quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Coq au Riesling

                  O tema para esta 47ª Trilogia com a Ana e o Cupido, foi “A Cozinha do Vinho” e, se de repente pode parecer algo rebuscado ou raro, se atentarmos no número de vezes que as nossas receitas passam por marinadas e vinhas de alhos, por refrescar com vinho branco, temperar com Porto ou Madeira, vemos que bem poucos são os pratos que, nalguma altura da sua preparação, não levaram um vinho.

Na verdade os grandes pratos feitos com base no vinho, como as chanfanas ou o coq au vin já aqui figuram no Outras Comidas, pelo que a escolha recaiu sobre um outro emblema da cuisine française, o Coq au Riesling, sendo que este Riesling é um famosíssimo branco seco da Alsácia que eu, naturalmente, substituí por BSE* com belíssimos resultados e que, a propósito, nos leva diretamente para o tema, que alguns acham polémico, da qualidade dos vinhos que se usam para cozinhar.
Quando se fala de vinhos para cozinhar, existem por norma 3 posições, que cada opinante defende com unhas e dentes: nos extremos, estão os que acham que para cozinhar qualquer coisa serve, já que é para “queimar”, e os que acham que se deve cozinhar com os melhores vinhos, pelo menos tão bons como os que se servirão no repasto. Entre estes extremos ficam os outros, ditos mais comedidos e sensatos, que acham que no meio é que está a virtude e que sendo asneira “queimar” vinhos excelentes, os vinhos fracotes também não cumprem o desiderato. Curiosamente, acho que nenhum tem razão e, na minha humilde opinião, todos a podem ter.
A única oportunidade para se usar um vinho excelente num cozinhado, sem ser por exibição possidónia****, são aqueles raríssimos pratos que levam vinho após a confeção, já fora do lume. Conheço dois ou três nas cozinhas francesa, alemã e eslava, nenhum na cozinha portuguesa e de facto, o uso de vinhos assim na cozinha costuma ser uma pura exibição ostentatória de novo-riquismo ignorante porque, realmente, é preciso não se fazer a mais pequena ideia do que acontece ao vinho dentro de uma panela ou frigideira para se pensar que algo das suas propriedades organoléticas poderá sobreviver a tal “queima”. 
A esmagadora maioria dos vinhos baratos, a chamada gama de entrada (de 1 a 3€ a garrafa) serve para a esmagadora maioria dos pratos feitos com vinho; não estou a falar de algumas zurrapas “a martelo” que hoje já quase não aparecem e será sempre necessário perceber a característica básica deste vinho quanto a açúcares, ácidos, taninos pois se um vinho adocicado poderá servir na perfeição para algum prato agridoce, já a maioria pedirá alguma secura ao vinho utilizado. 
Mas posições como a muito conhecida de que se deve “constipar” o leitão da Bairrada com o vinho da região são puro delírio até porque para além do choque térmico, não fica nada que possa ser atribuído às características do vinho bairradino na pele do leitão.
Quanto à posição do meio, a comedida, partilho-a quando se trata de uma cocção lenta em vinho, como é o caso das referidas chanfanas e do coq au vin em que o vinho perde o álcool mas mantém a sua fase aquosa durante todo o cozinhado. Aí, se se for beber um vinho médio, aconselho o seu uso também para o tacho. 
Se o vinho a beber for já um bom vinho, então guarde-se para ser bebido que foi para isso que foi feito.
Já falados do “Riesling/ BSE*” vamos então ao “coq” que foi este, magnífico, apanhado na capoeira campestre alentejana e que cumpriu tão bem a sua pouco voluntária  obrigação, que aqui deixo em homenagem a última foto antes do passamento,

                                                    Última foto da vítima, momentos antes do sacrifício.

a cujos pormenores vos poupo, pois sei que os meus leitores são pessoas sensíveis e, como diz Sophia**: “As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazes / De comer galinhas…/…”.


Ingredientes ***:

1 Galo
50g de manteiga
3 chalotas
2 colheres de sopa de farinha
1 garrafa de Riesling
250g de cogumelos de Paris
1 colher de sopa de vinagre
¼ de um limão
200g de natas 30%m.g.
Salsa, louro e tomilho (bouquet garni)
1 raminho de aipo
Sal e pimenta

Preparação:


Derreta 40g de manteiga numa caçarola e coza nela os pedaços de galo, sem deixar dourar. Junte a chalota cortada ou picada, salpique com a farinha e envolva bem.

Junte então o vinho e um pouco de água, se necessário, para que a carne fique coberta. Tempere com as ervas, sal e pimenta e deixe a fervinhar, tapado, até o galo estar tenro, o que levará cerca de 2 horas.

Cozinhe rapidamente os cogumelos na restante manteiga, sumo de limão, sal e pimenta. Reserve.

Retire a carne para a travessa de serviço e mantenha-a quente. Reduza o liquido em lume forte e caçarola aberta durante alguns minutos de modo a que se reduza um terço o seu volume, passe este molho pela varinha, junte os cogumelos e as natas,
deixe ferver por momentos e despeje sobre a carne.

Acompanhe com arroz branco.


Notas: * Feito com as castas Antão Vaz, Fernão Pinto e Arinto, das Grande Vinha de Algeruz e da Vinha dos Cistus este BSE (Branco Seco Especial) é, desde 1947 e a um preço irrisório, um dos grandes brancos portugueses, para cozinhar e, naturalmente, para beber sem nunca desiludir.
** Sophia de Mello Breyner Andresen, As Pessoas Sensíveis, (Livro Sexto)
*** Françoise Bernard, La Cuisine Facile, pp. 175, Hachette, Paris 1965
**** Há ainda a possibilidade de um grande vinho ser utilizado na panela por exibição insultuosa, como foi o caso de um dos mais elitistas e arrogantes “críticos” enófilos da nossa praça, um tal Pingus que, na sua sanha anti vinhos-de-que-os-outros-gostam, usou, ou diz que usou, o Pêra Manca para regar um peixe no forno…

4 comentários:

  1. Meu estimado amigo (penso que o posso tratá-lo assim) , ainda anda de volta do Pera Manca? Já tanta água passou por debaixo da ponte, que só você me faz lembrar tamanho episódio.

    De qualquer modo, noto que existe um elevado desdém pela minha personagem: Pingus Vinicus. Não tenha, que não vale a pena, divirta-se, que é o que eu faço. Não me leve a sério, que não mereço.

    Um enorme e faterno abraço
    Rui Miguel Moreira Massa

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  2. Caro Rui Massa,
    permita-me que o trate assim, já que seguramente gosto bem mais do "Rui" que do "Pingus".:-)
    O episódio do pargo e do Pera Manca voltou à baila agora apenas porque ficou "arquivado" como paradigma do uso malvado que alguém pode dar a um vinho que eu adoro mas que, normalmente, fico a adorar de longe, que é o posso (da Fundação fico-me pelo EA e pelo Cartuxa, e este só em épocas de fartura), e na altura, confesso que quase morri de inveja do pargo.
    Peço-lhe que não considere desdém o que é apenas o sentimento que se desperta nas pessoas normais-que-gostam-de-vinho ao verem de uma forma consistente os seus vinhos preferidos, muitas vezes alentejanos, tratados com alguma condescendência ou mesmo sobranceria pela enofilia "esclarecida".
    Quanto ao não se levar a sério e estar por aqui por divertimento, ainda bem, já somos dois, gente importante e professoral a querer fazer dos blogs, tratados,é do mais chato que há.
    Obrigado pela visita, vá passando por aqui como eu vou passando pelo seu Pingas no Copo, embora saiba que, a maior parte das vezes, terei de ficar a ver, como voyeur...

    Um abraço,

    Luís Pontes

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  3. Não conhecia esta forma de preparar galos/frangos.
    De qualquer modo acho que era um galo muito fotogénico vivo. com a sua bela crista vermelhinha (era um galo cá dos meus, lol...) e com um ar de muito tenro a apetitoso no prato.
    Bela trilogia!
    Beijinhos.

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  4. Confesso que fiquei com pena do galo lol
    Mas como tinha um ar tão feliz não se deve ter importado em fazer parte de uma refeição tão saborosa lol.

    Bela receita!!

    Bjs

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