..................... Papas de milho, polenta, xerém, milhos, são termos que designam uma das mais esquecidas preparações à base de farinhas ou carolos de milho, cozidos.
Nunca percebi bem que motivo teria levado a este ostracismo culinário de algo que foi presença constante e muitas vezes única, durante muitos séculos, às magríssimas mesas de fome dos pobres de toda a Europa e de Portugal também. Talvez a vontade de esquecer tempos duros em que a fome podia ser letal, afastando a lembrança desse prato, pobre entre os pobres, para um eterno esquecimento.
Essa é a grande injustiça que persegue o milho, cereal muito mais importante que o trigo na cultura europeia e que, escondido sob a forma de rações e forragens, continua a ser a base alimentar de todas as proteínas animais, terrestres, que hoje consumimos. Mas se o consumimos indiretamente a toda a hora, já o seu uso enquanto alimento direto está restringido a umas broas, uns doces de colher regionais, uns xeréns algarvios, umas crostas em assados mais ou menos exóticos, uns corn flakes totalmente industrializados e pouco mais.
Para esta 23ª Trilogia com a Ana e o Cupido, o tema é precisamente O Milho, e para homenagear esse prato que nos trouxe, enquanto povo, até aqui, deixo-vos esta polenta ou papas de milho tradicionais com couve, com uns rojões a acompanhar, para não serem só as papas, de que, afinal, andamos todos fartos, não de comê-las, mas que no-las comam na cabeça.
Ingredientes:
1 medida de carolo (farinha grossa) de milho amarelo
5 medidas de água de cozer as couves
Folhas de couve portuguesa ou, se for tenra, galega
Azeite
Alhos
Sal e pimenta
Carne de porco, da perna
Massa de pimentão
Alhos, louro e pimenta
Vinho branco
Banha de porco
Preparação:
Corte em pedaços grandes a carne de porco (conte com 200g por pessoa) e tempere-a, de véspera, com a massa de pimentão, alhos, louro, pimenta e vinho branco (não precisa de sal dado que as massas de pimentão são extremamente salgadas).
Deixe assim para o dia seguinte, fora do frigorífico.
Coza algumas folhas verdes de couve portuguesa ou galega (também pode usar caldo verde cortado grosso), em água e sal, deixe-as mal cozidas e reserve folhas e liquido.
Refogue num fundo escasso de azeite alhos picados muito fino até começarem a ganhar cor e junte-lhes cinco medidas da caldo das couves. Quando ferver, adicione em chuva, mexendo sempre, uma medida de carolo de milho (usei, para 2 pessoas, a medida de 150ml). Deixe cozer em lume muito brando por uma hora, mexendo ocasionalmente para não pegar e juntando se necessário algum líquido.
Enquanto as papas cozem, frite a carne em lume esperto, em banha, até alourar.
Junte então cerca de meio litro de vinho branco e deixe fervinhar por cerca de meia hora, após o que aumenta a temperatura de modo a evaporar toda a água e ficar apenas um molho espesso.
Quando as papas estão cozidas, o que se nota pois deixam de pegar ao tacho, como as migas, junte-lhes as folhas de couve cozida cortadas grosso e o molho dos rojões. Mexa bem e prove para ver se o sal do liquido das couves e do molho foi suficiente, retifique se necessário e deixe mais uns minutos ao lume, mexendo sempre.
Sirva logo com os rojões por cima
e delicie-se com estas papas de outrora que pedem meças a muitas migas
e que gritam por um bom copo de vinho tinto. Fiz-lhes a vontade com este varietal da Adega de Pegões, o Trincadeira de 2008 que revelou perfeita harmonia com os secos do repasto.
Que delícia!
ResponderEliminarNós, beirões continuamos a contribuir para a preservação do uso do carolo de milho na cozinha, sobretudo com as papas doces (http://rapotacho.blogspot.com/2006/06/papas-de-carolo.html)
Quanto a que nos comam as papas na cabeça... há que fazer o possível para não deixar que isso aconteça, o que não está fácil!...
Um Abraço.
Ficaram uma belezura de papas... também gostei da companhia que lhes deste.
ResponderEliminarCorreu bem esta trilogia!
Beijinhos.
Caro Luís, permita-me discordar apenas num ponto: o milho não é de forma alguma mais importante que o trigo na cultura europeia.
ResponderEliminarO milho só foi introduzido na Europa com o descobrimento da América quando já há milénios o trigo, vindo do médio-oriente, era utilizado na Europa.
Sem dúvida que é hoje o cereal mais importante, mas historicamente o trigo é consumido há muito mais tempo na Europa.
Isto não retira obviamente a importância que o milho também teve e tem na nossa cultura nem de qualquer forma belisca o interesse do seu post.
Cumprimentos.
Gostei que tenhas escolhido essas papas com rojões. Na Gândara faziam-se umas parecidas, mas com abóbora, que fazia um acompanhamento ainda mais guloso para os rojões.
ResponderEliminarAntónio Bettencourt,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Na verdade, quando referi a importância do milho em relação ao trigo, não estava a fazê-lo numa perspetiva de antiguidade do uso, mas sim da importância que o milho (e a polenta)assumiu na sobrevivência das populações rurais durante as grandes crises de fome associadas às más colheitas de trigo, desde o sec.XVII, tendo Portugal recebido o seu primeiro milho, importado da Andaluzia onde se começava a ensaiar o seu cultivo europeu, durante a crise de fome de 1640.
Depois, e sempre que, por crise, o padrão alimentar baixava, era a polenta que garantia a sobrevivência, muitas vezes em regime de mono-alimento como demonstram as endemias e epidemias de pelagra, carência associada ao consumo exclusivo de milho e que teve o seu último grande surto durante a fome do sul da europa de 1848.