domingo, 3 de março de 2019

O Fiambre


              O fiambre é uma técnica de preparação/conservação de perna de suíno através da sua cozedura lenta num caldo salgado e açucarado, temperado com ervas e especiarias variadas. Isto é o que o fiambre era há muitos anos. Lembro-me bem de se perceber perfeitamente numa fatia de fiambre toda a estrutura da carne que lhe tinha dado origem, o courato, depois uma parte de gordura, o toucinho, finalmente os músculos das diversas peças da perna perfeitamente definidos.
Claro que isso se passava há mais de meio século, o fiambre era um alimento caro e não tinha havido ainda o aparecimento do chico-espertismo industrial que, com a sua ganância e necessidade de levar todos os produtos a toda a gente, àquilo que era o grande “mercado”, tratou de reinventar o fiambre, de modo a poder vendê-lo ao preço da uva-mijona e ainda assim poder ganhar mais e mais dinheiro.
O resultado foi o que se viu e que ainda hoje está à vista de todos: o fiambre, todo o fiambre, desde o topo-de-gama até aos “afiambrados”, tornou-se uma repugnante mistura de pedaços de carne de porco, gordura, aglomerantes, gelificantes, estabilizadores, correctores de Ph, corantes, saborizantes de síntese, etc. 
Diz-se que quem já assistiu ao seu fabrico jura de imediato nunca mais lhe tocar. 
Nunca assisti, mas basta-me a leitura das letras pequeninas dos ingredientes para saber que aquilo é qualquer coisa muito diferente da carne que era e deveria continuar a ser.

Os espíritos inconformados sabem que depois da indignação e do protesto, que aquecem a consciência mas que nunca resolvem nada, resta sempre a derradeira e pragmática alternativa: fazer!

…e assim se fez:

Ingredientes:

Peça homogénea da perna (rabadilha ou bola)
Sal (duas partes)
Açúcar amarelo (uma parte)
Água
Pimenta, cravinho, alho, louro…
Ácido cítrico (1 colher de chá) - facultativo
Salitre (1 colher de chá) - facultativo

Preparação:

A rabadilha, também conhecida por bola ou por lacão, é a peça mais indicada para fiambre, não só pela excelência da carne como, principalmente, por ser uma peça muito homogénea e que está quase preparada para iniciar o processo.
Pode utilizar outra parte da pena, como o pojadouro ou outra das geralmente designadas por “bifanas”, mas terá mais trabalho a aparar e terá mais sobras.
Retire peles e alguma apara de carne que venha pegada e enforme a rabadilha metendo-a, apertada, numa rede de fio vegetal ou de plástico, desde que possa suportar a temperatura de 80ºC.
Garante-se assim que o seu fiambre irá conservar uma forma arredondada que facilitará depois o fatiamento.
Prepare então a salmoura, levando a ferver cerca de 75cl de água com todos os temperos e a que junta sal, açúcar e, se quiser, o salitre e o ácido cítrico. Estes dois últimos ingredientes, não essenciais ao fiambre, servem, o ácido cítrico para torná-lo mais seguro em relação a certas bactérias anaeróbias que não se desenvolvem em meios de Ph ácido, prolongando o bom estado sanitário do fiambre se demorar mais tempo a consumir. O salitre (nitrato de potássio) tem como efeito tornar o seu fiambre mais rosado.
Filtre a salmoura depois de fria e, com uma seringa, injecte-a na carne todo em volta e a diferentes profundidades de modo a distribuí-la.
Existem umas seringas grandes para culinária feitas para este fim, mas se puder usar uma seringa médica, que tem uma agulha incomparavelmente mais fina, terá melhor resultado embora dê um pouco mais de trabalho.
Depois de injectado, introduza a carne num saco de plástico, cubra com a salmoura temperada, ate bem e deixe em repouso no frigorífico por dez dias.


Passados os dez dias a marinar, o fiambre está pronto para ser cozido a baixa temperatura.
Retire-o do saco, introduza-o num recipiente fundo que possa ir ao forno,
cubra-o com a salmoura onde marinou e leve-o ao forno durante 6-7horas mantendo a temperatura controlada entre os 70ºC e os 80ºC (um termómetro de forno é aqui aconselhável, porque temperaturas superiores podem arruinar o fiambre, transformando-o em carne assada.

Deixe arrefecer no frigorífico e abra no dia seguinte, o seu fiambre está pronto a fatiar,
se tiver uma fiambreira os resultados serão certamente melhores já que aqui o sabor é directamente proporcional à finura do corte.
Use como costuma usar fiambre de compra
ou como prato que é das maneiras que mais gosto, como foi o caso deste que, mal aberto, fez almoço delicioso acompanhado de um arroz malandrinho de cogumelos e escamas de tomate seco.





11 comentários:

  1. Alguém saberia me informa qual o nome que se dá à "rabadilha" aqui no Brasil?

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  2. Bom dia "Unknown".
    No caso da carne bovina, a rabadilha portuguesa corresponde à fraldinha brasileira. É provável que haja a mesma correspondência na carne suína, mas não tenho a certeza...

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  3. Muito obrigado pela consideração e resposta. Meu nome é Gilson Daniel Machado, e sou de São Paulo/Brasil.

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  4. Olá, boa noite! Mais uma coisa que não sei se algum dia me vou aventurar a fazer... Tal como o fumeiro que publicou há tempos. Quero, no entanto, agradecer e dizer que, volta e meia, faço alguns dos seu pratos (por ex., lulas recheadas com camarão, fruta frita com mel e ervilhas tortas). Muito obrigada pelas partilhas!

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  5. Boa tarde,

    Sigo-o há cerca de dois anos e hoje achei que era mais do que altura de lhe dar os parabéns por deixar aqui um legado culinário. Fez-me lembrar os tempos em que fazia chouriços com a minha avó, ou filhós com a minha mãe.
    Ainda hoje os faço, entenda-se, mas é uma regalo poder espreitar outras tradições, de outras famílias e, certamente, aprender coisas novas (as alheiras são excelentes).
    Obrigada por se dar ao trabalho.
    Rita

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  6. Holaaa muy buena la receta..muy sana la preparacion.probare hacerla y degustar en familia.gracias

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  7. Por onde andas? Sinto falta de suas postagens! Beth Müller - Rio de Janeiro

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  8. Cheguei aqui porque me encanta a cociña portuguesa e tento facer as receitas, obrigada por compartilas.
    Saúdos dende a Galiza!!

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  9. 你不应该浪费你的时间来扰乱别人的生活。白痴!

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  10. Minha nossa! Eu tenho,TENHO! que fazer isso!!!!!!

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