segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Coelho Frito (como fazia a D.Cândida)


     
      Por muitos anos foi visita assídua, quase uma peregrinação que se cumpria com alegria e gula, ao último morro da Serra de Sintra antes desta mergulhar no mar, no Cabo da Roca, a Peninha, com a sua capela algo sinistra cheia de ex-votos de cera amarelada pelo passar dos anos e o palácio do Monteiro, o mesmo da Regaleira, que ficou inacabado no início do sec. XX e que acabou vagamente administrado por uma fundação coimbrã, que, diga-se, não parecia ter grande vocação para administração de património.
Estas visitas não eram, no entanto, motivadas  por qualquer devoção à Senhora do local ou ao palacete romântico arruinado, mas sim pelo queijo e pela amizade que o tempo e circunstâncias peculiares cimentaram com D. Cândida e o seu marido Silvino, guardas do palacete e residentes nuns casebres no sopé do enorme penhasco de granito encimado pelo palácio, seria talvez mais próprio chamar-lhes eremitas, tal era a dureza da vida que ali se levava, só eles, o vento, o nevoeiro, os cães e o rebanho de cabras, como se o tempo tivesse sido ali misteriosamente suspenso uns séculos antes.
 
                                                                                                      Foto www.serradesintra.net
A D. Cândida fazia os melhores queijos que alguma vez comi e, desses tempos bons, dessas conversas, dessa amizade, dessas vidas suspensas, ficaram um sem fim de recordações e histórias, umas contadas, outras vividas, às vezes à volta de um petisco que ali se armava, uns queijos, vinho, uns torresmos, o bom pão da Azóia e, por vezes, um mítico coelho frito, caçado ali na serra pelo Silvino e transformado num sabor único que eu tento emular agora, mais de vinte anos passados sobre a partida do casal, finalmente vencidos pelos anos, pela doença e pela solidão.
Os mitos são cruéis e invencíveis e claro que eu nunca consegui igualar o coelho frito da D. Cândida. Tento fazê-lo agora como ela fazia, e apesar de ficar sempre algo abaixo da recordação, é um prato, ou um petisco muito, mas mesmo muito bom.

Ingredientes:

Coelho
Banha
Alhos (uma cabeça)
Louro
Sal e pimenta
Vinho branco
Coentros ou salsa

Preparação:

Parta o coelho em pedaços não muito pequenos, salpique apenas com sal e deixe tomar sabor por uma ou duas horas, após o que o frita na banha
 com lume enérgico, sem qualquer tempero, até que se apresente bem tostado por todos os lados.
Junte então os alhos esmagados, louro e pimenta, frite um pouco e molhe com um gole de vinho branco.
A partir de agora, o coelho frito vai decorrendo  neste ciclo: um pouco de vinho para desglaçar os caramelos que se formam quando os aquosos se esgotam,
mais vinho de novo quando preciso, pouco de cada vez para que o sabor se acentue sempre.
Cerca de quarenta minutos depois (uma hora se for coelho bravo), junte uma última vez o vinho e desta vez, também um punhado de coentros ou salsa, picados.
Pessoalmente, gosto mais dos coentros, se bem que D. Cândida usasse quase sempre salsa, que os coentros eram uma raridade na serra, naqueles anos.
Dê mais uma volta rápida e está pronto para ser servido como refeição,
Ou deixe arrefecer e coma frio, como petisco, nos dias seguintes.

9 comentários:

  1. E que maravilha este coelho...gostei muito...e mais a história por traz..obrigada

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  2. Gosto muito de coelho e estou tentada com este, apesar da minha eterna resistência à cozinha.

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  3. Adorei este teu coelho que me fez lembrar o da minha mãe, quando eu era gaiata... ela usava pedaços mais pequenos de coelho e sempre coentros.
    É uma recordação tão boa que o hei-de fazer um dia destes...
    Beijinhos.

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  4. Estamos a fazer, já cheira e a barriga já ronca :) obrigada pelas dicas!!

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  5. Experimentei hoje!
    Obrigado por partilhar.
    Ficou muito bom.
    Usei salsa :)

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  6. obrigado por partilhar a historia e a receita. Fiz hoje e ficou muito bom! tive num dilema entre a salsa e os coentros, acabei por optar por coentros. cumprimentos

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  7. acabadinho de fazer... não deve estar com o da D. Cândida mas é maravilhoso

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  8. Estou a preparar tal e qual a Da Candida! A ver vamos como fica.
    Obg. Pela partilha desta iguaria.

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  9. Receita valente, para rituais festivos (esteja-se sozinho ou acompanhado) é uma receita muita bacana.

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