Parte desta receita já tinha sido publicada no Comidas Caseiras mas, porque a época aí está para todas as abóboras, aí ficam, uma de novo, outras em estreia as mais doces utilizações destes grandes frutos que servem para muitas coisas para além das cabeças de bruxa da nova "tradição" importada do halloween!
Ingredientes (Doce de Gila tradicional):
1 Abóbora Gila
Sal
Açúcar
Casca de Limão ou Canela em pau.
Preparação:
Adquira uma abóbora Gila do ano passado ou tente esperar um ano antes de fazer o doce.
A razão porque é mais sensato fazê-lo prende-se com a intrincada anatomia interna destas abóboras.
Totalmente branca e constituída por uma trama cerrada de fios onde se destacam as pevides pretas, existe a unir os polos da abóbora umas fitas também brancas que são o órgão que prende e distribui as sementes. Estas fitas ( a tripa)transmitem ao doce um insuportável sabor a peixe e devem ser totalmente retiradas assim que se parte a abóbora, operação bastante melindrosa e passível de confusão entre o branco da tripa e o branco dos fios. Ora, com o correr do tempo, esta fita vai-se tornando amarela e um ano depois não há confusão possível.
Retira-se tudo o que é amarelo e deixa-se tudo o que é branco.
Mas se só arranjar agora a gila e não lhe apetecer esperar o tal ano, como elas já têm dois meses após colhidas, já é possível distinguir-se a tal tripa; veja com cuidado as fotos a seguir:
Parta a abóbora atirando-a ao chão e não lhe toque com qualquer faca ou outro objecto metálico, que escurece o doce e lhe dá um sabor metálico pungente.
Retire cuidadosamente toda a tripa e as pevides.
Coza os pedaços com casca em água e sal, durante o tempo necessário para que a casca se comece a destacar dos fios.
Vaze os bocados cozidos para um alguidar com água fria e, com os dedos, retire a casca lenhosa e uma ou outra pevide que sempre escapam à primeira limpeza.
Desfaça em fios a parte branca, apertando entre os dedos e passe-os já separados para outro alguidar com água.
Esfregue bem esta massa de fios dentro de água, até já não se formar qualquer espuma ao esfregar. Deixe então a abóbora desfiada numa salmoura a 5% (50g de sal por litro de água), durante 24 horas.
Escorra e lave em duas águas limpas deixando de molho em água doce mais 24 horas.
Escorra bem os fios, pese e misture com peso igual de açúcar. Quando a mistura se mostrar molhada, ponha ao lume e tempere com uma casca de limão ou dois paus de canela, conforme gostar mais.
Deixe apurar um ponto em que fique estrada no fundo da panela, mexendo para não pegar, o que, a acontecer, dá ao doce uma cor acastanhada em vez do transparente vagamente esverdeado que o caracteriza.
Pode deixar o doce em ponto de Estrada (115ºC), para recheios, ou em ponto de Espadana (120ºC) para doce de colher, mais difícil de obter sem queimar nada. Em qualquer dos casos deve ser posto nos frascos muito quente e estes logo fechados.
Se deixou o doce nos 115ºC adicione 3-4 gotas de Vodka na superfície antes de fechar o frasco, para garantir uma conservação a longo prazo sem problemas de bolor. Nos 120ºC não é preciso este cuidado suplementar.
Ingredientes (Doce de Gila com Ovos Moles):
Os mesmos que para o Doce tradicional
Mais um terço de Açúcar
4 gemas por cada 290g de doce (125g de fios escorridos + 165g de açúcar)
Preparação:
Deixe o doce num ponto fraco. Depois de arrefecer até ficar morno, adicione as gemas, sem bater, a que préviamente retirou a película. Este passo é muito importante pois a película das gemas forma depois umas agulhas que parecem espinhas de peixe. Pegue na pele da gema com o polegar e indicador, suupenda-a no ar pela pele e rebente-a por baixo com a ponta de uma faca, deixando-a escorrer por completo.
Misture com o doce em movimentos suaves e leve ao lume mínimo, mexendo sempre suavemente até o doce engrossar e ficar com o brilho e aspecto característico dos Ovos Moles.
Não faça uma grande quantidade deste doce porque não tem uma conservação muito longa (de qualquer modo é tão, tão bom que acaba logo, faça que quantidade fizer).
Ingredientes (Doce de Abóbora):
Abóbora de interior alaranjado (Menina, Porqueira, Mogango, etc.)
Açúcar
Casca de Limão ou paus de Canela
Miolo de Noz partido grosseiro (facultativo)
Preparação:
Descasque a abóbora, retire as pevides e os fios, parta em cubos e coza em água e sal até estar bem mole.
Escorra e esmague grosseiramente com os dedos. Deixe a escorrer entre 24 e 48horas.
Pese o fruto escorrido, adicione o mesmo peso de açúcar e leve ao lume com as cascas de limão ou a canela, até obter a consistência desejada, o que ocorre quando o doce está entre os 112ºC e os 117ºC (ou "a olho", claro, não é preciso assustar com isto das temperaturas, toda a vida se fez doces sem termómetro!).
Se quiser adicione a noz.
É o doce de eleição para comer com requeijão de ovelha, à moda da Serra da Estrela.
Ingredientes (Doce de Gila "Temperado"):
2/3 de Doce de Gila
1/3 de Doce de Abóbora
Preparação:
Misture os ingredientes a frio. A mistrura de sabores e texturas é surpreendente!
Notas:
Depois de se comer um doce de Gila feito por nós, é difícil gostar das versões industriais. Se acha que, no futuro, não vai ter tempo ou paciência para voltar a fazer Gila, então é melhor nem experimentar esta trabalheira toda, cuja recompensa é um dos doces mais delicados e exigentes da nossa doçaria.
Bem, este post é serviço público...
ResponderEliminarObrigado por partilhares estes saberes.
Fiquei encantada com a história, a descrição, os pormenores... acho que já disse outras vezes que o Luís escreve muito bem.
ResponderEliminarPois eu adoro gila, e só provei mesmo da industrial, pois não seria capaz de concretizar 1 processo tão complexo como este...
Parabéns! Beijinho.
Mas não é só o doce de gila industrializado que tem uma qualidade francamente má. Por norma não aprecio muito doces e compotas. Mas adorava doce de abóbora gila com amêndoa que a minha sogra fazia. Portanto, agora presumo que seja feita da mesma maneira desta receita que referiu ter nozes.
ResponderEliminarObrigada pelos pormenores da maneira como a abóbora deve ser esventrada para a receita ter sucesso. Apenas sabia que não se podia utilizar a faca mas nunca desse tal cheiro a peixe. Desconhecia o pormenor da tal parte amarela.
Não há dúvida. Quem sabe sabe e é sempre muito bom quando essas pessoas estão dispostas a partilhar connosco esses grandes segredos da culinária.
Por isso: bem haja.
bom fim de semana
Ah, e eu ganhei as sementes... Vou ter de fazer. Que linda a forma como descreve o processo e o resultado final. Encantadora essa Gila! E aqui ainda não vi desta abóbora, só das comuns, cujo doce deve ser bem diferente deste aqui. Amigo, obrigada.
ResponderEliminarPelamordi!!! Onde posso encontrar esse doce aki por Sao Paulo. Desde que fui a Portugal (5 anos atras) nunca mais comi esse doce, e mooooorro de vontade. Obrigada. Erika
ResponderEliminarFiz hoje dois doces com 450g de chila, o mesmo de açucar e 22 dl de água. Num deles adicionei casca de limão, pau canela e 2 flores de aniz. No outro troquei o aniz por 5 vagens de cardamomo. Vamos ver como sabem!
ResponderEliminarLuís,
ResponderEliminarGosto muito dos seus textos,dos detalhes,das tradições. Viajo por eles!
Sinto o que sente em relação as tradições culinárias, até porque aqui em São Paulo,Br.muito se perdeu .
Há quem resgate o que realmente importa e então ,em alguns momentos,recuperamos as raízes,o que no dá um certo alento.
Abraços.
Regina.