A Feira das Mercês, antiquíssimo vestígio do culto popular do Divino Espírito Santo, realiza-se nas duas últimas semanas de Outubro, numa quinta que foi casa do Marquês de Pombal na zona saloia, entre Rio de Mouro e o Algueirão.
Há anos que não vou lá, talvez mais de vinte e tremo de pensar o que as urbanizações podem e devem ter feito àqueles “campos”.
Aí, chegávamos bem cedo, para apanharmos ainda quentes as deliciosas peras pardas cozidas e a minha mãe poder escolher e regatear as melhores nozes, amêndoas e outros frutos secos para o Natal.
A Carne às Mercês é um dos poucos “confitados” (há mais 4 ou 5 na cozinha tradicional portuguesa, geralmente não identificados como tal) da nossa cozinha popular e não tem nada a ver com as “carnes às mercês” das tabernas e cervejarias lisboetas, essas sim carnes de porco fritas (bem ou mal) e em tudo iguais, excepto na massa de pimentão, à carne de porco alentejana (sem amêijoas).
A técnica era precisa e exercida por mãos mestras. Logo ali se viam quais as barracas onde valeria a pena ir almoçar: quem não tivesse a carne ao lume (baixinho) às 9 da manhã era logo rejeitado na escolha e dizia-se que estes eram os “atrasados”, não valiam a pena. A carne era posta em frio, com alguma marinada em que o louro predominava e com a sua dose de banha
Só “turistas” que eram olhados de soslaio trocista se atreviam a pedir as batatinhas fritas e pagavam-nas à parte, bem feito!
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Bom, como parece que ninguém se lembrou de fixar a receita antiga de Carne às Mercês, eu corro o risco de ser o único a poder fazê-lo e fá-lo-ei aqui que este é um petisco bom demais para se perder.
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Ingredientes:
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1kg de rabadilha de porco
1 colher de sopa de pimentão em pó
5-6 dentes de alho
5-6 folhas de louro
Sal grosso e pimenta preta
150g de banha de porco
2,5dl de vinho branco
2 colheres de sopa de vinagre (facultativo*)
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Preparação:
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Corte a carne em pedaços com a volumetria aproximada de uma noz,
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tempere-os, junte o vinho e o vinagre* e deixe por 24 horas (mas melhor por 48h) no frigorífico*.
Ponha esta carne com a marinada numa assadeira ou frigideiras de barro, por cima coloque a banha
e leve ao forno, regulado para 120ºC com calor por baixo, durante cerca de 4 horas.
Durante este tempo a carne mal fervinha e a película de banha que se forma sobre a marinada impede a sua evaporação.
Isto é essencial para que a carne vá confitando lentamente, adquirindo aquela tenrura não-desfeita que só a baixa temperatura e o tempo conferem.
Depois destas horas é tempo de finalizar: é agora que a carne já confitada vai ser frita. Passe a temperatura para 250ºC ou, mais prático, passe a assadeira para o lume do fogão, forte, e deixe que a marinada se evapore por completo e a carne fique alourada e frita por fora, mexendo sempre.
No final (cuidado para que os alhos não queimem) junte um golpe de vinho branco, agite para desglaçar os sucos caramelizados e evaporar o álcool e sirva acompanhado de um bom vinho e pão de Mafra.
Notas: * As boas práticas mandam que as marinadas se conservem no frio. Neste caso o uso de vinagre na marinada é a seu gosto e facultativo. No entanto, se, como eu, é amante daquele sabor único da carne já um bocadinho “entrada”, a chamada faisandée, deve deixar a marinada por 48 horas à temperatura ambiente. Neste caso e para evitar a proliferação de bactérias anaeróbias potencialmente nocivas, o uso do vinagre é obrigatório.