leitão.
Quanto à posição do meio, a comedida, partilho-a quando se trata de uma cocção lenta em vinho, como é o caso das referidas chanfanas e do coq au vin em que o vinho perde o álcool mas mantém a sua fase aquosa durante todo o cozinhado. Aí, se se for beber um vinho médio, aconselho o seu uso também para o tacho. 
Se o vinho a beber for já um bom vinho, então guarde-se para ser bebido que foi para isso que foi feito.
Já falados do “Riesling/ BSE*” vamos então ao “coq” que foi este, magnífico, apanhado na capoeira campestre alentejana e que cumpriu tão bem a sua pouco voluntária  obrigação, que aqui deixo em homenagem a última foto antes do passamento,

                                                    Última foto da vítima, momentos antes do sacrifício.

a cujos pormenores vos poupo, pois sei que os meus leitores são pessoas sensíveis e, como diz Sophia**: “As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazes / De comer galinhas…/…”.


Ingredientes ***:

1 Galo
50g de manteiga
3 chalotas
2 colheres de sopa de farinha
1 garrafa de Riesling
250g de cogumelos de Paris
1 colher de sopa de vinagre
¼ de um limão
200g de natas 30%m.g.
Salsa, louro e tomilho (bouquet garni)
1 raminho de aipo
Sal e pimenta

Preparação:


Derreta 40g de manteiga numa caçarola e coza nela os pedaços de galo, sem deixar dourar. Junte a chalota cortada ou picada, salpique com a farinha e envolva bem.

Junte então o vinho e um pouco de água, se necessário, para que a carne fique coberta. Tempere com as ervas, sal e pimenta e deixe a fervinhar, tapado, até o galo estar tenro, o que levará cerca de 2 horas.

Cozinhe rapidamente os cogumelos na restante manteiga, sumo de limão, sal e pimenta. Reserve.

Retire a carne para a travessa de serviço e mantenha-a quente. Reduza o liquido em lume forte e caçarola aberta durante alguns minutos de modo a que se reduza um terço o seu volume, passe este molho pela varinha, junte os cogumelos e as natas,
deixe ferver por momentos e despeje sobre a carne.

Acompanhe com arroz branco.


Notas: * Feito com as castas Antão Vaz, Fernão Pinto e Arinto, das Grande Vinha de Algeruz e da Vinha dos Cistus este BSE (Branco Seco Especial) é, desde 1947 e a um preço irrisório, um dos grandes brancos portugueses, para cozinhar e, naturalmente, para beber sem nunca desiludir.
** Sophia de Mello Breyner Andresen, As Pessoas Sensíveis, (Livro Sexto)
*** Françoise Bernard, La Cuisine Facile, pp. 175, Hachette, Paris 1965
**** Há ainda a possibilidade de um grande vinho ser utilizado na panela por exibição insultuosa, como foi o caso de um dos mais elitistas e arrogantes “críticos” enófilos da nossa praça, um tal Pingus que, na sua sanha anti vinhos-de-que-os-outros-gostam, usou, ou diz que usou, o Pêra Manca para regar um peixe no forno…

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Cogumelos au Roquefort



            Em matéria de cogumelos, não sou mesmo esquisito!
Realmente, desde os comuns branquinhos de todos os dias, aos enlatados, à multidão de variedades cultivadas e que, exceção feita aos Pleurotus, são todos muito parecidos, até aos magníficos cogumelos bravios, de que sou recoletor e guloso incorrigível, marcha tudo! Até os secos, coitados, que sendo pálida imagem do que foram em fresco, estão agora em voga e servem muito bem, à falta de outros.
Quando me deitei a pensar no que faria para esta 46ª Trilogia com a Ana e o Cupido, com tema “Cogumelos”, tema de responsabilidade ou não seja um fungo o maior ser vivo que se conhece neste planeta, o desejo voou de imediato para as variedades do topo das minhas preferências, os boletos, as morchelas, as túberas, o pleurotus bravio, os míscaros, cantarelos, até o Agaricus de que colhi quantidades prodigiosas o ano passado.
Mas este foi um ano miserável, não só para vinho como para cogumelos; de todos estes que nomeei agora, este ano não vi nenhum e também porque sei que a esmagadora maioria de quem me lê não tem acesso a mais cogumelos do que os que estão no supermercado, decidi-me ficar pelo cogumelo comum e criar algo de novo para esta festa trilógica. 

Ingredientes:

Cogumelos tipo “agaricus”
Bacon (ou chouriço, ou presunto)
Alho
Azeite
Gema de ovo cozida
Queijo Roquefort* ou outro “azul” a gosto
Sumo de limão
Ovo batido e pão ralado
Sal e pimenta

Preparação:

Use cogumelos fechados com uma volumetria aproximada de uma ameixa ou tangerina pequena. Usei uma variedade de cogumelo de Paris (agaricus) chamada “marron” pela sua cor, apenas porque foi o que havia na mercearia; apesar da cor são rigorosamente iguais aos irmãos brancos.
Limpe os cogumelos sem os lavar, espete cada um pelo pé e passe-os por 2 ou 3 segundos numa panela com água fervente e vinagre para branqueá-los.
Retire o pé e escave o interior do cogumelo com o auxílio de uma colher de chá de bordo fino ou de um vazador próprio, se tiver. Reserve o material que escavar.
Parta a carne de fumeiro em pedacinhos ou tirinhas pequenos e frite-a numa frigideira apenas untada de azeite e acompanhada de um alho picado muito fino. 
Quando a carne estiver frita e estaladiça, junte os pés dos cogumelos, picados, e demais material escavado do interior e salteie juntamente com o fumeiro frito por breves instantes. Misture então gemas de ovo cozidas e sumo de limão, tempere de pimenta e sal (atenção ao sal da carne!) e ligue como se para recheio de ovos verdes.
Ponha dentro de cada cogumelo um pedaço de queijo Roquefort*, e acabe de encher o cogumelo com o recheio, de modo a imitar a curvatura do chapéu e a ficar o conjunto com a forma de bola achatada.
Passe por ovo batido e pão ralado.
Frite em azeite quente até terem o aspeto de ovos verdes 
e sirva com um acompanhamento a gosto.
 Nota: * O Roquefort liga maravilhosamente com o cogumelo, talvez por ser ele próprio um queijo digerido por um fungo. No entanto, se pertence ao número de pessoas que não tolera o sabor forte dos queijos “azuis”, pode usar aqui um outro queijo, desde que de sabor bem marcado como o S.Jorge ou um queijo de cabra. Não será nunca  de usar queijos neutros que apenas fundem sem sabor, como mozzarela e similares. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Arrepiar

                    Nos tempos em que havia tempo para a função de cozinhar, era comum que muitos alimentos tivessem de ser preparados previamente à sua utilização. Eram as longas marinadas, as salgas e dessalgas, o lento levedar e descansar das massas, comprar hoje uma abóbora gila e só fazer o doce daqui a um ano, quando ela estiver perfeita, esperar seis meses por uns rojões, um chutney ou um licor para degustar a sua plenitude sápida, as mortificações da caça e de muitas outras carnes ( Olleboma recomendava ter os bifes pelo menos 3 dias no frigorífico antes de cozinhá-los).
Hoje, tudo se sacrifica às frescura assética e rapidez, num frenesim que nos priva de alguns dos tesouros que os nossos ancestrais criaram ou descobriram, simplesmente porque tinham… tempo.
De entre os sabores perdidos na área dos peixes estão as barrigas de atum salgadas, as sardinhas de cura amarela, em barrica, o polvo de meia-cura, a moreia semi-seca e os arrepiados.
Arrepiar um peixe é uma técnica que permite uma transformação sui generis em açúcares que sustentam a sua estrutura muscular, transformando carnes moles como as da abrótea* ou da pescada em peixes firmes e lascados. Significa esfregar o peixe inteiro com sal grosso no sentido cauda-cabeça e deixá-lo pendurado pelo rabo durante um período de 12 horas.

Ingredientes:

Peixe inteiro
Sal grosso

Preparação:

O peixe a  arrepiar deve estar escamado e eviscerado, ter mais de um quilo (quanto maior, melhor) e, se tiver o fígado, deverá retirá-lo antes de arrepiar e guardá-lo no frio.
Comece por amarrar com firmeza o rabo do peixe com um nó espesso que possa suportar-lhe o peso quando o pendurar sem que o fio corte a pele.
 Eu uso o nó clássico de empatar anzóis, encarando o rabo do peixe como a haste do anzol, mas este nó tem alguma complexidade para quem não o sabe fazer e pode usar qualquer outro que queira e for capaz.
Use sal grosso mas não excessivamente grosso. Eu cozinho com sal integral comprado em salina e que tem por isso cristais às vezes muito grandes, pelo que o pisei um pouco no almofariz.
Esfregue então o peixe com o sal, sempre em movimentos corridos e só no sentido rabo-cabeça.
Pendure-o então pelo rabo
E cubra-o com um pano para que fique protegido de insetos e mantenha uma temperatura fresca.
Ao fim de 12 horas, ou no dia seguinte se o deixar pendurado durante a noite, estará pronto para cozinhar e disfrutar de lascas e textura magnificas.
Nota: * Refiro-me à abrótea continental (Phycis phycis), já que não estou seguro que a abrótea açoreana seja exatamente a mesma coisa.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Cabidela de Entrecosto em Arroz


Este post é constituído por uma reflexão sobre tema de cozinha e depois pela receita proposta. Se lhe interessar apenas a receita, encontra-a cerca de dois “écrans” mais abaixo.

              Podem obter-se excelentes pratos cozinhando bem e também cozinhando mal. Isto pode parecer paradoxal ou até charla, mas é a mais pura das verdades: é para que se tenha um bom jantar sendo um mau cozinheiro que existem as receitas cheias de quantidades bem esmiuçadas, meia colher rasa das de café de pimenta preta, 135ml de água, meia colher de sopa de salsa picada e procedimentos bem precisos, 14 minutos a 175ºC seguidos de 7 minutos a 205ºC e aeração… etc.
Quando o prato está pronto, tenha sido feito à mão ou através de uma qualquer escrava mecânica, meio computorizada e meio estúpida, pode-se ter a certeza que se está perante o mesmo sabor que uma multidão de cozinheiros de receita obteve por esse mundo fora, mil vezes por dia, pelo menos. É através de receitas exatas que posso ir ao Mac da minha rua e ter a satisfação de estar a provar o mesmo sabor que é provado por um irmão desconhecido de olhos rasgados e nome esquisito, lá para Pequim. 
Cozinhar bem é ser-se o seu próprio autor e é obra de uma vida. Começa-se por seguir receitas, depois vai-se experimentando sair da linha traçada pela receita e traçamos um esboço de linha nossa, às vezes dá, outras vezes não e, muitos anos depois, começa-se a cozinhar razoavelmente. 
A sensibilidade de que é feito o ato culinário é algo com que alguns poucos sortudos nascem e é vê-los a brilhar sem quase terem de aprender e outros, quase todos, aprendem arduamente à custa de muitas experiências,  perseverança e humildade. Essa, quem a não tem, nunca aprende!. 
Eu, que nunca pequei por modéstia, começo agora, já a caminho dos temíveis anos “sessenta”, a ser um cozinheiro razoável e, se chegar a velhote mesmo e não tiver entretanto esquecido tudo, talvez venha a morrer bom cozinheiro.
Esta conversa de fim de semana é um pouco como uma justificação para os meus leitores que por vezes me notam alguma sobranceria face à chusma de “meninos” televisivos, cheios de pedigree e de cursos de alta cozinha e de estágios em grandes restaurantes e todos eles chefs apregoados daqui e dali que, depois de montarem o seu prato cheio de requinte de empratamento e de terem provado “em direto” a sua obra e soltado uns  “hmmm’s” deliciados (a moda da prova em direto seguida de um chiar de satisfação, invenção da Nigella, veio para ficar), nos deixam uma comida que, bem espremidinha, é corriqueira e banal.  Salvo bem poucas exceções, que não aparecem na televisão, os nossos chefs-estrela são como violinistas japoneses: alcançam os píncaros do virtuosismo técnico mas são incapazes de fazer o violino chorar…. ou rir.
Foi por ter meditado longamente no significado de partilhar comidas num blog desta área dita “de receitas” que, de há uns tempos, as receitas que vos deixo passaram a ser indicativas mas não quantitativas. Perguntei-me, já que raramente sigo uma receita, que significado teria estar a deixar algo que apenas faria com que alguém, algures, estivesse apenas a provar o sabor exato que eu tinha experimentado, mas, ao mesmo tempo, abdicando de ter feito, de verdade, o seu prato, a sua descoberta, feita com as nuances e pequenos gestos que fazem da cozinha de cada um de nós, uma cozinha única.
Não fazia sentido nenhum: quem cozinha bem não vem a blogs de receitas, quem cozinha mal e quer despachar uma comida qualquer vai comprar feita ao Pingo Doce ou põe a bimby a fazer e, finalmente, quem cozinha razoavelmente está na senda da descoberta e interessa-lhe um caminho, não um receituário canónico, exato e constrangedor.

Esta cabidela de entrecosto começou no arroz que o Cupido aqui trouxe e que não tinha nada a ver com cabidela. Mas quando olhei para a foto, o arroz malandro, corado pelo vinho tinto da receita dele, fizeram-me despertar a curiosidade sobre o que seria aquele sabor que me chegava lá do Norte, misturado com a untuosidade suavemente avinagrada do sangue.
Nasceu a Cabidela de Entrecosto em Arroz que, se o provasse na televisão para deslumbrar papalvos, teria direito a muitos "hmmm!, hmmm!", e sem favor.

Ingredientes:

Entrecosto ou entremeada com osso
Vinha de alhos tinta
Azeite (ou banha)
Cebola
Pimenta preta em grão ou moída na altura
Pimenta da Jamaica em grão
Chouriço muito bom
Cravinho
Salsa
Sangue fresco

Preparação:

Parta o entrecosto em pedaços e ponha-os, de um dia para o outro, numa marinada feita com vinho tinto, alhos, louro e sal.
No dia, na gordura escolhida (eu substituí a banha do Cupido por azeite)  aloure em lume forte os pedaços de entrecosto, retire a carne e estale na mesma gordura cebola picada, com as pimentas e o cravinho e algumas rodelas de bom chouriço.
Junte então de novo o entrecosto e a marinada, tape e deixe fervinhar em lume mínimo por cerca de 45m ou um pouco mais, sendo a tenrura da carne a mandar neste aspeto.
Quando a carne estiver branda, junte a salsa, faça uma estimativa da quantidade de aquosos existente na panela e junte a água necessária a perfazer 3 vezes o volume de arroz*, que introduzirá de seguida, sem lavagem.
Mexa, prove para possível retificação, tape e deixe em mínimo  por cerca de 12 minutos ou até o arroz estar cozido a seu gosto.
Junte por fim o sangue fresco** e mexa sempre até ganhar a consistência cremosa e brilhante que indica a cabidela estar pronta. Sirva sem demora.
 Notas: * Arroz Carolino, naturalmente. Chamo a atenção para algum “carolino” que está a aparecer como marca branca de algumas grandes superfícies, a baixo preço e cuja qualidade é muito insatisfatória, havendo casos em que se pode mesmo duvidar da variedade em presença. Por mais alguns cêntimos, será de adquirir o excelente arroz Carolino proveniente dos campos de Alcácer do Sal ou do Mondego (várias marcas).
** Pode usar-se qualquer sangue desde que fresco e que tenha sido misturado com um pouco de vinagre quando do abate do animal. O mais fácil de obter em meio citadino é o de frango que acompanha os frangos do campo, nuns saquinhos fechados. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Bifinhos de Presunto com Arroz de Feijão

                 Quem já visitou a cidade de Vila Real, terá talvez aproveitado a oportunidade de comer no excelente restaurante Museu dos Presuntos. Se, por inspiração de momento ou conselho de amigo, escolheu em vez de postas barrosãs, tripas aos molhos ou outro dos bons pratos que ali se comem, os bifinhos de presunto panados com arroz de feijão, então sabe do que hoje aqui se vai tratar.
Hoje estamos habituados a encarar o presunto, essa forma magna de transformar a perna do porco, como um produto de charcutaria, algo que é feito para nosso deleite, mas na realidade as imensas variedades de presunto que hoje encontramos à nossa disposição, são todas oriundas daquilo que o presunto e demais enchidos de carne são: conservas de carne, as maneiras engenhosas com que as populações rurais procuravam fazer que o porco sacrificado no início do inverno, pudesse suprir as necessidades proteicas durante o ano inteiro.
Os bifes de presunto panados foram, durante muitos anos o prato de emergência nas terras do Barroso, uma fatia de presunto apenas levemente dessalgada e que, panada, resolvia uma refeição inesperada de uma maneira airosa e muito, muito saborosa.
Agora que já não é necessário usar presunto como conserva de carne, ficou a lembrança do velho sabor dos bifinhos panados de emergência e tornou-se hábito apresentá-los acompanhados de arroz malandro de feijão vermelho. Com o tema "presunto", foi este o  prato que escolhi para esta 45ª Trilogia com a Ana e o Cupido; pode ir comê-los a Vila Real ou fazer assim:

Ingredientes:

Presunto
Alho
Louro
Pimenta
Farinha, ovo e pão ralado
Azeite refinado
Arroz de feijão encarnado

Preparação:

O presunto a usar para os bifes deve ser pouco curado, de modo a não apresentar uma zona exterior mais dura. Fatie ou mande fatiar com cerca de 5-6mm de espessura 
e ponha de molho, em água, por cerca de 30m para retirar o excesso de sal.
Ao fim deste tempo o presunto está reverdecido o suficiente para ser então cozinhado como carne fresca, ou quase, e como tal deve temperá-lo com alho fresco, louro e pimenta moída na altura. 
Deixe assim temperado por mais 30m, depois passe-os por farinha, ovo e pão ralado 
e frite rapidamente em azeite refinado, até estarem dourados e estaladiços por fora.
Acompanhe com um arroz de feijão encarnado, carolino* e malandro.
Nota: *  A aldrabagem chegou já a algo tão simples e consensual com o o nosso velho arroz Carolino. Há dias, precisando de arroz numa emergência, recorri ao supermercado discount Minipreço da Boa-Hora, em Lisboa, onde moro. Aí, adquiri um quilo de arroz "carolino" marca própria.
Pois aquilo era uma qualquer coisa estranha com aspeto aproximado de arroz carolino mas deslavada, insípida, "magra", impossível de tragar e de fazer com ele qualquer prato que se preze desse nome.
Ia a dizer que serviria talvez para fazer a comida ao cão, mas, realmente, coitado do cão!
Fica o aviso à navegação.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Frango em Natas com Limão e Coentros


              Este já vinha morto e de morte matada, todo enroladinho na couvette com um letreiro a dizer que tinha tido boa vida e ao ar livre, durante três meses, lá para os lados de Lafões. Acreditei e levei-o comigo ainda sem saber que destino final seria o do frango de paragens tão nobres.
Como estes bichos trazem um pacotinho de sangue avinagrado, pensei logo na bem amada cabidela mas aí, lembrei-me de certo arroz de entrecosto que o Cupido aqui mostrou e que eu, tendo-o  imaginado ensanguentado, nunca mais se me varreu do espírito. 
Decisão tomada: o sangue iria para o tal arroz em próximo futuro e o galináceo nortenho iria levar outros tratos que também lhe fizessem justiça.

 Ingredientes:

Frango do campo
Alhos
Cogumelos frescos
Sumo de limas (ou limão)
Sal e pimenta
Natas
Coentros frescos
Batatas, manteiga e orégãos

Preparação:

Parta o frango em pedaços grandes, salpique-os com sal e pimenta e leve-os ao lume forte numa frigideira alta que tenha tampa. Em pouco tempo a gordura do próprio animal começa a derreter e em breve é abundante. 
Deixe os pedaços ficarem bem alourados e junte então os alhos (que se forem introduzidos antes, podem queimar).
Regue então com sumo de lima ou limão, tape a frigideira, reduza o lume e deixe fervinhar neste molho formado pela gordura, sumo cítrico e sucos da carne, por cerca de 45 minutos (para um frango do campo grandote).
Destape, levante lume e deixe evaporar até sentir o molho a começar a formar um caramelo castanho e agarrar à frigideira. Junte então natas
 e cogumelos e agite a frigideira de modo a desglaçar por completo o caramelizado, junte por fim coentros picados grosseiramente
 e passe tudo para um tabuleiro
 onde irá a forno quente (pré-aquecido) durante uns breves minutos até começar a tostar a superfície.
Sirva com um puré feito de batatas cozidas e esmagadas grosseiramente, misturadas com manteiga e orégãos
 e algo “verde” a seu gosto.

sábado, 10 de setembro de 2011

TODOS - Caminhada de Cultura



GASTRONOMIA COM VIDA
LIÇÕES DE CULINÁRIA
[ China/Índia/Ucrânia/Brasil/Cabo Verde/ S. Tomé e Príncipe 
Data: 10 e 11 de Setembro das 10H00 às 14H00
Local: Mercado do Forno do Tijolo, Rua Maria da Fonte 


Cinco Lições de Culinária acompanhadas de um almoço em família. Famílias da China, Índia, Ucrânia, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, cozinham com e para o público. Uma manhã para conhecer e conversar sobre uma cultura, enquanto se prepara uma refeição. Também um pretexto para conhecer as lojas onde tudo se pode adquirir, um conjunto de receitas que vêm de longe, mas sobretudo proporcionar à volta da mesa, um encontro saboroso.



... e ainda um mundo que pode ir da dança ao teatro, performance, fotografia, pinhole, música, circo e... luta greco-romana!!!  Uma oportunidade única e "à borla" para um fim de semana diferente e a querer chover!



PROGRAMA:

http://todoscaminhadadeculturas.blogspot.com/p/programa-2011.html

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Saltimbocca a la Romana


“…/…
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
que de longe muito longe um povo a trouxe
e nela pôs sua alma confiada. …/…
Sophia de Mello Breyner  -  Com Fúria e Raiva (excerto)

            Quando propus à Ana e ao Cupido, o tema “Itália” para esta 44ª Trilogia, estava a imaginar apresentar um daqueles pratos emblemáticos da riquíssima cozinha transalpina, toda ela mediterrâneo, azeite, tomate, manjericão, massas e queijos.
Afinal, quem decidiu foi Sophia!
A decisão caiu sobre um dos pratos menos “italianos” da cozinha italiana, o saltimbocca, sem tomate, sem queijo, sem manjericão, mas maltratado de tal forma por esse mundo fora que merece sem dúvida a honra de ser, em desagravo e na versão original, o representante de Itália nesta edição trilógica.
Como em tantos pratos italianos, a exportação para terras americanas, quer do norte quer do sul, implicou alterações delirantes, umas motivadas pela pressa de transformar tudo em fast-food, outras por inépcia culinária, outras ainda por compulsão ianque para o amontoar de gorduras e sabores obesos em tudo o que é comida. Hoje é habitual chamar-se saltimbocca a carnes as mais diversas, com os recheios mais imaginativos, temperadas com ervas a gosto e, a maioria das vezes, nem enroladas são.
Eu gosto da evolução e metamorfoses dos pratos ao longo do tempo mas odeio a usurpação de nomes, o mau uso da sagrada palavra; quer dizer, tudo bem que se tenha inventado adicionar natas a uma carbonnara, delícias do mar ou ovo a uma açorda de marisco ou fazer um saltimbocca com peru, fiambre e manjericão em vez de vitela, presunto e sálvia, mas conservar o nome original em algo que de original nada tem, é contrafação! É como ir à feira do cigano e vir de lá com uma mala Vuitton de 10€ ou uma camiseta “lagarto” a fingir de Lacoste.
O velho Saltimbocca a la Romana, não se sabe porquê, já que existe em toda a península:

Ingredientes:

Escalopes de vitela ou novilho com menos de um ano
Presunto fatiado
Pimenta moída na altura
Sálvia fresca
Farinha
Azeite
Vinho branco, seco
Manteiga

Preparação:

Compre escalopes de vitela ou novilho muito jovem. O saltimbocca é feito tradicionalmente com vitela de leite, carne que eu não aprecio grande coisa e usei alcatra de um novilho com onze meses, chamado por vezes de vitelão, uma carne apenas um pouco menos tenra mas mais formada e já plena de sabor.
Corte o escalope em pedaços mais pequenos
 e estenda-o entre duas folhas de plástico com o auxílio de um batedor liso de carne; eu prefiro usar um rolo de massa com que se controla melhor o sentido em que se estende o escalope que deve ficar sensivelmente retangular e muito fino, apenas um pouco mais grosso que carpaccio.
Disponha sobre a carne estendida, uma folha de sálvia fresca, 
uma apenas pois a sálvia tem óleos essenciais muito potentes e, se usar mais, vai o seu sabor abafar a delicadeza deste prato.
Salpique com um pouco de pimenta moída no momento e cubra com uma fatia de presunto, fatiado fino (não se usa sal, o do presunto chega).
Enrole ao longo do comprimento,
e prenda com um palito.
Passe cada rolo por farinha, sacuda o excesso e frite rapidanente em azeite e lume forte, de modo a que fiquem os rolinhos dourados mas ainda rosados por dentro.
Retire os saltimbocche, desglace a frigideira com um golpe de vinho branco e, com o lume apagado, derreta no molho quente um pouco de manteiga, agitando sempre para emulsionar. Regue os saltimbocche com este molho.
Sirva com batatas semi-cozidas, depois cortadas em rodelas grossas e alouradas em manteiga 
 e um fresco a gosto.