domingo, 8 de setembro de 2019
OS PUXAVANTES (1)
Puxavante é um termo que hoje caiu em desuso, de tal modo que serão já poucos os que lhe conhecem o significado.
Ligado directamente a uma cultura masculina de tabernas, puxavante designa aqueles salgados que, oferecidos pela casa, serviam para acompanhar o verdadeiro negócio do sítio, a venda de vinho ou cerveja.
Ainda hoje o puxavante é uma instituição na vizinha Espanha onde basta pedir uma cerveja para se ser presenteado com uma “tapa”, um pratinho de “tortilla” ou outra qualquer ajuda para aquela e para a próxima cerveja e que nos deixa a nós, portugueses, geralmente encantados. Por cá, até o famoso “marisco saloio”, os tremoços, tornou-se uma raridade que muitas vezes é cobrado.
Culpa da proliferação de uma restauração chamada de “petiscos”, soubemos imitar a criatividade dos espanhóis mas não a sua hospitalidade e hoje pagam-se tremoços, azeitonas, três rodelas de mau chouriço, uns amendoins, uns cubinhos de fiambre industrial salpicados de pickles ou um pires de feijão frade e ovo cozido onde não se consegue distinguir um mísero fragmento do atum que lhe deu nome.
Tudo facturado, pois claro, e eu a sonhar com os tempos em que na taberna existente no prédio em que nasci, alinhados sobre o balcão onde o Sr. Pereira servia os copos de três estavam os puxavantes do dia, umas tirinhas de broa de milho com um bocadito de presunto ou uma lasca milimétrica de bacalhau cru, umas petingas ou jaquinzinhos de escabeche, uns queijinhos que viviam num grande boião cheio de azeite. Serviam para ajudar a despejar os grandes pipos de vinho de Aveiras, que não estava ali para outra coisa e não se deve deixar a bebida “cair na fraqueza”.
O Outono já vem aí, época ideal para as grandes conversas a acompanhar uma garrafa e para pôr na mesa um puxavante desses que pedem mais um copo, para soltar a conversa.
Sob a designação de “PUXAVANTES” vou aqui deixar uma série dessas humildes maravilhas, começando hoje pelas deliciosas Espadilhas , os substitutos sustentáveis para os saudosos da tão ameaçada petinga.
Ingredientes :
Espadilhas congeladas
Sal
Farinha
Óleo para fritar
Preparação :
As espadilhas (Sprattus sprattus) são pequenos peixes desprezados pelos pescadores portugueses que são pescados pelos búlgaros no Mar Negro, congeladas e exportadas.
Aparentadas com a petinga e as anchovas, são ainda muito mais pequenas, entre 3 e 5cm e têm a enorme vantagem de não constituir um crime ecológico e ambiental a sua captura, como infelizmente continua a suceder entre nós com a petinga, com a conivência de quem deveria fiscalizar e a cumplicidade de quem as compra e consome.
As espadilhas vendem-se congeladas em supermercados e após descongelamento fazem-se exactamente como qualquer outro peixe frito. Levemente salgadas, enfarinham-se com farinha de trigo (ou outras sem glúten, por exemplo)
e fritam-se em óleo quente e abundante de modo a não precisarem de ser viradas.
Escorridas em papel absorvente, está pronto o puxavante
que neste caso foi para um branco alentejano* bem gelado, que o tempo ainda vai quente.
Comem-se uma
(ou duas, ou três…) de cada vez…
Nota:
* Como sabem, não se aconselham ou indicam vinhos neste blog, onde se segue a máxima do primado do gosto de cada um.
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quarta-feira, 7 de agosto de 2019
“Ankimo”- Foie-gras do mar
Em quase todos os vertebrados, o fígado tem, entre muitas
outras tarefas, a obrigação de transformar em gordura o excesso de nutrientes
ingeridos em relação às necessidades e armazenar esta gordura, fonte
concentrada de energia, em locais determinados do corpo, onde fica à espera de
ser utilizada quando uma época de penúria alimentar assim o exigir.
Isto passa-se com todos os mamíferos e vertebrados
terrestres.
Já no reino dos peixes as coisas não se passam sempre assim: se
naqueles peixes que conhecemos como peixes gordos, a sardinha, o atum, o
salmão, a cavala, truta, enguias, etc. se passa o mesmo, isto é o peixe está
mais ou menos gordo consoante tem mais ou menos gordura nos músculos, sob a
pele e na barriga, já nos peixes magros, o bacalhau, carapau, corvina,
linguado, pescada, robalo, etc, essa reserva de gordura imprescindível à
sobrevivência nas épocas de fome é feita no próprio fígado.
O músculo permanece
sempre magro e o fígado cresce e guarda em si próprio as gorduras de reserva.
Quando vos falei dos peixes magros, os tais do fígado gordo,
omiti propositadamente da lista aquele cujo fígado, pela sua importância gastronómica
é por muitos considerado (e também por mim!) como o foie-gras do mar: o gordíssimo fígado do tamboril!
O ankimo, assim se
chama o fígado de tamboril no Japão, é reverenciado e disputado como chinmi, ou iguaria rara, com que se
compõem os mais caros e exclusivos sushi.
Por cá, há muitos fígados de tamboril à disposição e, para
falar verdade, o certo é que quase não se lhe liga importância, é um
ingrediente barato, às vezes grátis, que alguns usam em caldeiradas e pouco
mais. É o que perdem!
Suavíssimo na textura, alia no sabor a delicadeza de um
verdadeiro foie gras de ganso ou pato
com os traços e aromas de mar. Esquisito? Nem por isso. É sim, uma verdadeira
delícia.
Ingredientes:
Fígado fresco de tamboril
Sal e pimenta
Vinagre
Molho holandês
Acompanhamentos
Preparação:
É muito fácil encontrar fígados de tamboril, no mercado ou
peixaria, onde é geralmente vendido a preço muito baixo e às vezes até grátis,
pois é vulgar que o cliente compre o peixe e rejeite o fígado.
Tem aspecto rosado ou alaranjado, está por vezes
ensanguentado e deve pedir para lhe tirarem logo a vesícula biliar, que se vê
na face posterior do órgão e que o estragaria irremediavelmente se rebentasse e
derramasse a bílis sobre o fígado.
Em casa, meta-o numa tigela coberto de água fria com vinagre
durante duas ou três horas, de modo a limpar o excesso de sangue que possa
conter.
Após este tempo de depuração, em que a cor do fígado clareia
nitidamente,
há que retirar-lhe os vasos grandes e canais bilares que formam
uma espécie de árvore na parte posterior e que se desprendem facilmente com o
auxílio de uma faca bem afiada ao mesmo tempo que se vão puxando.
Cortem-se então em fatias, temperem-se apenas com sal e
pimenta
Sem deixar cru, deve no entanto evitar que, percam o gras e acabem por ficar duros e secos. Dez a quinze segundos de cada lado com lume muito forte é suficiente para deixar este foie gras pronto para o prato.
Cebola caramelizada, vegetais diversos numa ratatouille, os acompanhamentos são algo
demasiado pessoal para estarem aqui a ser indicados. As suas preferências e
gosto mandam.
Como acompanhamento, usei lâminas de cogumelo do cardo (Pleurotus eryngii.) grelhadas na gordura
que o fígado deixou e feijão verde, tudo regado com molho holandês que fiz com uma
redução bem escura de vinagre balsâmico.
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terça-feira, 6 de agosto de 2019
As ovas (técnica)
A grande maioria dos peixes
apresentam uma curiosa forma de reprodução que, à primeira vista, parece
redundar num enorme desperdício de meios e energia. Baseando as possibilidades
de sobrevivência de alguns indivíduos da sua prole numa massiva produção de
ovos, geralmente muitos milhares, às vezes até milhões, as fêmeas têm assim
grandes ovários onde esses ovos se formam até à desova, e é a esse precioso órgão
de que hoje aqui falamos que se chama “ovas”.
As ovas aparecem à nossa mesa de diferentes formas. Cozidas,
fritas, panadas, em conserva, em açordas, no caríssimo e precioso “caviar”, em saladinhas temperadas a
fazer de puxavante a alguma cerveja “conversada” entre amigos ou de “amuse-bouche” sobre a mesa do
restaurante enquanto os condutos não chegam.
A maior parte das receitas de ovas parte de ovas cozidas e embora
a sua cozedura seja algo de simples, ovas cozem em água e sal em 10 a 20
minutos conforme o seu tamanho, o certo é que é nesta operação que ocorrem por
vezes (muitas vezes!) alguns dissabores que, não implicando perda total e por
vezes nem notados depois, à mesa, deixam uma sensação frustrante em quem as faz
e, embora os convivas até possam não reparar por falta de bitola comparativa,
provocam uma desvalorização nítida no sabor final.
Refiro-me aos tão odiados
rebentamentos da película que envolve os pequenos ovos e que no fim fazem a
nossa ova parecer mais uma couve-flor do que as firmes rodelas que tínhamos
sonhado quando as adquirimos.
É o que hoje aqui deixaremos remediado!
Ingredientes:
Ovas grandes
Sal
Preparação:
Embora as ovas de peixes como o sável, o esturjão, a truta ou o
salmão, feitas de grandes ovos, sejam excelentes para pratos e preparações
específicas, são as ovas feitas de ovos pequenos como as da maioria dos peixes que desovam no mar que melhor se prestam a ser cozidas.
Estão neste caso as ovas de pescada (frescas)
e as ovas de bacalhau, que são as mais facilmente acessíveis, congeladas.
Ao escolher ovas para cozer, guie-se pelo tamanho: aqui,
quanto maior, melhor! Trata-se de perceber o grau de desenvolvimento dos
pequenos ovos, uma avaliação impossível de fazer em ovas congeladas.
Uma ova
grande é quase de certeza uma ova já bem maturada, com os ovos já bem
desenvolvidos, enquanto uma ova pequena, embora possa ser também boa e ser
apenas pequena porque o peixe também era ainda pequeno, pode também tratar-se
de uma ova imatura em que os pequenos ovos ainda não estão formados e que, após
cozinhada, se revela uma “massa” sem a textura granulosa nítida que deve ter
qualquer ova.
Mais vale uma grande ova de 500g ou até de um quilo que tenha
depois de ser dividida por quatro, do que pequenas ovas de 50 ou cem gramas
para dar duas más ovas a cada pessoa.
Deixe descongelar a ova no frigorífico, tempere com sal grosso
e deixe por duas horas em ovas grandes ou uma hora em ovas mais pequenas.
As
ovas salgam muito facilmente mas no processo de cozedura que vamos usar não
pode contar com o sal da água de cozedura.
Corte o septo que une as duas partes de uma ova, de modo a
ficarem separadas.
Enrole cada parte da ova em película aderente, de modo a
formar como que uma segunda pele. Cinco ou seis voltas da película em redor da
ova é suficiente.
Ate uma das extremidades com um fio, depois a outra, de modo
a que cada metade de ova fica com o aspecto de um chouriço.
Ponha a cozer em água, que pode ser a dos acompanhamentos,
sendo que uma ova grande demora cerca de 20 minutos em ebulição e uma pequena
cerca de metade deste tempo.
A película vai funcionar como reforço da pele da ova,
impedindo-a de rebentar e conservando assim todo o seu sabor, sem lavagem na
água de cozimento e uma forma perfeita para posterior fatiamento ou
apresentação. Antes de servir, retire a película com uma faca ou tesoura ou ainda
cortando a película numa das extremidades (a mais grossa) e espremendo a ova
para fora da película como se fosse uma bisnaga.
Sirva assim
ou deixe arrefecer para servir de base a outros
pratos.
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segunda-feira, 29 de julho de 2019
“Carré” (vão) de borrego
Apesar do nome português ser
“vão”, usa-se muitas vezes o termo francês “carré”
para designar a peça constituída pelo conjunto inteiro das costelas, a partir
do cachaço e até ao lombo, geralmente de borrego*.
Chame-se-lhe o que se quiser, o certo é que um carré de borrego é a peça mais
emblemática do animal, não só pela delicadeza e suculência da carne como pela
elegância e requinte que os seus muitos modos de preparar permitem.
Perante um carré a
dificuldade é escolher como fazê-lo. Optei hoje pela simplicidade a roçar o minimal,
já que um apreciador incondicional das delícias ovinas, se é verdade que gosta
sempre, adora principalmente tudo o que preserve o sabor e o bouquet próprio daquela carne, para mais
de um borrego alentejano, criado a pasto, aqui junto à minha porta.
Ingredientes:
Vão de borrego
Sal
Pimenta
Preparação
:
Dê um golpe ao longo de cada costela, de modo a poder “despir”
o osso da carne que o envolve. Com a parte não cortante de uma faca, empurre
esta carne para baixo de modo a deixar a haste limpa.
Tempere por todos os lados apenas com sal e pimenta e deixe
descansar por uma hora.
Leve a forno quente (200°C) durante 20 minutos, sem juntar
qualquer outra gordura que não seja a que a própria peça encerra, após o que o carré estará cozinhado** mas sem acabamento exterior.
Flameje com um maçarico a superfície do carré até estar tostado a gosto.
Sirva.
Notas: * Por
vezes aplica-se a denominação “carré “ a esta mesma parte de bovinos ou suínos,
principalmente no Brasil. Em Portugal, quando se fala de um “carré “ estamos
geralmente a falar do de borrego.
** É
evidente que o tempo de forno indicado se destina a obter o nível de cocção que
eu prefiro, a que se pode chamar “muito mal passado”. Claro que outras
preferências implicarão outros tempos de forno e no caso do grau “bem passado”
ou “muito bem passado”, o flamejamento posterior é totalmente inútil.
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quinta-feira, 25 de julho de 2019
Barriga de porco fumada (Bacon)
Quando o comediante britânico Al
Murray “provou”, não só a existência de Deus como a Sua infinita sabedoria e
compaixão através desse maravilhoso milagre gastronómico que é o bacon, estou certo de que ele não fazia
sequer uma pálida ideia das vergonhosas mistelas que em Portugal lhe usurpam o
nome.
Suspeito até que, envergonhado, não se teria atrevido a fazer o seu
famoso sketch!
Com a excepção de alguns pequenos fumeiros caseiros ou de
dimensão local, quase todos no Norte e de uma honrosa excepção de uma firma
minhota de Ponte de Lima, a ganância do lucro fácil e a falta de escrúpulos dos
nossos industriais das conservas de carnes transformaram o toucinho fumado num
amontoado obsceno de nitratos, nitritos, emulsionantes, dextrose, reguladores
de acidez, antioxidantes, fosfatos e polifosfatos sequestradores de água,
corantes e o que mais lhe injectam de modo a que, à força de tanta água lá
dentro, um quilo de toucinho da barriga produza dois quilos de bacon, quando a regra é exactamente o
contrário: dois quilos de barriga fresca produzem, depois da preparação e cura,
um quilo de bacon.
Infelizmente, a tal empresa minhota que é honesta na
preparação, mal chega ao Sul e, onde chega faz-se pagar como se de negócio de
ourivesaria se tratasse.
Para quem, como eu, tem pelo bacon um fervor quase religioso, resta a solução pragmática: se não
tens dinheiro para comprá-lo, se o que encontras à venda é imprestável, resta
meter mãos à obra e… fazê-lo!
Ingredientes:
Toucinho entremeado
Sal marinho grosso
Açúcar amarelo
Louro, alho em pó, pimenta moída, pimenta da Jamaica
Salitre e ácido cítrico (facultativos)
Fumo
Preparação:
Procure adquirir uma entremeada alta e com bastante gordura, o
que nos dias de hoje pode ser um problema dada a magreza cada vez maior destas
peças. A solução passa a maior parte das vezes por uma porção deste toucinho
que tem ainda algumas costelas de entrecosto agarradas.
Dá mais um pouco de
trabalho mas é a parte melhor.
Terá então que retirar esses ossos, que impediriam depois o
fatiamento. Com o auxílio de uma faca afiada faça uma incisão ao longo de cada
osso,
descarne à volta sempre encostado à costela e puxe de modo a retirá-la.
Estas costelas articulam com umas cartilagens, que ficam na peça.
A mistura de desidratação e tempero não tem uma receita fixa. Costumo
usar uma mistura de sal marinho e açúcar amarelo, um pouco mais de sal do que
açúcar e tempero como me apetece nesse dia. O verdadeiro tempero do bacon é o
fumo, que virá depois. Enquanto parte do sal vai entrar na peça, já o açúcar
apenas serve para retirar água à carne, não a adoçando. Quanto mais açúcar puser
mais rápida a desidratação e menos salgado fica o bacon final.
Coloque a entremeada num plano inclinado dentro de um
tabuleiro,
cubra-a totalmente (também por baixo) com a mistura de açúcar/sal
temperada e leve ao frio durante uma semana.
Durante este tempo vai formar-se
uma grande quantidade de líquido que vai escorrendo e que deverá esgotar de
modo a que a peça nunca fique mergulhada nele o que a salgaria muito. Se
aparecerem partes que deixam de estar cobertas, deverá repor nesses locais de
modo a assegurar que toda a peça está sempre em contacto com o açúcar/sal.
Ao fim de 6-7 dias, consoante a espessura do toucinho, a carne
perdeu grande parte da sua água e está pronta para a fase final, a fumagem.
Lava-se de todo o sal que ainda tem agarrado, deixa-se
mergulhada em água durante um par de horas, seca-se cuidadosamente e coloca-se
sobre um fumeiro de madeira de azinho, tendo o cuidado de afastar a peça do
lume de modo a que receba apenas fumo e não calor.
Usei um fogareiro de carvão
sobre o qual ia deitando pedaços de madeira de azinho.
A fumagem demora 2 ou 3 dias,
mais outros tantos para que o
fumo se possa espalhar pelo interior e… está pronto o bacon!
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domingo, 21 de julho de 2019
Terrincho Velho
Lá bem no Nordeste, num recanto encostado a Espanha, de Mirandela a Figueira de Castelo Rodrigo, de São João da Pesqueira ao Mogadouro, nasce um dos últimos queijos artesanais portugueses, o Terrincho.
Feito exclusivamente com leite cru de ovelhas da raça Churra da Terra Quente, coalhado com coalho de cordeiro e tendo escapado até agora à temível onda de industrialização que tem dizimado a quase totalidade dos queijos tradicionais, consegue o Terrincho espelhar ainda, no sabor e textura, aquilo que foi o ano e as pastagens que as Churras encontraram na serra.
Queijo obrigatoriamente curado, por ser feito com leite cru, apresenta uma versão de pasta mole, com cura de 30 dias e uma outra dura, com três meses de cura, o Terrincho Velho, que é o expoente sápido deste queijo.
É esta a melhor altura para provar o Terrincho Velho, feito com o leite dos pastos verdes e primaveris de Abril.
Vale a pena!
segunda-feira, 8 de julho de 2019
Powidl
“Powidl” é uma
compota natural de ameixa, austríaca, que transporta em si todo o peso de uma
ancestralidade cuja dimensão já se perdeu.
Não é difícil, no entanto, pela simples análise da receita,
perceber que nos chega dos tempos em que não havia açúcar ou que este era tão
caro e raro que se usavam os açúcares dos próprios frutos para a sua
conservação. É esta característica que lhe transmite o sabor poderoso e único,
já que se pode confeccionar o Powidl
usando como único ingrediente, ameixas!
Hoje, a culinária da moda chamar-lhe-ia uma redução prolongada
de ameixas, mas como aqui não se trata das culinárias da moda, vamos chamar ao Powidl aquilo que ele é: uma compota,
que além das utilizações específicas na culinária austríaca, constitui um
delicioso creme de fruta para se barrar, para rechear bolos, pastéis com um
sabor que nenhuma compota ou marmelada feita com açúcar lhe poderá dar.
O toque é ácido e pungente, para paladares mais domesticados
pelas amenidades do açúcar, pode até parecer algo espartano, mas ao provar “powidl” terá a certeza que nunca provou
nada assim.
Ingredientes:
Ameixas vermelhas, de interior também vermelho
Casca de limão (vidrado)
Ameixas secas
Pau de canela
Rum
Preparação:
Adquira ameixas bem maduras, sendo que deverá contar com uma
redução de volume de 80% do volume inicial, isto é, se usar 2,5kg de ameixas
descaroçadas, obterá cerca de 0,5kg de Powidl.
Lave e retire o caroço às ameixas. Leve ao lume com o vidrado
do limão, pedaços de ameixas secas e a canela,
mexendo sempre, até ferver. Reduza o lume para o mínimo e
deixe ferver, destapado, durante 4 a 6 horas, mexendo ocasionalmente até obter
uma consistência grossa, muito pegajosa e quase negra.
Retire o vidrado de
limão e a canela e guarde o Powidl
ainda a ferver em frascos esterilizados e quentes. Não necessita refrigeração
até abrir os frascos.
Notas:
A tentação de “ajudar” com a adição de açúcares, mesmo de
frutas, é grande e tornou hoje quase impossível encontrar, mesmo na Áustria, um
frasco de Powidl que respeite
realmente a regra antiga, desta e de tantas compotas que é a da concentração
dos açúcares do próprio fruto sem adição de açúcar externo ou de gelificantes
para apressar e rentabilizar. Claro que o sabor forte e até pungente que
resulta não só da concentração da polpa e do açúcar natural mas também dos
sabores e ácidos do fruto, perde-se nestes de compra e só os poderá encontrar,
fazendo.
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domingo, 3 de março de 2019
O Fiambre
O
fiambre é uma técnica de preparação/conservação de perna de suíno através da
sua cozedura lenta num caldo salgado e açucarado, temperado com ervas e
especiarias variadas. Isto é o que o fiambre era há muitos anos. Lembro-me bem
de se perceber perfeitamente numa fatia de fiambre toda a estrutura da carne
que lhe tinha dado origem, o courato, depois uma parte de gordura, o toucinho,
finalmente os músculos das diversas peças da perna perfeitamente definidos.
Claro que isso se
passava há mais de meio século, o fiambre era um alimento caro e não tinha
havido ainda o aparecimento do chico-espertismo industrial que, com a sua
ganância e necessidade de levar todos os produtos a toda a gente, àquilo que
era o grande “mercado”, tratou de reinventar o fiambre, de modo a poder
vendê-lo ao preço da uva-mijona e ainda assim poder ganhar mais e mais
dinheiro.
O resultado foi o que se
viu e que ainda hoje está à vista de todos: o fiambre, todo o fiambre, desde o
topo-de-gama até aos “afiambrados”, tornou-se uma repugnante mistura de pedaços
de carne de porco, gordura, aglomerantes, gelificantes, estabilizadores,
correctores de Ph, corantes, saborizantes de síntese, etc.
Diz-se que quem já
assistiu ao seu fabrico jura de imediato nunca mais lhe tocar.
Nunca assisti,
mas basta-me a leitura das letras pequeninas dos ingredientes para saber que
aquilo é qualquer coisa muito diferente da carne que era e deveria continuar a
ser.
Os espíritos
inconformados sabem que depois da indignação e do protesto, que aquecem a
consciência mas que nunca resolvem nada, resta sempre a derradeira e pragmática
alternativa: fazer!
…e assim se fez:
Ingredientes:
Peça homogénea da perna
(rabadilha ou bola)
Sal (duas partes)
Açúcar amarelo (uma
parte)
Água
Pimenta, cravinho, alho,
louro…
Ácido cítrico (1 colher
de chá) - facultativo
Salitre (1 colher de
chá) - facultativo
Preparação:
A rabadilha, também
conhecida por bola ou por lacão, é a peça mais indicada para fiambre, não só
pela excelência da carne como, principalmente, por ser uma peça muito homogénea
e que está quase preparada para iniciar o processo.
Pode utilizar outra parte
da pena, como o pojadouro ou outra das geralmente designadas por “bifanas”, mas
terá mais trabalho a aparar e terá mais sobras.
Retire peles e alguma
apara de carne que venha pegada e enforme a rabadilha metendo-a, apertada, numa
rede de fio vegetal ou de plástico, desde que possa suportar a temperatura de
80ºC.
Garante-se assim que o seu fiambre irá conservar uma forma arredondada que
facilitará depois o fatiamento.
Prepare então a
salmoura, levando a ferver cerca de 75cl de água com todos os temperos e a que
junta sal, açúcar e, se quiser, o salitre e o ácido cítrico. Estes dois últimos
ingredientes, não essenciais ao fiambre, servem, o ácido cítrico para torná-lo
mais seguro em relação a certas bactérias anaeróbias que não se desenvolvem em
meios de Ph ácido, prolongando o bom estado sanitário do fiambre se demorar
mais tempo a consumir. O salitre (nitrato de potássio) tem como efeito tornar o
seu fiambre mais rosado.
Filtre a salmoura depois
de fria e, com uma seringa, injecte-a na carne todo em volta e a diferentes
profundidades de modo a distribuí-la.
Existem umas seringas grandes para
culinária feitas para este fim, mas se puder usar uma seringa médica, que tem
uma agulha incomparavelmente mais fina, terá melhor resultado embora dê um
pouco mais de trabalho.
Depois de injectado, introduza
a carne num saco de plástico, cubra com a salmoura temperada, ate bem e deixe
em repouso no frigorífico por dez dias.
Passados os dez dias a
marinar, o fiambre está pronto para ser cozido a baixa temperatura.
Retire-o do saco,
introduza-o num recipiente fundo que possa ir ao forno,
cubra-o com a salmoura
onde marinou e leve-o ao forno durante 6-7horas mantendo a temperatura
controlada entre os 70ºC e os 80ºC (um termómetro de forno é aqui aconselhável,
porque temperaturas superiores podem arruinar o fiambre, transformando-o em
carne assada.
Deixe arrefecer no
frigorífico e abra no dia seguinte, o seu fiambre está pronto a fatiar,
se
tiver uma fiambreira os resultados serão certamente melhores já que aqui o
sabor é directamente proporcional à finura do corte.
Use como costuma usar
fiambre de compra
ou como prato que é das maneiras que mais gosto, como foi o
caso deste que, mal aberto, fez almoço delicioso acompanhado de um arroz
malandrinho de cogumelos e escamas de tomate seco.
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