Ignoradas em geral
pelos nossos “gastrónomos” mais elitistas e patetas*, que as olham com desdém
afectado, dos cumes irreais das suas altas cozinhas ou cozinhas de museu, como
assunto irrelevante, as sanduíches são, na sua simplicidade desarmante, as
rainhas incontestadas da “street food”
que, como muito bem notou Maurício Barra, está nos antípodas da fast-food e é o espelho do modo como
hoje se interpretam, popularmente, os sabores tradicionais de cada país e
cultura.
Quando nos referimos a uma sanduíche,
estamos, basicamente, a dizer de algo que se comeu dentro de pão e que pode ir
do mais simples e prosaico papo-seco com manteiga à mais elaborada francesinha,
aos requintados canapés, às sanduíches de leitão quente, às bolas e folares da
nossa tradição, o mundo interminável das tostas, das sanduíche-refeição, dos
pregos, cachorros e, claro, as bifanas.
Não podia ter calhado melhor tema para
esta 92ª Trilogia com a Ana e o Amândio, “sanduíches”, a
possibilitar-me, já que estou de férias bem perto de lá, uma incursão profunda
nesse fenómeno etno-gastronómico que foi, há já três décadas, o nascimento
obscuro, pela mão de Manuel Isabel, das hoje célebres Bifanas de Vendas Novas,
já com direito a franchising e
denominação registada pelo Município!
A excelência das bifanas de Vendas Novas
é conseguida por um encadeado de factores e não por uma receita mirabolante. De
facto, os temperos até são banais e os esperados da tradição alentejana; mais
do que isso, o que Manuel Isabel inventou quando quis diferenciar as suas
bifanas das demais, foi afinal uma aposta intransigente na qualidade do lombo
usado e na maneira sui generis de
prepará-lo, como ficou bem evidente da visita surpresa que o Sr. Manuel, dono
do Café A Chaminé,
me proporcionou à
sua cozinha, em plena azáfama, onde se fazem aquelas que na minha opinião serão
talvez, actualmente, as melhores bifanas de Vendas Novas.
Ingredientes:
Lombo de porco
Alhos
Sal e pimenta
Pimentão doce ou massa de pimentão
Louro
Vinho branco
Vinagre
Banha ou margarina
Pão
Preparação:
O que primeiro salta à vista numa bifana
de Vendas Novas é a sua finura, algo comparável a uma fatia de fiambre. Este é
um aspecto fulcral para o seu êxito e obtém-se através do exaustivo bater** de
um bife de lombo com cerca de 125g ou um dedo de espessura, depois de lhe
retirar a pele que normalmente os envolve.
Bata cada bife do lombo com um martelo de bicos, de ambos
os lados, até que se transforme numa grande rodela finíssima.
Tempere cada bifana batida, numa tigela
ou prato fundo, com sal, pimenta, alho picado, um toque apenas de pimentão em
pó ou em massa, quase nada, e o louro em pedaços.
Vá salpicando
com o vinho branco e vinagre e deixe tomar sabores por algumas
horas.
Na hora de fazer a sua bifana, irá por
fim aparecer a grande diferença entre uma bifana de Vendas Novas feita em casa
e a mesma feita numa cozinha comercial a elas dedicada. Enquanto que em casa a
bifana terá que fazer o seu molho, na cozinha que está permanentemente a fritar
bifanas, existe já um molho cheio de sabor onde ela é apenas lentamente
“confitada” e isto faz realmente toda a diferença.
Em Vendas Novas as bifanas são feitas
numa frigideira especial em que podem ser feitas seis bifanas de cada vez, como
esta, do Café A Chaminé,
onde as bifanas são introduzidas neste
“lago” de molho das suas antecessoras, composto por banha ou margarina e sucos
caramelizados que vão sendo desglaçados com pequenas adições de vinho branco.
Em nossa casa não temos essa vantagem do
molho prévio e por isso vamos ter de fazê-lo:
Aqueça bem uma colher de sopa de banha ou
margarina numa frigideira e frite nela, dos dois lados e em lume forte, a
bifana sem alhos ou louro, o que acontece em segundos, dada a pouca espessura
da carne.
Se tiver mais bifanas, vá-as fritando uma de cada vez, juntando mais
um pouco de gordura e, no fim, um pouquinho de vinho branco para desglaçar os
sucos caramelizados e formar assim o molho onde irão por momentos fervinhar
todas as bifanas.
Sirva-as numa carcaça aberta, previamente
tostada no forno.
Notas:
*Quem me lê com
regularidade, nota por vezes algum azedume da minha parte em relação a uma
certa gastronomia portuguesa e tem razão.
Impõe-se por isso
uma clarificação até para que não subsistam mal-entendidos, já que eu prezo
muito e tenho até por amigos, grandes gastrónomos portugueses.
Estes outros gastrónomos
a que chamo elitistas e patetas são aqueles que, acham que a gastronomia não trata daquilo que
se come mas sim daquilo que eles acham que se deve comer e fica aqui prometido
para Setembro um post sobre o que penso do assunto.
** A operação de
bater é insubstituível, nomeadamente pelo truque fácil de semi-congelar a carne
e cortá-la depois na fiambreira. Foi tentado por alguns mais “despachados”, com
resultados decepcionantes.