Cumpriu-se a
segunda edição do Projecto Y.Um cardápio,
dois continentes,
três cozinheiros,
quatro à mesa de Lisboa,
cinco receitas, foram os ingredientes deste desafio à virtualidade anónima da
blogosfera, mais uma vez forçada a fazer-se coisa em que se mexe, que se cozinha, que se come!
O cardápio foi, desta vez, criado por mim. Criado mesmo, que eu não ia perder por nada deste mundo o ensejo de ver alguém cozinhar receitas que eu imaginei.
Dirão que foi grande a
imodéstia e claro que têm razão, mas só experimentando se pode perceber o gozo... ah! O grande gozo!
A mesa lisboeta onde se sentaram quatro, cresceu à volta daqueles sabores também degustados em
Almeirim e
S.Paulo, sabores novos para nós todos de que aqui vos deixo relato:
Esta e todas as receitas dos pratos que se vão seguir, foram publicadas aqui, quando do convite que vos fiz para que, se quisessem, nos poderem acompanhar neste nosso jantar.Aperitivo:
Melão com presunto ( Carpaccio de presunto sobre redução balsâmica de melão em requeijão de ovelha e wasabi)
Acompanhado por um
shot de sumos de melão e lima com
saké, estes
rolinhos foram um êxito absoluto. Em relação à receita original, e porque dos quatro convivas, três não são apreciadores do picante japonês, optei por incluir o
wasabi por cima dos
rolinhos, de forma a que pudesse ser removido facilmente.
Primeira Entrada:
Ervilhas com Ovos e Toucinho(Raviolis de Petit Pois com escalfado de Ovo de Codorna e Menta )
Inspirado na célebre apresentação de favas embrulhadas em toucinho de
Ferran Adriá, estes “
raviolis” acabaram por ser “cobertores” pois não me foi possível arranjar aquele toucinho enorme de porco preto e então as fatias não tinham dimensão para embrulhar o recheio todo em volta. Acabou por ficar delicioso e, só pena, ser entrada e acabar logo...
Segunda Entrada:
Rancho à Portuguesa(Estufado de carnes com grão de bico e tomate em caneloni de pasta all’uovo fresca)
Um dos pratos mais emblemáticos da cozinha das tabernas portuguesas, este “rancho” brincava com a receita original ao passar a tradicional massa para fora, sob a forma de um
caneloni de massa fresca.
Semi-feito de véspera, numa pequena batota logística para não comprometer o ritmo necessário à refeição, foi só
gratinar/aquecer e ficou magnífico.
Prato Principal:
Arroz de Santola(Risoto do Mar ao Porto com Açafrão em carpaccio de Terrincho) Esta receita teve uma inspiração tripartida: em primeiro lugar o meu gosto pessoal por arroz de marisco, em segundo uma técnica de
risoto descrita por J.Oliver, que consiste em substituir o vinho branco por vermute seco (aqui por Porto), e em terceiro uma receita publicada há meses no Expresso, um
risoto de açafrão em
Terrincho, da autoria do
chef Guerrieri, do
Mezzaluna, em Lisboa.
Em relação a esta última, usei açafrão em estames e não o “das índias”, o
risoto era de sapateira e não simples. Memorável e, seguramente, a repetir, igual ou nas inúmeras possibilidades que abre.
Em relação à santola que eu tinha imaginado para este prato, o preço absolutamente escandaloso a que esteve naqueles dias, motivou a escolha da sua prima sapateira, que desempenhou o papel com todo o mérito!
Sobremesa:
Trouxas(Nougat de Lemon Curd em massa filo)Estas “trouxas” constituíram o principal factor de
stress desta refeição, de algum modo o meu pesadelo. Criadas do nada, apenas por
Lemon Curd ser o meu doce favorito e massa Filo uma incógnita fascinante mas inteiramente teórica, estas trouxas
estaladiças foram um êxito para todos os que as provaram, excepto para mim que as tinha imaginado diferentes: o
Lemon Curd ficou algo seco com o calor do forno, o que não impediu que ficasse bom, mas eu queria-o cremoso como o “
curd” deve ser. Emendei a mão como viram na foto, ficou bonito e o cremoso andou ao lado, debaixo da noz.
Uma nota final para os
vinhos:Nesta refeição em que a tradição foi deliberadamente esquecida e em que se andou da “terra” para o “mar”, houve que harmonizar a escolha
vínica com esta opção, o que, tendo em atenção que havia notas de açúcar logo no aperitivo (!), não foi nada fácil.
Conseguiu-se, no entanto, o desiderato!
Depois de um verdadeiramente minúsculo
Caipiké de melão, no aperitivo - tratava-se de lavar o palato – a escolha recaiu sobre um tinto da Península de Setúbal, os tintos que se harmonizam com qualquer sabor, desde os doces até às caças, vá lá saber-se como e porquê?
As duas entradas agradeceram a companhia do
Dona Ermelinda 2005,
DOC Palmela, um Castelão-
Periquita da vinha de Fernando Pó, da casa Ermelinda Freitas. Estagiado em carvalho francês que lhe dá as madeiras, este tinto polivalente apresentou-se granada, complexo, cheio de frutos maduros e com um final prolongado próprio dos grandes vinhos.
O prato principal, paradigma da amada/odiada associação marisco/queijo, era por si um quebra-cabeças de difícil solução no âmbito clássico dos brancos – tintos.
Poderia ter sido um Alvarinho. Poderia ter sido um desses novos
rosés, agora cheios de personalidade (finalmente!). Mas a escolha recaiu sobre um dos grandes vinhos portugueses do momento: O
Al-Xam, branco bruto espumoso das castas
Sercial, Antão Vaz e Esgana Cão, produzido nas vinhas exemplares da Quinta da
Plansel, em Montemor-o-Novo, por Jorge
Bohm. De bolha persistente, fresco, untuoso e elegante, este magnífico
Al-Xam (do qual, infelizmente, só se produzem 5000 garrafas por ano), foi a companhia perfeita até ao fim da refeição.
Com um sentimento de plenitude e serenidade, morreu bem este Y Segundo.
Viva o Y Terceiro!