quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Miga da Lousã


                        Existe à volta daquilo a que geralmente se convenciona chamar Cozinha Tradicional Portuguesa uma enorme quantidade de mitos e mentiras, umas piedosas, outras simplesmente ignorantes e finalmente, outras ainda simplesmente oportunistas. Hoje, perdeu-se praticamente o contacto com aquilo que foi a nossa cozinha ancestral, e quando digo ancestral estou a falar dos séculos XIX e primeira metade do século XX, já que para trás será muito difícil encontrar fundamentos para o que viria a ser a cozinha popular, rural e citadina, que imediatamente antecedeu a do nosso tempo.
As recolhas de Olleboma, Maria de Lourdes Modesto e Saramago, reflectem precisamente parte dessa cozinha, embora só lateralmente aflorem aquilo que foi a verdadeira cozinha popular, feita de fomes, de carências de toda a ordem, de subsistência quase vegetariana à força da míngua de proteínas animais, só presentes em dias de festa e que, mercê dessas vicissitudes, se tornou prodigiosamente criativa.
A par da doçaria e dos grandes pratos de carne das cozinhas ricas e de festa, que hoje os chefes enfeitam e modificam aqui e ali para mostrarem serviço criativo, houve outros, aprimorados pela sabedoria de quem tinha de se haver com menos que muito pouco, dos quais muitos se perderam, alterados pela ânsia do pobre que já o não é, esquecer o que já passou. São as açordas que foram de pão, alho e alguma erva cheirosa e hoje já não se encontram que não sejam feitas nalgum caldo rico com bacalhau, são os cozidos que passaram de cozinhados temperados com algum pedaço de toucinho e enchido, a autênticos mostruários de açougue… não há nada que o antigo pobre mais deteste que aquilo que lhe lembre que já foi pobre e isso afectou irremediavelmente as recolhas tardias de Modesto e Saramago, sendo que Olleboma, por questões culturais, nunca chegou realmente a ter contacto com a cozinha popular pobre.
A Miga da Lousã é um desses pratos pobres que chegou até nós pela mão de Maria de Lourdes Modesto, embora muitos, acabrunhados pela ausência de carne a tenham relegado para a categoria de entrada pitoresca ou até de acompanhamento, coisa que nunca foi.
Para esta 110ª Trilogia com a Ana e o Amândio, cujo tema é “grelos”, não havia certamente melhor do que este antigo prato beirão, que ainda por cima é um prodígio de sabor.
Ingredientes:

Feijão branco bem cozido
Broa de milho
Grelos cozidos
Alhos
Azeite

Preparação:

Coza o feijão branco de modo a que fique muito cozido e meio desfeito.
Coza os grelos.
Esfarele a broa de modo a ficar em pedaços mas não em migalhas.
Comece então a dispor estes ingredientes por camadas, começando por uma de feijão, que deve ir bem molhado, a escorrer;
depois uma camada de broa e por fim os grelos cozidos.
Repete-se nesta ordem de modo a que a última camada seja de grelos.
Leva-se azeite ao lume com os alhos e deita-se a ferver sobre a miga.
Sirva logo, assim ou acompanhado de chouriço ou farinheira, assados.

4 comentários:

  1. Gostei de ler, sobretudo a introdução. Obrigado.
    João Leal

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  2. Consigo aprendo tanta coisa que desconhecia. Mas desde que descobri o seu blog, sigo-o, como se fosse um jornal diário... Obrigada

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  3. Muito Bom. Estou a descobrir o interesse pela gastronomia, mas mais importante a historia sobre a gastronomia portuguesa. Desconhecia por completo que se assentava sobre uma cozinha pobre, mas vendo bem, as açordas, os caldos, migas... Vem mostrar que é mesmo assim.

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  4. Boa noite, mais uma publicação deliciosa! As suas receitas com história são fascinantes e levam o blogculinário para um nivel superior. Eu sou sua modesta seguidora e decidi, recentemente, começar um blog que gostaria que visitasse. Sou uma principiante nestas coisas da blogosfera, e não tenho um milésimo do seu talente. De qualquer modo, seria uma honra receber a sua visita em http://comidadeconforto.blogspot.pt/

    Obrigada.
    Lina

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