quarta-feira, 13 de abril de 2011

Papas com rojões

..................... Papas de milho, polenta, xerém, milhos, são termos que designam uma das mais esquecidas preparações à base de farinhas ou carolos de milho, cozidos.
Nunca percebi bem que motivo teria levado a este ostracismo culinário de algo que foi presença constante e muitas vezes única, durante muitos séculos, às magríssimas mesas de fome dos pobres de toda a Europa e de Portugal também. Talvez a vontade de esquecer tempos duros em que a fome podia ser letal, afastando a lembrança desse prato, pobre entre os pobres, para um eterno esquecimento.
Essa é a grande injustiça que persegue o milho, cereal muito mais importante que o trigo na cultura europeia e que, escondido sob a forma de rações e forragens, continua a ser a base alimentar de todas as proteínas animais, terrestres, que hoje consumimos. Mas se o consumimos indiretamente a toda a hora, já o seu uso enquanto alimento direto está restringido a umas broas, uns doces de colher regionais, uns xeréns algarvios, umas crostas em assados mais ou menos exóticos, uns corn flakes totalmente industrializados e pouco mais.
Para esta 23ª Trilogia com a Ana e o Cupido, o tema é precisamente O Milho, e para homenagear esse prato que nos trouxe, enquanto povo, até aqui, deixo-vos esta polenta ou papas de milho tradicionais com couve, com uns rojões a acompanhar, para não serem só as papas, de que, afinal, andamos todos fartos, não de comê-las, mas que no-las comam na cabeça.

Ingredientes:

1 medida de carolo (farinha grossa) de milho amarelo
5 medidas de água de cozer as couves
Folhas de couve portuguesa ou, se for tenra, galega
Azeite
Alhos
Sal e pimenta

Carne de porco, da perna
Massa de pimentão
Alhos, louro e pimenta
Vinho branco
Banha de porco

Preparação:

Corte em pedaços grandes a carne de porco (conte com 200g por pessoa) e tempere-a, de véspera, com a massa de pimentão, alhos, louro, pimenta e vinho branco (não precisa de sal dado que as massas de pimentão são extremamente salgadas).
Deixe assim para o dia seguinte, fora do frigorífico.
Coza algumas folhas verdes de couve portuguesa ou galega (também pode usar caldo verde cortado grosso), em água e sal, deixe-as mal cozidas e reserve folhas e liquido. 
Refogue num fundo escasso de azeite alhos picados muito fino até começarem a ganhar cor e junte-lhes cinco medidas da caldo das couves. Quando ferver, adicione em chuva, mexendo sempre, uma medida de carolo de milho (usei, para 2 pessoas, a medida de 150ml). Deixe cozer em lume muito brando por uma hora, mexendo ocasionalmente para não pegar e juntando se necessário algum líquido.
Enquanto as papas cozem, frite a carne em lume esperto, em banha, até alourar.
Junte então cerca de meio litro de vinho branco e deixe fervinhar por cerca de meia hora, após o que aumenta a temperatura de modo a evaporar toda a água e ficar apenas um molho espesso.
Quando as papas estão cozidas, o que se nota pois deixam de pegar ao tacho, como as migas, junte-lhes as folhas de couve cozida cortadas grosso e o molho dos rojões. Mexa bem e prove para ver se o sal do liquido das couves e do molho foi suficiente, retifique se necessário e deixe mais uns minutos ao lume, mexendo sempre.
Sirva logo com os rojões por cima

e delicie-se com estas papas de outrora que pedem meças a muitas migas
e que gritam por um bom copo de vinho tinto. Fiz-lhes a vontade com este varietal da Adega de Pegões, o Trincadeira de 2008 que revelou perfeita harmonia com os secos do repasto. 

5 comentários:

Paula disse...

Que delícia!

Nós, beirões continuamos a contribuir para a preservação do uso do carolo de milho na cozinha, sobretudo com as papas doces (http://rapotacho.blogspot.com/2006/06/papas-de-carolo.html)

Quanto a que nos comam as papas na cabeça... há que fazer o possível para não deixar que isso aconteça, o que não está fácil!...

Um Abraço.

anna disse...

Ficaram uma belezura de papas... também gostei da companhia que lhes deste.
Correu bem esta trilogia!
Beijinhos.

António Bettencourt disse...

Caro Luís, permita-me discordar apenas num ponto: o milho não é de forma alguma mais importante que o trigo na cultura europeia.

O milho só foi introduzido na Europa com o descobrimento da América quando já há milénios o trigo, vindo do médio-oriente, era utilizado na Europa.

Sem dúvida que é hoje o cereal mais importante, mas historicamente o trigo é consumido há muito mais tempo na Europa.

Isto não retira obviamente a importância que o milho também teve e tem na nossa cultura nem de qualquer forma belisca o interesse do seu post.

Cumprimentos.

cupido disse...

Gostei que tenhas escolhido essas papas com rojões. Na Gândara faziam-se umas parecidas, mas com abóbora, que fazia um acompanhamento ainda mais guloso para os rojões.

Luís Pontes disse...

António Bettencourt,
Muito obrigado pelo seu comentário.
Na verdade, quando referi a importância do milho em relação ao trigo, não estava a fazê-lo numa perspetiva de antiguidade do uso, mas sim da importância que o milho (e a polenta)assumiu na sobrevivência das populações rurais durante as grandes crises de fome associadas às más colheitas de trigo, desde o sec.XVII, tendo Portugal recebido o seu primeiro milho, importado da Andaluzia onde se começava a ensaiar o seu cultivo europeu, durante a crise de fome de 1640.
Depois, e sempre que, por crise, o padrão alimentar baixava, era a polenta que garantia a sobrevivência, muitas vezes em regime de mono-alimento como demonstram as endemias e epidemias de pelagra, carência associada ao consumo exclusivo de milho e que teve o seu último grande surto durante a fome do sul da europa de 1848.