terça-feira, 26 de novembro de 2013

Pimentos Vermelhos Italianos, Recheados


                  São conhecidos por “italianos” mas na verdade o seu consumo estende-se à maioria dos países da Europa, sendo até que em países como a Hungria estes pimentos doces e alongados, meio torcidos por vezes, são das variedades mais consumidas. Em Portugal têm chegado timidamente e é muitas vezes evidente que a tentação de experimentar a novidade esbarra com a ignorância sobre o modo como devem ser consumidos e até com algum receio sobre as eventuais capacidades picantes destes frutos que parecem malaguetas gigantes.

De sabor suave e doce e pouco carnudos, parecem ter sido feitos a pensar em futuros recheios e é de facto este o modo ideal de cozinhá-los: recheados com aquilo que se quiser, tendo em atenção que por serem finos o calor chega depressa a todo o recheio e permite que o próprio pimento não amoleça em demasia como tantas vezes acontece com os volumosos e carnudos pimentões a que estamos mais habituados.
Quanto ao recheio propriamente dito, como a forma do pimento me fez lembrar irresistivelmente os sacos das lulas, foi este o recheio escolhido, “lula” por fora e lula por dentro, que bons ficaram estes italianos assim convertidos em peixe na minha cozinha!

Ingredientes:

Pimentos vermelhos, italianos
Lulas
Cebola, alhos, louro,
Paprika fumada
Sal e pimenta
Azeite
Arroz carolino

Preparação:

Escalde as lulas brevemente e reserve o caldo formado. Parta-as em pedacinhos e refogue-as juntamente com a cebola e alhos picados, paprika fumada*, louro sal e pimenta.
Coza arroz no caldo das lulas, usando a proporção 2/3 de modo a que o arroz não fique totalmente cozido. Misture arroz cozido  com o refogadinho de lulas e reserve.
Abra a base dos pimentos sem seccionar por completo, retire as sementes que nestes pimentos se concentram junto ao pé deixando livre o resto do tubo
e encha-as com o recheio.
Passe um fio de azeite e leve-as a forno bem quente durante 10-12 minutos.

Sirva como entrada, petisco
ou até como refeição leve se com um acompanhamento a seu gosto.

Nota: * Se não arranjar a paprika fumada, que é por vezes difícil, junte um pouco de chouriço de fumeiro picado muito fino, para dar o toque a fumo em falta.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Ossobuco com Bolotas, à Minha Moda


                      Apesar do termo italiano “ossobuco” designar um prato típico da Lombardia feito com pernil de bovino, o certo é que, a exemplo de tantos outros, o uso consagrou ossobuco como significante da peça de carne e não do prato, ou seja, chamamos hoje “ossobuco” a uma fatia do pernil (nispo ou chambão) englobando o osso.
Além das receitas milanesas originais, existem um sem-número de outras, sendo o único factor comum o serem pratos algo demorados pois o chambão é sempre uma carne dura e enervada mas, talvez por isso mesmo, deliciosa.
Em qualquer prato de ossobuco, o tutano da cavidade do osso é ingrediente indispensável e foi aproveitando o seu sabor único que fiz este ossobuco de vitela alentejana, acompanhado por batata doce da Comporta, bolotas de azinheira e acelgas bravas que agora crescem nos campos.
Uma delícia!

Ingredientes:

Fatia alta de ossobuco
Sal, pimenta, alhos e louro
Azeite
Vinho branco
Pimentão doce
Pedaço de chouriço alentejano
Batata doce da Comporta
Bolotas de azinheira
Acelgas bravas

Preparação:

Tempere de véspera o ossobuco com pimenta, louro e alhos.
Retire louro e alhos, reserve-os e frite rapidamente a carne em azeite bem quente, tendo o cuidado de retirar a pele que circunda o ossobuco de modo a que não se encaracole a carne.
Quando estiver frito, retire-o e introduza então cebola às rodelas, alhos e louro que temperaram a carne e deixe a cebola começar a estalar. Reintroduza o ossobuco, polvilhe com pimentão e junte chouriço às rodelas e vinho branco.
Tape e deixe estufar por cerca de 60-90 minutos, juntando mais vinho quando necessário para não queimar.
A bolota de azinheira é um fruto aparentado com a castanha mas menos doce e pode encontrar-se facilmente nesta altura sob estas majestosas árvores do montado;
se vive longe de azinheiras, use castanhas. Dê um golpe nas bolotas,
ferva-as por três ou quatro minutos, descasque-as e pele-as. Passe o ossobuco estufado para uma assadeira ou tabuleiro de forno e rodeie-o com as bolotas e rodelas de batata doce previamente escovadas e lavadas, de modo a conservarem a casca.
Regue com o molho do estufado e leve a forno médio por mais meia hora.
Sirva com um salteado verde, neste caso acelgas bravas com azeite e alhos
e espalhe o tutano sobre a carne antes de começar a comer.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Feijoada de Lebre com Nabos

   
            Apesar das semelhanças anatómicas com o primo coelho, a lebre é muito diferente dos pontos de vista culinário e gastronómico, a permitir devaneios bem mais interessantes que os possíveis com o seu parente mais plebeu.
São tradicionais e felizes as associações da carne algo adocicada da lebre com o travo dos nabos e o feijão e foi com estes dois ingredientes e uma bela lebre que compus o almoço, regado como merece e animado com os temperos essenciais a qualquer prato: tempo, amizade e cavaqueira.

Ingredientes:

1 Lebre
Alhos
Louro
Sal e pimenta
Vinho branco
Cebolas
Cravinhos
Pimenta da Jamaica
Pimentão doce de La Vera
Pimentão picante de La Vera
Azeite e banha de porco
Feijão branco fidalgo
Couve repolho coração
Nabos
Pão frito em azeite

Preparação:

Esfole e eviscere a lebre, aproveitando o fígado, rins e coração. Parta em pedaços grandes, lave bem em água gelada por meia hora e cubra os pedaços com sal, pimenta, alhos esmagados, louro e vinho branco.
Deixe a marinar no frio por três dias.
Refogue numa mistura de azeite e banha de porco a cebola picada, alhos, louro, pimentão doce e picante (se arranjar use o inexcedível pimentão espanhol de La Vera), pimenta preta moída no momento, cravinho e pimenta da Jamaica em grão.
Junte a lebre escorrida* ao refogado,
envolva, cubra de novo* vinho branco, tempere de sal e deixe cozer por duas a três horas, consoante a idade da lebre. A carne deverá poder soltar-se facilmente dos ossos sem no entanto se desfazer. Desosse e reserve.
Junte ao molho que a carne deixou, nabos em cubos pequenos e couve repolho (parte clara) em juliana grossa,
deixe cozer e adicione por fim a lebre desossada e feijão branco
previamente demolhado e cozido em panela aberta.
 Sirva sobre fatias de pão alentejano frito em azeite e escorrido em papel absorvente.

Nota: 
*A lebre é um animal extraordinariamente sanguíneo, com uma carne escura que é impossível sangrar por completo. Ao iniciar um prato de lebre deverá tomar uma decisão fundamental que, de acordo com o seu gosto, influirá grandemente o resultado final: aproveitar ou não essa grande quantidade de sangue que se desprenderá para a marinada com que se inicia qualquer prato de lebre. Se usar a marinada o prato ficará com um sabor intenso a uma cabidela de caça, o que poderá não ser consensual. Não querendo esta intensidade geral mas apenas o sabor a lebre, há que rejeitar o vinho sanguíneo da marinada e cozinhar a lebre marinada num novo vinho branco, que foi o que fiz neste caso, embora goste também da versão intensa.  O resultado superou as expectativas, acolitado por este excelente alentejano Herdade de São Miguel, Reserva de 2007, que mostrou em pleno a sua vocação de um belo vinho para "casar" com pratos de caça.



domingo, 10 de novembro de 2013

Açorda de Lagosta à Moda da Costa Estremenha


               Para quem ao longo destes últimos três anos se habituou a seguir esta brincadeira a que a Ana, do blog  Na Cozinha com a Anna, o Amândio, do blog Garficopo e eu próprio aqui, chamámos Trilogias e que semanalmente às Quartas-Feiras foram construindo um acervo temático de quase cinco centenas de propostas culinárias, esta aparição da 158ª Trilogia a um Domingo pode parecer estranha.
Acontece que foi exactamente a 10 de Novembro de 2010 a primeira Quarta-Feira em que se publicou uma Trilogia e que, sentindo os parceiros trilógicos que é altura de fazer um encerramento ou pelo menos uma pausa, seria perfeito fazê-lo no dia em que comemoramos o terceiro aniversário. Para este final das Trilogias, que sempre foram um espaço desafiante mas também de cumplicidades e sã amizade, escolhemos um tema particularmente adequado ao que foi esta experiência: "afectos".

Apesar de muitas outras terem depois surgido ao longo da vida, a costa dos meus afectos de infância e juventude é esta que se estende entre praias e arribas escarpadas, entre dois cabos muito belos, o da Roca, frente a Sintra e o Carvoeiro, logo a seguir a Peniche, desenhando-se nestes escassos cinquenta  quilómetros de costa muitas outras singularidades que só o conhecimento íntimo detecta e a que alma se afeiçoa. Gosto muito de Peniche, da sua costa, das praias tantas vezes envoltas em cerrados nevoeiros e ventanias desabridas, das belíssimas Berlengas ali em frente e, claro, daquele mar batido e dos seus magníficos peixes e mariscos, de onde sobressaem percebes tão bons ou até melhores que os galegos da Costa da Morte. É que estas são águas bem frias e até inóspitas para quem vem habituado a outras amenidades de temperatura e calmarias do mar mais a Sul e, se por vezes provocam semanas inteiras de "bandeira vermelha", também são a causa dos já falados percebes, das santolas e também daquela que é seguramente a nossa melhor lagosta, a lagosta apanhada de Peniche à Ericeira e que deu origem a pratos  como a Lagosta Suada à Moda de Peniche ou a Açorda de Lagosta da Ericeira, ex-libris da cozinha jagoz. É claro que lagosta, seja de Peniche, da Ericeira ou outra qualquer, não é, por motivos óbvios, comida de todos os dias no meu prato, mas hoje será condigno prato de festa aniversariante e encerramento destas Trilogias.

Ingredientes:

1 lagosta média
Camarão
Azeite
Pão de trigo, fino
Alhos
Sal e pimenta
Salsa

Preparação:

Para fazer esta açorda deve usar uma lagosta que tanto pode ser viva como morta; apenas as cozidas previamente não servem. Se usar viva deverá mergulhá-la em água a ferver com sal onde o animal morrerá em segundos, deixando depois ferver por cerca de cinco minutos. No caso de usar, como eu, uma lagosta crua mas já morta,
comece por cortar-lhe a cabeça,
vire-a, introduza uma agulha de tricot das que têm barbela pelo orifício anal
até ver a ponta sair pelo outro lado e puxe de novo de modo a que a barbela arraste consigo a tripa
que percorre o corpo da lagosta.
Coza o corpo da lagosta, a cabeça e alguns camarões em água com sal
apenas suficiente para cobri-los, durante cerca de cinco minutos para a lagosta e dois minutos para o camarão. Escorra e reserve o marisco e o caldo resultante.
Demolhe o pão neste caldo e proceda como aqui se disse para a feitura da açorda,
junte o camarão descascado e o conteúdo da cabeça da lagosta e decore com salsa, a carne da lagosta, pernas e algum coral, se houver.
Não ponha ovo.


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Raia de Alhada

              Ao contrário do que nos vão impingindo os chefs cozinheiros mediáticos com os seus shows, concursos, caldos knorr ou eventos em supermercado suburbano, no vasto mundo virtual dos blogs gastro-culinários podem encontrar-se alguns blogs  excepcionais onde cozinhar adquire todo o seu significado no que respeita a sensibilidade, criatividade, inovação e também respeito pelos pratos que, sendo de outros tempos, permitem tudo isto. Blogs como O Avental do Gourmet, Ardeu a Padaria, O Senhor Prendado ou O Fogão do Kuka levaram não só a arte culinária que lhes está na génese como também as capacidades de partilha e pedagógica a níveis de verdadeira excelência, apenas para citar alguns que sendo de referência estão hoje já inactivos e não correndo assim o risco da suprema deselegância de deixar alguém esquecido.
Foi a partir de uma receita publicada há já sete anos num destes blogs, O Fogão do Kuka, por sua vez espelho de uma receita regional do Sotavento algarvio, que parti para uma recriação de uma forma pouco comum de confeccionar a raia, animal que apesar de ter passado por ameaças graves devido a sobrepesca, teve os stocks estabilizados e aumentados pela aplicação da legislação restritiva implementada pela Comissão Europeia.
Vamos então a esta belíssima variação sobre a raia de alhada, algo que, ao que se sabe, nunca terá sido feito por Henrique Sá Pessoa e que portanto constitui a maior (e total) variação à sua comida, hoje nesta 157ª Trilogia em que eu e a Ana tivemos, a mando do Amândio, o tema “variações sobre HSP”!

Ingredientes:

Postas de Raia
Sal e pimenta
Azeite
Alhos

Preparação:

Parta a raia separando as asas das cartilagens e vísceras do eixo do animal
e parta estas em postas segundo a linha das finas cartilagens que lhes dão forma.
Coza demoradamente as cartilagens e cabeça da raia, apenas cobertas com água temperada com sal. Retire então o peixe e, no caldo, coza por breves minutos as postas, retire-lhes a pele e reserve.
Numa tigela, misture a frio azeite, vinagre, sal, pimenta, alhos moídos e um pouco do caldo onde ferveu cartilagens e as postas.
Com varas de arame emulsione esta mistura e regue com ela as postas de raia.
Acompanhe com batatas cozidas, legumes, etc.