Com os sentidos despertos, avançou-se então para a primeira entrada, que se apresentava deste modo:
Nesta entrada tudo é sabor e contraste de texturas. Como sou muito esquisito em relação ao grau de cozedura da couve-flor, prescindi do primeiro passo de clarificação da mesma, pelo que começou a ser cozinhada apenas já na fase de fritar com o limão. Não me arrependi (nem os comensais) desta opção e esta entrada foi, talvez a mais apreciada, pois o crocante da couve e da amêndoa tostada no meio da suavidade dada pelas migalhas de pão e a manteiga é uma experiência que não esquece. Reduzi o nível de picante em relação ao aperitivo para proporcionar o desejável efeito de alternância de intensidade entre pratos.
Os spaguetinis de “soja” são na realidade feitos de arroz e vendem-se nas casas de produtos orientais em meadas transparentes, um pouco com o aspecto de aletria.
Nesta entrada, em que segui à risca as indicações da receita, usando folhas de espinafre em vez de acelga, que não consegui arranjar, entra a proteína animal pela primeira vez e pela porta grande: o frango assim cozinhado apenas envolvido em
, fica com tenrura e delicadeza invulgares e assume-se logo como rei desta entrada que encaminha o paladar na perfeição para o festival de sabor que se segue:
Vinho – Este eu deixo pro nosso amigo Luís indicar !!!
Este é, como antes vos disse, um verdadeiro festival de sabores e representou a minha reconciliação pessoal com o
Nam Pla, designação mais técnica do conhecido molho de peixe tailandês ou vietnamita, tempero que tinha comigo malapata antiga.
Aquilo evocava-me anchovas retardadas e peixe podre em geral e, como tal, criei uma má vontade que deixou o
Nam Pla na prateleira por mais de uma década. Perante a garantia do Eduardo que aquilo cheirava mesmo mal e que era assim mesmo, quanto melhor, pior cheirava, e a garantia da loja que molho de peixe não tem prazo de validade e que até melhora com o passar dos anos, como o Vinho do Porto, lá deitei as colheradas, a medo, seria que estava a arruinar um jantar que ia tão bem?
Mas não: aquilo é uma explosão de aroma e sabor que transforma todos os outros e se apaga a si mesmo, uma maravilha que não mais deixarei de usar e cuja falta ao longo destes anos em que esteve escorraçado da minha culinária, agora lamento.
Usei açúcar mascavado e acompanhei com arroz longo chinês cozido em água, sal e canela em pau, uma ideia da minha mulher, Maria José, que se revelou incrivelmente harmónica com o prato, uma original surpresa para o palato e,
last but not least, uma vereda magnífica e sábia para a doçura da sobremesa.
Entre protestos de já não haver “espaço” para mais - são sempre difíceis de coordenar estas refeições múltiplas – chegámos ao epílogo doce:
Sobremesa - Docinhos fritos de laranja com calda de especiarias
270g de farinha de trigo
100g de suco de laranja
100g de mel
100g de açúcar
3 cravos
1 pau de canela de 6 cm de comprimento ( tem que ter 6 cm !! rsrsrsrs)
2 colheres de sopa de azeite extra virgem
Óleo de amendoim (ou girassol)
Modo de preparo
Peneire 250g farinha numa vasilha e adicione o suco de laranja e o azeite num fio. Misture, sove ate obter um composto homogêneo e forme com ele uma bola. Enrole-a em filme plástico e deixe repousar em local fresco por pelo menos 1 hora.
Numa panela pequena junte o mel, o açúcar, os cravos, o pau de canela e 3 colheres de sopa de água. Misture tudo, leve à fervura e cozinhe a calda por 4 minutos em fogo baixo.
Abra a massa numa folha fina sobre a mesa de trabalho, enfarinhada, e, com ajuda de uma carretilha canelada recorte-a em retângulos de 12 x 4 cm.
Esquente bastante óleo na wok e frite os retângulos de massa aos poucos, ate dourarem bem. Retire-os com a escumadeira e disponha-os sobre o papel absorvente para eliminar o excesso de óleo. Disponha-os sobre uma peneira, regue-os com a calda passada por um coador e deixe esfriar.
Arrume os docinhos ainda mornos, salpique-os com o gergelim e sirva.
Vinho
È desaconselhado oferecer vinho com este doce. Como alternativa experimente servi-lo com um chá de flores. E acho que um chazinho será bom pra melhorar a digestão !
Esta sobremesa muito simples, não muito diferente do bem conhecido Coscorão da mesa de Natal, é na realidade uma massa tenra feita com sumo de laranja em vez de água, frita e regada com uma calda temperada. A única dificuldade é a preparação laboriosa da massa tenra que, aliás, não é possível com as quantidades indicadas, acabando por levar, no fim da amassadura, bem mais líquido que os 100g de sumo.
Tendo provado esta massa após a fritura, verifiquei que o sabor que supostamente teria, a laranja e que lhe dá o nome, tinha desaparecido, restando o sabor de uma massa tenra normal.
Optei então por introduzir o sabor a laranja na calda, o que fiz usando sumo filtrado de laranja em vez de água e cabelos de zeste de casca, além das especiarias. Durante a fervura acrescentei duas fatias finas de gengibre, o que permitiu uma ligação sápida com o resto da refeição que aqui terminava.
Esta sobremesa foi acompanhada com chá preto. Optei por
Oriental Mist, da
Rituals, uma versão fumada mais ligeiramente que o
Lapsang Suchong e que liguei à refeição infundindo com ele um pau de canela, duas fatias finíssimas de gengibre cru e algumas flores de jasmim, do meu jardim.
Resultou um chá luxuoso que se bebeu com prazer sem qualquer adoçante e se ficou a beber pela noite fora.
Os VinhosNum país que teima em fechar-se numa xenofobia vínica provinciana e numa auto-glorificação dos seus (bons, mas não únicos) vinhos, acaba-se por olhar com um soslaio parolo os novos vinhos que, um pouco por todo o mundo, nas Américas, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia, despontam com padrões de qualidade magníficos e, mesmo sem rolhas de cortiça, que por vezes não têm, constituem uma escolha muitas vezes acertada e em que se conseguem degustar, por preços acessíveis, vinhos de uma categoria que, entre nós, ficam normalmente restritos a quem pode pagar uns bons Euros por cada gole bebido.
Foi o caso desta felicíssima escolha que em boa hora fiz e que permitiu levar aos píncaros este jantar.
Distribuídos na Europa, em exclusivo, por uma grande superfície (
Lidl), os vinhos chilenos
Viajero, e principalmente a gama
Gran Reserva, constituem um conjunto coeso de enorme qualidade ( e rolha de cortiça!), que pode ombrear com os maiores vinhos mundiais. O
Pinot Noir – Syrah tinto 2006 que acompanhou o prato principal, obteve a Medalha de Prata na exigente Alemanha, entre mais de 2600 vinhos de gabarito. Mesmo assumindo as reservas que devemos ter em relação a estas provas-concurso, é sem dúvida um indicador a ter em conta, num mercado tão aguerrido como o do vinho.
Este bi-varietal com notas taninas redondas e cheias e aroma intenso a cereja e groselha, aproveita o clima do
Vale de Maule para a rara e difícil casta
Pinot Noir que, combinada com a distinção da
Syrah, se mantém como
griffe deste magnífico vinho.
O monovarietal
Viajero – Gran Reserva, Chardonnay 2006 é um daqueles brancos que, mercê de um estágio de nove meses em barrica de carvalho francês, solta com alegria aromas frescos de alperce e cítrico, num corpo de madeiras seco e inteiro, raro nos brancos.
Dois vinhos a aproveitar com urgência, dado só ali serem vendidos e não serem produtos de linear e sim de venda temporária.