Começou
em 2009 por uma brincadeira, numa empresa de Mirandela que se dedicava (e
dedica) às tradicionais alheiras DOP daquela região e o certo é que o sabor
conquistou pessoas, fez mercado e hoje, as alheiras de bacalhau ganharam
individualidade gastronómica e um lugar crescente nas nossas mesas.
Isto tem
incomodado alguns puristas da tradição museográfica, a mim não: a tradição que
conta para mim é a viva e em permanente mutação, a que as pessoas hoje vão
mantendo e reconstruindo no dia a dia das cozinhas; sempre foi assim, apesar
dos gritos amargurados dos que, por algum estranho impulso, acham que tradição
é qualquer coisa que parou num tempo que eles escolhem, 30 anos, 40 anos, 80
anos, consoante acham que tradição é a culinária da sua própria infância, a
recolhida por Maria de Lourdes Modesto ou por Olleboma, sem perceberem que um
prato tradicional não é o mesmo que uma reconstituição histórica e que sempre
foi através da inovação e da criatividade que se passou da paupérrima cozinha
dos séculos XVIII e XIX para o que é hoje a nossa tradição gastronómica e
culinária.
Nas alheiras de bacalhau, a única
coisa que me incomoda um pouco é precisamente o nome “alheira”. Sou muito cioso
do significado de cada palavra e gostaria muito mais que estas alheiras se
tivessem chamado “bacalheiras” ou coisa que o valesse. Mas o certo é que se
chamam já assim, que as próprias alheiras actuais pouco ou nada têm a ver com
as originais, sem porco, com que as judiarias tentavam enganar Inquisições e eu
não tenho jeito nem pachorra para lutas com moinhos de vento.
Com os restos menos nobres do
bacalhau natalício, meti mãos à obra, já que, para mim, há aspectos nas
alheiras de bacalhau que bem podem ainda melhorar, talvez fruto da inexperiência
de magarefes e salsicheiros quando o assunto passa a peixe. Fiz assim:
Ingredientes (para 3kg de alheiras):
1,5 kg de bacalhau demolhado
1 kg de pão de trigo
2 colheres de sopa de pimentão
doce
3 colheres de sopa de massa de
pimentão
12 dentes de alho
2 dl de azeite
Sal, piri-piri e pimenta preta,
q.b.
Tripa fresca, de porco
Preparação:
Demolhe o bacalhau como de
costume, escalde-o e retire peles e espinhas.
Reserve o bacalhau e volte a
ferver na mesma água as peles, espinhas e uma cebola , em lume mínimo e por
cerca de uma hora. Passe pelo chinês e reserve o caldo.
Parta o pão, que deve ser de
trigo e fino, para um alguidar, escalde-o com o caldo bem quente e a que juntou
previamente os dentes de alho esmagados e salsa, se a quiser usar.
Junte os pimentões, o piri-piri,
a pimenta e o azeite e mexa bem de modo a ficar com uma massa com a
consistência de migas.
Desfaça o bacalhau num almofariz
ou, mais prático, envolvendo-o num pano e sovando a boneca de modo a reduzi-lo
a fios.
Este efeito multiplicador do sabor do bacalhau
e a obtenção de uma textura única, que se obtém com este desfiar, será o que
tornará as suas alheiras de bacalhau definitivamente superiores a qualquer uma
de compra, com o bacalhau cortado à máquina.
Incorpore o bacalhau em fios na
massa, mexa bem, prove para saber que sal será (ou não) necessário, rectifique
todos os temperos e faça as alheiras ensacando esta massa na tripa, preparada
como se disse
aqui, com auxílio de um funil,
picando a tripa para se assegurar
que extrai da alheira quaisquer bolha de ar.
como eu, não dispuser de um a sério e defume as suas alheiras por quatro ou
cinco dias, antes de consumir.
Fritas, assadas ou grelhadas,
como petisco, entrada ou refeição, as alheiras de bacalhau feitas em casa
apresentam esta estrutura interna única, toda ela entretecida
de fibras de
bacalhau, uma maravilha para o palato.
Para conservação longa, as
alheiras são excelentes para congelação.