sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Brandade de bacalhau


                  Aquilo a que hoje mais vulgarmente se chama  brandade  ou se se quiser em português, brandada,  é um prato relativamente simples à base de bacalhau, batatas, azeite e natas muito aparentado com o nosso Bacalhau à Conde da Guarda, que se supõe criado por mestre Manuel Ferreira e depois seguido e afamado por mestre João Ribeiro, nas cozinhas do Aviz.
Sem querer com isto retirar nada à excelência deste “Conde da Guarda” ou às brandadas modernas, com batata, o certo é que o termo descreve uma outra preparação, difícil mas de sabor e textura celestiais, oriunda da região francesa de Nîmes e depois espalhada por outras regiões francesas, bascas e catalãs e que encontramos descrita por Escoffier*, em 1903 e, antes dele, por Gustave Garlin, em 1887**.
É esta brandade original, feita com muito de braço e infinitos cuidados, com base na receita de mestre Manuel Ferreira em 1933***, mas que recompensa largamente, no palato, o investimento na preparação, que vos deixo aqui hoje, fruto do passado fim de semana chuvoso e a convidar a delícias dentro de portas.

Ingredientes:

Bacalhau
Azeite
Leite (ou natas)
Sal e pimenta
Pão frito

Preparação:

Leve o bacalhau, que deve ter sido bem demolhado, em água fria ao lume e apague este antes que comece a ferver.
Retire espinhas e raspe a pele ao de leve de modo a que saia a camada exterior e escamosa, mas mantendo a parte interior, gelatinosa.
Desfaça o bacalhau em lascas pequenas para dentro de uma caçarola,
junte pimenta e uma ou duas colheres de sopa de azeite virgem, de muito boa qualidade e baixíssima acidez**** e vá mexendo sempre com colher de pau,
energicamente, de modo a ir desfazendo o bacalhau contra as paredes do recipiente. À medida que o trabalho de mexer continua, vá juntando colheres de azeite e de leite***** (ou natas) quando a emulsão se tornar espessa demais, ambos aquecidos e sempre apenas uma de cada vez, de modo a que se vão emulsionando com as fibras do bacalhau.
Ao fim de um bom bocado, quando já estão emulsionados com o bacalhau pelo menos o seu peso em azeite e leite, a massa resultante terá um aspecto liso e branco, lembrando puré de batata.
Terá agora que provar para ver se necessita adição de sal, o que é raro, e está pronta a brandade. Tradicionalmente, deverá ser montada em cone
e ir uns minutos ao forno com calor intenso por cima, para alourar e é servida com croûtons triangulares de pão frito
e, porque se trata de um prato muito gordo, com uma verdura com alguma acidez ou amargo, como estes talins
que usei e que ligaram perfeitamente esta soberba refeição.

Notas:
A brandade é, provavelmente, a minha preparação de bacalhau preferida entre todas e não me canso de recomendá-la. Se usar todos os ingredientes aquecidos e se deixar a parte gelatinosa da pele (que "desaparece" na preparação), dará certamente algum trabalho de colher de pau mas sairá seguramente bem. Poderá ter uma pálida ideia do que é o sabor de uma brandade se conseguir imaginar algo que reúne sabores e texturas dos pastéis de bacalhau, do Bacalhau à Conde da Guarda, do Pil-Pil e do Bacalhau à Zé do Pipo. Difícil, não é? O melhor é mesmo experimentar!
* Escoffier, Gustave - Le Guide Culinaire (1903)
** Garlin, Gustave - Le cuisiner moderne, Garnier frères 1887, Paris .
*** Ferreira, Manuel – A Cozinha Ideal, Lisboa, 1933
 **** Se não dispuser de azeite de acidez 0,2 ou menos, é preferível usar um lote de azeite virgem 0,5 ou até 0,7 misturado em partes iguais com um bom óleo, por exemplo amendoim ou girassol.
***** Como a brandade é uma emulsão, quanto mais azeite adicionar, mais firme fica a brandade. O leite ou natas deve ser introduzido para corrigir essa excessiva firmeza. Apesar de, tradicionalmente, as receitas de brandade indicarem colheres alternadas de azeite e de leite, isso é claramente excessivo e, se o fizer, a sua brandade ficará demasiado líquida. Na prática, serão 3 colheres de azeite para 1 de leite ou nata líquida.

5 comentários:

  1. Um clássico imperdível em qualquer cozinha :)

    A ver se faço em breve.

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  2. Mas que preparação fabulosa! O Amândio chama-lhe clássico, e eu fico a sentir-me completamente inorante porque nunca tinha ouvido falar de tal... Mas vou de certeza experimentar, porque acredito que seja uma das melhores receitas de bacalhau de que ouvi falar!
    Obrigada!

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  3. De todas as receitas que tenho visto de brandade, esta é que me pareceu melhor (todas as outras vão batatas ou outros tubérculos).
    Parabéns pelo seu riquíssimo blog!Receitas detalhadas num passo-a-passo impecável.

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  4. Luís no seu melhor!!! Bacalhau também, claro...
    Beijos.

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  5. Espetáculo, é só o que eu tenho para falar!

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