quarta-feira, 22 de maio de 2013

Feijoada de 7 Mitos



                  Se por um lado os grandes mitos, com tudo o que transportam de mágico, poético e improvável são condimentos preciosos para o nosso imaginário e estrutura, pense-se por exemplo na “bênção” de uma massa de pão, poucas coisas serão mais deprimentes que os pequenos “tesouros” culinários míticos que, se desculpáveis enquanto segredados da Tia Maria para a Tia Alzira, se tornam verdadeiramente execráveis quando propalados por gente que pelos lugares proeminentes que ocupa e pela responsabilidade que essa visibilidade acarreta, deveria acautelar os fundamentos e veracidade do que vão debitando. Falo, evidentemente, dessa troupe de alguns chefs da moda que, não tendo grandes capacidades para além da sua arte, a chamada cultura geral, bem tão escasso por aí, não se coíbem de propalar as maiores asneiras, que na sua boca valem por lei e que na realidade passam a constituir uns verdadeiros “tesourinhos deprimentes”, tema ditado pelo Amândio para esta 133ª Trilogia, comigo e com a Ana.
Quem nunca ouviu dizer que o feijão tem de cozer sem sal? (1)
Quem nunca ouviu que os veios do louro são tóxicos? (2)
Quem nunca asseverou que polvo cozido com sal, fica duro? (3)
E os pés da salsa venenosos, que até as abortadeiras usavam? (4)
E os grelos ou veios dos dentes de alho que agora se devem tirar a todo o custo pelo mal que fazem? (5)
E os veios brancos dos pimentos, responsáveis pela sua indegestibilidade? (6)
E a máxima pretensa-gourmet de que se deve utilizar bom vinho para cozinhar? (7)
Esta excelente feijoada de polvo, a que chamei de “7 Mitos” e que garanto foi perfeitamente digerida sem qualquer ajuda e que soube pela vida, foi feita usando de propósito todos eles.

Ingredientes:

Polvo fresco
Azeite refinado
Cebola
Cenoura
Alhos com grelo
Louro com veios
Pimento com “branco”
Salsa com os pés
Vinho tinto corrente
Feijão catarino cozido com sal
Sal e pimenta
Malagueta
Couve repolho
Arroz carolino cozido

Preparação:

Congele e descongele o polvo, ou, se preferir, bata-o sem piedade com o martelo de bifes. 
Demolhe bem feijão Catarino e coza-o em água e sal. Reserve.
Num fundo de azeite refinado, estale em lume forte a cebola picada, juntamente com cenoura, pimento, alhos, louro, pimenta e malagueta. Quando a cebola amolecer, junte então o polvo em troços,
 envolva, cubra de vinho tinto, junte sal e deixe cozer meia hora.

Junte então couve repolho ou lombardo e deixe continuar a ferver até o polvo estar tenro e o líquido quase desaparecer. Junte por fim o feijão cozido, deixe ferver por uns poucos minutos e sirva a feijoada de polvo e mitos acompanhada de arroz cozido, se gostar.

Mitos:

(1)   – O feijão, como todas as leguminosas, não só coze com sal, como até coze melhor com sal que sem ele.
(2)  -  Os veios das folhas de louro têm a mesma composição do resto da folha, como se percebe através do louro em pó, que é a folha inteira moída.
(3)   - O polvo deve ser cozido com sal, o que facilita a cozedura, como é feito na Galiza, os maiores técnicos na preparação de polvos.
(4)  - Os pés de salsa têm a mesma composição da folha, apenas mais intenso no sabor e devem por isso ser sempre usados.
(5)   - O grelo que existe no interior do bolbo (dente) de alho é a planta do novo alho e concentra a alicina, pelo que é excelente para todas as preparações em que o alho é cozinhado. Deve ser retirado, por ser muito activo o sabor, nos casos em que o alho fica cru (aioli, p. ex.).
(6)  - A única diferença entre a parte branca esponjosa interior de um pimento e a verde é… estética!
(7)   - O que distingue um bom vinho de um vinho corrente são pequenas e frágeis características que se perdem por completo na fervura. A pretensão da necessidade de usar um vinho bom para cozinhar é absurda e apenas se enquadra no conjunto de mitos gourmet com que se “enfeita” esta cozinha para mantê-la de elite. Claro que não estou a dizer que todos os vinhos são iguais; um morangueiro deixa a sua marca a flores, um moscatel o inconfundível traço “moscato”. A diferença que não se nota no resultado do prato é entre um moscatel vulgar e um moscatel excelente.

Alem dos sete mitos apontados e quebrados nesta feijoada de polvo, fez-se ainda uso de mais um: o que afirma a necessidade de cozinhar com azeite virgem-extra, perfeita tolice só possível em quem ignora que a temperatura destrói imediatamente tudo aquilo que caracteriza o azeite virgem, ou seja, os subtis sabores que derivam do facto de ser extraído a frio. O azeite virgem destina-se a temperar no prato, sendo o azeite refinado ideal para cozinhar a quente e desprovido de acidez. 

7 comentários:

  1. Gostei muito, da feijoada e das "cacetadas" nos mitos!

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  2. Grande post. E obrigado pela precisão com que nos mostra que a boa comida. Cá por casa as "outras comidas" têm sido degustadas com prazer por todos.

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  3. Que boa feijoada e que desconcertantes mitos; só esqueceste o dos olhos dos camarões.
    Beijos.

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  4. Bom dia Luís
    Foi com um grande sorriso que li o "prólogo" da feijoada....
    Adorei,,,além de saber cozinhar ainda nos dá estes momentos de puro prazer intelectual ao "zurzir" nos pretensos "gourmet".
    É sempre aliciante ler as suas receitas e tentar fazê-las cá em casa.
    Acresce que os seus sentidos critico e de humor, ajudam muito nestes tempos chatos de crise.
    O seu blog é paragem obrigatória nestas andanças pela net.
    Um abraço

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  5. Gostei e partilhei no meu Facebook!

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  6. Abordagem fabulosa, como sempre!

    Delícia, quer a escrita quer o prato com toda a certeza ;)

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  7. Parabéns pelos seus blogs, maravilhosos. Tudo com óptimo aspecto. Podia vir já tudo para a mesa...
    Entre as coisas que aprendi: o que fazer às azeitonas da mini oliveira da minha varanda.
    Obrigada.
    Teresa Ramos

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