sábado, 3 de março de 2012

Arroz com Açafrão-das-Índias


         Este arroz, simples e sem história que justificasse o seu aparecimento por aqui, serviu como álibi para que vos falasse de uma das especiarias mais preciosas e também mais confundidas: o açafrão.
Na verdade é muito raro encontrar o termo açafrão empregado com propriedade e, quando acontece estar certo, fica muitas vezes uma pressentida certeza que a coisa saiu bem, mas por acaso.
Estas confusões ocorrem por muitos motivos: quase tudo o que se lê por cá (até livros de chefes portugueses… cala-te boca!), provêm de traduções de livros e revistas americanas e europeias que, como a maioria das traduções que por cá se fazem, são feitas por curiosos que conhecem medianamente a língua traduzida mas que não percebem literalmente nada da matéria do texto que estão a traduzir (veja-se a indigente legendagem de filmes e séries), já que tradução técnica é algo de caro e raramente considerada necessária pelas editoras.
A esta bagunça no reino das traduções / plágios, soma-se a diversidade de termos mais ou menos locais ou vernáculos, uns diferentes para a mesma coisa e outros iguais para coisas diferentes e ainda as confusões propositadas num campo em que tudo vale, ou seja, com mais precisão, enquanto um açafrão pode chegar a custar cerca de 30.000€ por quilo, outro custará apenas cerca de 25€, também por um quilo, o que faz desta especiaria mais cara que ouro uma das mais cobiçadas e rendosas contrafacções.

Como vos disse existem três açafrões:

- O verdadeiro açafrão, estames secos de uma flor, o crocus (Crocus sativus L), que se usa em pequeníssimas quantidades, 0,1g para aromatizar e colorir uma paella para seis pessoas e cujo principal exportador é Espanha, (se bem que o principal produtor seja o Irão) e de que é necessária uma área cultivada de um campo de futebol para produzir 250g de açafrão (75.000plantas de crocus).

- O açafrão-das-Índias, que é na verdade a cúrcuma (Curcuma longa L.), um rizoma da família do gengibre que é o corante amarelo natural mais usado a nível global e na maioria das vezes chamado apenas de “açafrão”, mas também açafroa e açafrão-bastardo. Usa-se geralmente seco e em pó.
- O açaflor, flor de uma oleaginosa, o cártamo (Carthamus  tinctorius), usada como corante de tecidos e alimentar, também chamada de açafroa, açafrão-bastardo e de açafrão e usada no Sul de Portugal e nos Açores.
 As pétalas vermelhas-alaranjadas do açaflor, cortadas em finos fios e secas, são uma das maneiras mais perfeitas de falsificar o açafrão verdadeiro, embora as técnicas para o fazer não tenham fim. No Império Romano existia já a pena de morte para os falsificadores de…. Açafrão!

A única maneira de escapar a esta falsificação generalizada, a menos que se seja especialista, é comprar açafrão certificado ou de marcas consagradas, caro, e fugir a sete pés dos “bons negócios”.
Em Espanha existe um controle apertado do açafrão que se cultiva na região de Castilla la Mancha, que passa por ser o melhor açafrão do mundo  e é originário de Albacete, Toledo, Cuenca e Ciudad Real; tem a denominação de “Azafrán de la Mancha”.

E esta é a diferença subtil entre açafrão verdadeiro, à direita, e uma boa falsificação que comprei em Marrocos, à esquerda,
Se puser uns estames numa gota de água, também pode verificar se está a comprar gato por lebre: enquanto os estames verdadeiros (à direita) largam uma quantidade discreta de pigmento amarelo dourado, os falsos (esquerda) “desfazem-se” literalmente em diversos corantes amarelos, laranja e vermelhos.
 Mas neste arroz, que sendo simples ficou muito bom, usei apenas o açafrão-das-Índias, que é o que uso no dia a dia, reservando o açafrão, que compro em Espanha, para ocasiões especiais ou pratos, como a paella, em que o aroma específico do açafrão é necessário.

Ingredientes:

Arroz Suriname
Frango
Cenoura
Cebola
Pimento vermelho
Feijão verde (ou ervilhas)
Chouriço caseiro
Açafrão-das-Índias
Alho
Louro
Sal e pimenta
Azeite

Preparação:

Refogue em azeite, sem puxar, a cebola, a cenoura, o pimento, alho e louro.
Junte então o frango partido em pedaços pequenos, com ou sem osso, umas rodelas de chouriço, açafrão-das-Índias, feijão verde em troços pequenos, sal e pimenta e envolva tudo até o frango começara a alourar.
 Adicione então o arroz,
eu usei pela primeira vez arroz Suriname, a medo, pois sou um incondicional do arroz carolino do Mondego ou de Alcácer do Sal, mas o resultado foi o que procurava: o Suriname é um arroz de bago longo que mantém  um sabor muito parecido com o carolino e as características de bago solto dos arrozes longos que eu pretendia para este prato.
Faça este arroz de açafrão como se fosse uma paella, juntando água aos poucos
 e mexendo apenas o suficiente para não pegar, até estar o arroz cozido.

4 comentários:

  1. Caro Luís,

    Desde já agradeço-lhe o seu blogue, do qual sou leitor assíduo há já largos meses. Li e leio e aprendo bastante consigo, não só na culinária mas na cultura que a rodeia, que penso ser igualmente importante!
    Hoje vim dar uma espreitadela para ver se já tinha falado sobre almôndegas, pois já há algum tempo que não como e gostava de as fazer, mas penso que ainda não falou sobre elas. Pergunto então gentilmente se o poderia fazer numa das suas próximas publicações. Ficaria extremamente agradecido!

    Um abraço e desejos de tudo a correr bem,
    Fábio Souto

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  2. Acontece muitas vezes, com receitas de "peixe-espada". A original é de "espadarte" e a tradução transforma-o no nosso tão saboroso peixinho. Claro que quem seguir os concelhos do "conceituado chef" vai ter um árduo trabalho pela frente.

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  3. Onde se pode comprar açafrão fresco (em raiz) em Portugal?

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  4. Para quando uma verdadeira paella confecionada por si?
    Onde posso arranjar um aboa receita?

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