quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pescada em tomate


                Nessa altura incerta da meninice, quando em nós se separam Bem e Mal, certo e errado, deuses e demónios, o brinde e a fava, tudo se hierarquiza nessa dualidade maniqueísta de extremos, gosto por comidas também, pois claro, coroado por um provável bife (hoje talvez hambúrguer) com batatas fritas, na ponta principal e na outra, a detestada, estará com grande probabilidade, o peixe cozido com batatas cozidas, pescada evidentemente.
Quando o Cupido indicou “Pescada” como tema para esta 42ª Trilogia comigo e com a Ana, o meu coração balançou entre a canónica “pescada cozida com todos” que tanto odiei e que hoje adoro, e os filetes de pescada fresca, que sempre adorei, mas decidi-me enfim por um prato que era a maneira mais consensual de se comer pescada na minha casa de infância, todos gostavam e a minha mãe, sábia na gestão destes pequenos dramas familiares à mesa, fazia-a amiúde, matando assim antes de nascerem, disputas e birras.
Hoje, os problemas que a pescada levanta são outros, desaparecidas que são, para sempre, as grandes pescadas da nossa costa atlântica, dizimadas as pescadas e a frota que as pescava, e nós a termos que nos contentar com as pescadas e desembarcadas em Vigo, quase sempre de arrasto e a terem ainda de viajar até aqui.
A pescada de excelência tem de ser pescada à linha* e hoje, já praticamente só se pratica esta arte no Chile (também nos Açores mas a “pescada” açoreana é outra espécie), onde as frias e rochosas águas da Patagónia, Terra do Fogo e Estreito de Magalhães não permitem o arrasto e que por isso continuam a produzir as mais espantosas pescadas, congeladas é certo, caras, mas que continuam a ter essa qualidade ímpar das velhas pescadas de há 50 anos atrás.

Ingredientes:

Pescada congelada nº4 ou nº5, do Chile
Cebola
Tomate bem maduro
Alhos
Azeite virgem
Louro
Salsa
Sal e pimenta
Batata frita em rodelas finas**

Preparação:

Salgue ao de leve as postas de pescada uma hora antes de cozinhá-la.
Pele tomates maduros, esmague-os grosseiramente e leve-os ao lume com o azeite, cebola e alhos.
 Deixe evaporar o muito liquido que se forma, triture com a varinha até ter um molho liso, tempere, junte a salsa picada e o louro, disponha as postas neste molho de modo a que fiquem quase imersas nele.
Deixe cozer em lume muito baixo, sem quase ferver, durante cerca de 10 minutos.
Apague e deixe o peixe neste molho, tacho tapado, durante mais 10 minutos e sirva então acompanhado de batatas fritas em rodelas** finas, quentes,
 de modo a que fiquem estaladiças no bordo e ainda algo moles no centro, molhadas com o molho do peixe.

Nota: * A pesca por arrasto, para além de constituir uma selvajaria ambiental, deixa os peixes capturados amassados pelo peso de toneladas de peixe e detritos que são arrastados em conjunto dentro do saco de rede ao ser içado para bordo.
Ao contrário, a pesca à linha ou por rede de emalhar, ao promover a pesca de indivíduos isolados, preserva as suas características e integridade.
** - Aqui, há que resistir à tentação óbvia de usar as batatas de pacote, pois mesmo as mais “caseiras” têm sempre sal agarrado e não substituem as congéneres feitas em casa, temperadas com o adocicado do tomate e não com o sal. Nalguns take-away há batatas destas vendidas a peso e que se podem pedir sem sal. 

5 comentários:

  1. Cá em casa temos o mesmo problema coma a pescada, a minha alternativa, com êxito, é fazer uma cebolada com tomate, pimento às tiras e por vezes miolo e camarão inteiro;colocar neste molho a pescada e levar ao forno a cozer.O acompanhamento preferido são as batatas fritas às rodelas e em alternativa o puré de batata.

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  2. Terei de confessar que gosto de pescada há bem pouco tempo... a cabeça então, aprendi a apreciar com um post teu, bem inspirador.
    Sábias as mães na resolução de conflitos e birras!
    Adorei ver as batatas fritas no molho de tomate...
    Beijinhos.

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  3. assim nao me importava de comer pescada, de facto ate gosto desde que nao seja apenas cozida.
    beijinhos

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  4. Fizémos uma preparação quase clone, mas ao fim de 42 era quase inevitável.

    E tu foste pelo fish' n chips tão ao gosto inglês.

    E vivam as Trilogias.

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  5. Tenho para mim que para o detestar da pescada cozida "familiar" - e, já agora, da pescada restaurativa comum - contribuiu e contribui, em muito, o descuido na cozedura. Qualquer pescada (desde que não morta "à paulada"), se cozida em vapor, melhora enormemente as probabilidades de sucesso à mesa, do mesmo modo que um exemplar cozido inteiriço numa peixeira supera largamente as tentativas individuais. Acrescerão ainda as batatas, se cozidas com casca e escolhidas com atenção para a função. Também eu fui um detestador militante da pescada cozida lá de casa, até que comecei eu a experimentar variações...

    Resta-nos pois, caro Luís, emigrar para o Chile enquanto durarem as nossas saudades de um tempo onde, a par do cinzentismo social, vivia um delicioso cabaz de produtos naturais. O tempora.

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