domingo, 29 de novembro de 2009

Cabeça de Xara

.....Há quem lhe chame "queijo de cabeça", "achar", "cabeça em achar", eu chamo-lhe Cabeça de Xara e sigo no geral a receita do Alto Alentejo, a provar que no porco nada, mas mesmo nada se perde!

A cabeça de xara é a excepção, que eu próprio não sei explicar, ao horror que devoto em geral a estas molezas e cartilagens das cabeças, orelhas, couratos, mãos, chispes etc.
Mas esta cabeça de xara faz as minhas delícias, é um prazer a confecionar e a comer e dá ainda aquela satisfação de se conseguir fazer na nossa casa com muito mais qualidade que a que se encontra nas gelatinosas, deslavadas e desenxabidas xaras das charcutarias.


Acresce que, devido ao facto de, nas cidades, quase ninguém saber o que fazer a uma cabeça de porco, o seu preço é irrisório e em consequência, também o da cabeça de xara pronta.

Vale a pena experimentar!

Ingredientes (para 1,2Kg):

1/2 cabeça de porco
0,75l de Vinho branco
1 ramo de Mangerona
1 ramo de Salsa
1 ramo pequeno de Sálvia
1 Cebola
1 cabeça pequena de Alhos
1 colher de sobremesa de Pimenta em grão
Sal

Preparação:

Quando comprar a cabeça, peça para lhe darem uns golpes e, principalmente, para extrairem o olho, operação necessária mas bastante impressionante para fazer em casa.
Retire os miolos, que pode utilizar noutras lides, molhe bem a cabeça e salgue-a bem por todos os lados com sal grosso. Deixe a salgar por dois dias.


Lave bem os pedaços e leve a cozer no vinho branco a que pode acrescentar água até a carne ficar mal coberta. Coza junto os restantes ingredientes e não junte sal.


A cozedura está pronta quando os ossos se soltarem sem dificuldade das partes moles. Eu usei panela de pressão e cozi durante 70 minutos.

Retire os pedaços de cabeça para fora, coe o líquido e leve-o de novo ao lume para reduzir e concentrar. Entretanto retire cuidadosamente os ossos (atenção às esquírolas) e parta as partes moles em pedaços maiores ou menores, consoante o gosto*.
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Ponha estes pedaços numa forma ou num pano, regue-os com o líquido reduzido e prense. Se estiver a usar o pano, ate as pontas e ponha-lhe uma prato ou tábua em cima, com um peso; eu usei uma forma de bolo inglês tapada com uma placa de contraplacado que cortei à medida, também com um peso em cima.
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Em qualquer dos casos deve ficar no frigorífico até ao dia seguinte.
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Corte fatias muito finas, melhor ainda na fiambreira e coma como entrada, com ovos, como petisco, como recheio de sanduíches, etc.
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Nota: * O tamanho dos pedaços é determinante para o aspecto final do corte. Na maioria das receitas diz-se para cortar muito pequeno, o que, sem dúvida, facilita a prensagem mas estraga o aspecto "gráfico" das fatias, resultando um ar mais afiambrado. Eu uso bocados bem maiores (e até usei duas orelhas para meia cabeça) para obter uma estética mais apurada com efeitos por vezes bem curiosas dados pelas finas e brancas cartilagens da orelha. Para efeitos de sabor, é indiferente.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Açorda de Míscaros

........Aprendi a apanhá-los à mão nos pinhais de Magoito e da Tojeira, ainda quase criança, e tenho-os consumido desde então, sempre no Outono.
Dantes havia muitos a crescer pelos pinhais de chão de areia, sob a caruma. Depois, a ignorância micológica profunda de quem apanha cogumelos e, principalmente, a ganância do lucro fácil, levou a que hordas de "espertos saloios" invadissem os velhos pinhais armados de ancinhos e sachos para melhor cavarem esta abundância que se colhia sem ser preciso semear.
A "esperteza saloia" resultou na extinção dos míscaros nos pinhais costeiros de Sintra, os frágeis micélios subterrâneos irremediavelmente destroçados à sacholada.
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Estes que aqui vêem vieram da região arenosa que se estende do Montijo a Vendas Novas e com eles fiz esta açorda que resultou num "acompanhamento" que, despachadas as amêijoas, logo se tornou iguaria principal!
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Ingredientes:
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750g-1kg de Míscaros ( Tricholoma Equestres ou Flavovirens)
4 dentes de alho
0,5dl de Azeite Virgem
500g de pão alentejano
Coentros frescos
Sal
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Preparação:
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Os míscaros estão sempre cheios de areia. Evite ao máximo o contacto do cogumelo com água. Comece por esfregá-los com uma esponja húmida para retirar a areia que adere ao chapéu e ao pé.
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Depois, com o auxílio de uma faca bem afiada, raspe todo o cogumelo, retirando o material escuro e algo viscoso que o cobre.
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Parta em pedaços grandes e salteie em azeite com os alhos.
Retire os cogumelos salteados e reserve.
No azeite onde os salteou e que ficou com o líquído dos fungos, introduza o pão bem molhado e mexa ao lume até obter uma açorda lisa e brilhante, sem vestígios de côdeas, sinal de açorda feita.
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Reintroduza então os míscaros, junte coentros picados, envolva bem e sirva.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Os Cogumelos Selvagens

...Despertam após as primeiras chuvas, de um misterioso descanso subterrâneo nos meses secos, numa explosão de vida a brotar por esses campos fora, a convidar para a sublime experiência gastronómica que é a degustação de fungos selvagens.

Boletos, Fêveras, Cavaquinas, Míscaros, Cantarelos, Morchelas, e tantos, tantos outros, com os nomes populares a variarem, às vezes entre terras vizinhas; para apanhar cogumelos sem perigo há mesmo que conhecê-los! Após conhecer um cogumelo, as hipóteses de engano são tão grandes como confundir nabiças com alface ou uma galinha com um perú...

Apanho e consumo, ao todo, uma dúzia de variedades e não brinco nem arrisco, que o que está em causa é, muitas vezes, a própria vida e a daqueles para quem cozinhamos. Mas desses seguros, que festa para o paladar!

O meu olival encheu-se literalmente de Agaricus campestris, a variedade selvagem que deu origem ao Agaricus bisporus, o conhecido Cogumelo de Paris ou "champignon" que compramos no supermercado.
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O sabor é poderoso e deixa o irmão cultivado no desconsolo do insípido.
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Também os pinhais de areia da península de Setúbal se encheram de míscaros amarelos (Tricholoma Flavovirens), outra delícia que agora vos mostro como é logo após a colheita e que será rei na próxima receita.
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Claro que também há estes ( Omphalatus olearius) que crescem junto à raiz das minhas oliveiras e que,
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sendo um deleite para a vista, por serem venenosos, há que deixá-los lá estar a cumprir o seu papel no grande reino dos fungos.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

BANGÁ DE BACALHAU EM MASSA TENRA

.......Quando se fala de bangá, a maior parte das vezes dá confusão, com cada um a dizer do “seu” bangá, um diz que comeu de vitela em folhado, outro que é de cabrito em massa quebrada, outro ainda que é de bacalhau em massa tenra, e o mais engraçado é que todos têm razão!

O que verdadeiramente caracteriza o bangá e o diferencia da multidão dos pastéis, empadas e tartes é a original cama interna de alheira e presunto, sobre a qual assentam o que quisermos, literalmente, seja a vitela, o cabrito, o choco, o lingueirão, rim, bacalhau, etc. Quanto à massa exterior também fica à vontade de quem faz.

Normalmente compro bacalhau inteiro, parto-o eu como me apraz e dou-me bem com o sistema, mas desta vez preguicei e mal dei por mim já a diligente funcionária estava a “tirar” os lombinhos, coisa que abomino, é bem feita, nunca mais!
Foi para usar os tais lombinhos que fiz este bangá que vos apresento hoje, feito em massa tenra em atenção a uma amiga que tem malapata com massas e que vai levar uma versão testada e simplificada, foi a primeira vez que fiz uma massa com pesos e medidas!

Ingredientes (3 bangás):

1 Alheira
3 fatias de Presunto
1 Cebola Grande
2 colheres de sopa de Manteiga
3 pedaços de lombo de bacalhau
Sal e pimenta
Massa tenra

Preparação:

Escalde o bacalhau por breves segundos, retire e reserve.
Corte a cebola em rodelas médias e estale-a em manteiga, com um pouco de sal e pimenta, até ficar transparente e reserve.
Estenda um rectângulo de massa tenra sobre a pedra, de tamanho apropriado,
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Coloque sobre a massa uma fatia de presunto,
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Sobre o presunto um terço da massa de uma alheira,
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Disponha então o bacalhau,
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A cebola,
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Embrulhe e leve ao forno (180ºC) durante cerca de 20 minutos.
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Sirva com uma salada fresca, um bangá é escaldante!
. Ingredientes para Massa Tenra:

500g de farinha de trigo com fermento
50g de Azeite
200g de água
1 colher de sopa rasa de sal grosso

Preparação:

Aqueça a água até ficar quente mas sem queimar a mão. Dissolva nela o sal.
Aqueça bem o azeite e deite-o sobre a farinha.
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Junte a água salgada, quase toda mas reserve meio copo. Comece a bater esta massa com as varas de bolos
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e faça-o durante 20 minutos, juntando a água reservada quando a massa for ficando rija, aos poucos.
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Descanse 10 minutos e bata mais 10.
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A massa está pronta após descansar mais meia hora e deve estar elástica e fofa permitindo ser estendida fina com o rolo não enfarinhado.
Nota:
Tradicionalmente, a massa tenra é ferozmente sovada durante uma heróica hora até atingir o seu ponto de perfeição. Esta experiência de fazer uma massa tenra com batedeira de bolos foi feita sem grande convicção mas os resultados foram surpreendentes e irrepreensíveis, não só para forno como para fritar, como testei.

Uma indicação vulgar em receitas é a de enfarinhar pedra e rolo para estender a massa tenra; revela apenas uma massa mal feita: a massa tenra perfeita é tendida sem farinha e não pega nunca.
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domingo, 8 de novembro de 2009

Delmar e Arroz de 10 Cogumelos

........."Delmar e Arroz de 10 Cogumelos" fazem uma refeição de fusão que é, principalmente, uma festa para o palato mais exigente.
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Entre o indiano caril Madras, os cogumelos chineses e japoneses, os portuguesíssimos arroz carolino e os coentros frescos, são cozinhas exóticas da terra e do mar e sabores de sempre que vão aflorando cada garfada de uma refeição que se deseja não termine. Mas termina!
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Resta o consolo de saber que o que se fez uma vez, se pode repetir; assim:

Caril Delmar (Ingredientes):

500g de miolo de camarão
500g de garoupa
500g de pescada
1 Cebola e 3 dentes de Alho
1 lata de Leite de Coco
2 colheres de sopa de Caril Madras médium hot, em pó
1 colher de sopa de Açafrão Indiano
1 colher de sopa de Gengibre em pó
4 colheres de sopa de Óleo
Sal e Coentros frescos.
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Preparação:
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Descongele o miolo de camarão e a pescada (se, como eu, usar a congelada). Tempere os peixes e o marisco com sal durante meia hora e coza-os por 10 minutos, em vapor.
Retire peles e espinhas e parta o peixe em pedaços grandes. Reserve.
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Pique a cebola fino e leve-a ao lume baixo com os alhos esmagados e o óleo (é mesmo óleo, neste prato não entra azeite!).
Quando estiver bem transparente, junte o Caril, o Açafrão (cúrcuma) Indiano e o Gengibre; não use caril europeu de supermercado, é imprestável para o Delmar, deve usar o Madras medium hot em pó (vende-se no Popat Store) e nunca em pasta ou de Jalpur, a menos que tenha uma boca habituada ao fogo! Este Madras medium hot do Popat Store é intenso e tem o picante certo para o Delmar.
Adicione o leite de coco, deixe ferver um pouco, rectifique o sal e, por fim, junte o peixe, os camarões e os coentros picados grosso. Assim que levantar fervura dos lados, apague o lume, tape e está pronto para servir.
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Arroz de 10 Cogumelos (Ingredientes):


8 variedades de cogumelos secos
1 lata de Cogumelos Palha fechados
150g de "Champignons" pequenos
3 colheres de sopa de Óleo
1 dente de alho
Sal e Pimenta
1 colher de sobremesa de Vinagre
180g de Arroz Carolino
200ml de Água
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Preparação:
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Os cogumelos secos são, muito injustamente, uns ilustres desconhecidos na cozinha portuguesa.
A secagem dos fungos, ao contrário do que acontece com a maoria dos frutos e vegetais, aumenta e individualiza os seus sabores e texturas, transformando-os em verdadeiros monumentos gastronómicos, estatuto que nunca atingiriam se consumidos en nature.
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O Arroz de 10 Cogumelos não tem uma lista específica de espécies a utilizar; devem ser 8 secos e 2 frescos. Neste caso usei Boletos secos italianos (os Porcinni!), sete variedades de cogumelos asiáticos secos (entre os quais as famosas Orelhas de Judas, negras), os cogumelos palha em lata de que vos falei aqui e cogumelos de Paris vulgares.
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Demolhe cuidadosamente os cogumelos secos em água fria, durante pelo menos 8 horas, mudando a água até que deixe de ficar castanha. Escorra os cogumelos Palha e parta os champignons se não arranjou bem pequenos.
Salteie no óleo o dente de alho e os cogumelos, tempere de sal e pimenta e deixe cozer em lume muito brando em tacho tapado, durante 15 minutos. Junte a água e o vinagre; quando ferver de novo, introduza o arroz, tape e deixe cozer durante mais 15minutos, sem mexer.
Apague e deixe por 10 minutos tapado, para enxugar bem.
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Sirva em coroa e encha o centro com Delmar.
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Nota Vínica:
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Encontrar um vinho que se harmonize perfeitamente com um prato como este é tarefa claramente acima das minhas possibilidades "enológicas".
Imagino um "especialista" em harmonização como o Cupido a descobrir o ouro certo para aqui, mas nestas coisas "cada macaco em seu galho", não é?
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Depois de me perder em pura indecisão quanto a tintos, depois de rejeitar em puro preconceito os rosés, optei por um branco da Vidigueira, monocasta Antão Vaz, Vila dos Gamas, que acompanhou afinal com muito mérito e galhardia esta refeição memorável, aconchegando e até apagando um ou outro fogo que por vezes queria despontar.
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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Uma "Visão" importante...



Estará nas bancas amanhã de manhã e é um número imperdível da Visão, esta edição Verde onde ao longo de 228 páginas se faz um balanço lúcido sobre tantos aspectos ligados ao ambiente e ao nosso futuro e que nos passam literalmente ao lado (ou assim fingimos acreditar).
Entre muitas das coisas que por aqui nos interessam directamente, ficará, por exemplo, a saber que uma laranja do Algarve emite 2 gramas de CO2 para chegar a Lisboa e que outro fruto, uma Manga brasileira transportada por avião, emite 4,93 quilos para aqui chegar!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Bacalhau de Finados


Foi como tradição fúnebre da Gândara que o Cupido aqui apresentou o “Bacalhau de Enterro”.

Com ligeiras alterações, decidi passar à prática este prato que trazia promessas sápidas inequívocas e nada melhor que fazê-lo em plena quadra alusiva, a véspera de Dia de Finados.
No fim, “sobrou” uma sopa inesperada e espectacular que fez inesquecível este Bacalhau de Enterro e que aqui deixo, em atenção ao dia de hoje, como Bacalhau de Finados.

Ingredientes:

Cebola
Alhos
Batatas
Bacalhau (usei bochechas, mas pode ser posta ou lombos)
Pimenta em grão e Louro
Sal
Azeite Virgem e Vinagre de Vinho

Preparação:

Faça uma cama generosa de cebola num tacho de barro.
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Junte alhos esmagados e uma folha de louro, depois um camada de batatas às rodelas finas, bacalhau, sobre este a pimenta e por fim de novo batata.
Salpique de sal, regue generosamente com azeite, junte meio copo de água e leve a cozer, fervinhando muito brando, até a batata estar bem cozida.
Apague o lume e deixe ficar abafado por alguns minutos para permitir uma boa troca de sabores.

Antes de servir junte um golpe de excelente vinagre.

Nota Sopeira:

Após servir os pratos, fica no tacho um rescendente caldo que é impossível ignorar! Com umas fatias de pão duro faz uma sopa inesquecível e que recomendo vivamente.