quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Lavash

            A origem do pão lavash perde-se na noite dos tempos e deve ter ocorrido na Arménia, tendo-se depois espalhado por toda a Ásia Menor e Próximo Oriente, onde continua a ser usado diariamente e tem nomes como lavas, lavosh e matzo (Israel). É o pão ázimo que Cristo comeu e distribuiu no episódio bíblico da Última Ceia, de umas pobreza e simplicidade mais que espartanas, mas que, ao contrário do que a sua composição possa fazer supor, é uma preparação maravilhosa, quintessência do crocante e da leveza.
Placas de pão finíssimas, na verdade com menos de um milímetro de espessura, simples ou enriquecidas com o que quisermos, o lavash é algo que está à nossa disposição nas mais exclusivas lojas gourmet mas também ao alcance, quase grátis, na nossa cozinha, já que não difere em substância da nossa conhecida massa tenra.

Ingredientes:

- Lavash-base

Farinha
Gordura
Água
Sal (facultativo)

- Lavash de sésamo e papoila*

1 medida de farinha de trigo
½ medida de farinha de trigo integral
¼ de medida de azeite
1/10 de medida de óleo de sésamo
¼ medida de sementes de sésamo
¼ de medida de sementes de papoila
¼ de medida de orégãos
Sal q.b.
Água q.b. (+/- ½ medida)
Flor de sal

Preparação:

Misture os secos 
e depois as gorduras
e água q.b. (cerca de meia medida) e amasse bem até obter a consistência elástica característica de uma massa tenra.
Divida em porções mais pequenas
e estenda com o auxílio de um rolo ( e talvez um pouco de farinha salpicada) até obter uma folha realmente finíssima.
Salpique com flor de sal, corte com uma carretilha ou um cortador para  pizza, em rectângulos
e leve ao forno a 160ºC durante breves minutos, até obter uma cor levemente dourada.
Podem guardar-se por muito tempo em caixas herméticas, de modo a conservarem o maravilhoso estaladiço, embora seja virtualmente impossível fazer durar muito esta delícia, para a qual há sempre uma desculpa, simples,
como aperitivo, com um paté, uma marmelada, um tapenade, estas lavash voam e não tarda chega o momento de fazer mais!
  
* As possibilidades de variação são virtualmente infinitas. Pode introduzir no lavash-base aquilo que lhe apetecer, sementes, frutos secos, especiarias, ervas frescas, tendo apenas que ter cuidado com a granulometria do que introduzir; por exemplo, se decidir introduzir sementes de girassol inteiras na massa, o rolo passa a ter essa bitola, a dimensão das sementes, e a folha ficará muito grossa.
Se quiser fazer lavash doce, deve polvilhar de açúcar mesmo antes de ir ao forno, pois se introduzir o açúcar na massa ela perde as suas características de pão.
  

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Ras-el-Hanout

              Qualquer abordagem à portentosa cozinha marroquina passa inevitavelmente por uma mistura de especiarias que é a pedra de toque daqueles sabor e aroma especiais que tornam inconfundíveis os pratos marroquinos, mesmo em comparação com outras cozinhas magrebinas próximas: o Ras-el-Hanout.
Traduzindo “ras-el-hanout”, teremos algo como “o melhor da loja” ou, mais livremente, “topo de gama”, embora não exista nenhuma fórmula, nem qualitativa, nem quantitativa que o defina, existindo sim tantas composições quantos os preparadores, sendo mesmo vulgar que seja a própria cozinheira que prepara a mistura a seu gosto, como aliás se passa com qualquer das mais famosas misturas de especiarias, o caril, o tandoori, a dukkah, o Garam masala ou o Shichimi Togarashi.
Encontrei nas minhas visitas a Marrocos, Ras-el-Hanout desde 5 a 51 componentes, tendo nestes mais “emaranhados” a presença de elementos estranhos ao mundo dos sabores, como por exemplo a mosca cantárida, um afrodisíaco tóxico com que muitas vezes o vendedor tenta apimentar o seu produto, seja ou não verdade que a tal mosca lá está.
Sempre que lá vou, trato de me abastecer em quantidade e qualidade, tendo até já fornecedores habituais em Marraquexe e Marzagão.  Há, no entanto, uma dificuldade inultrapassável: as misturas de especiarias são, ainda mais que as especiarias isoladas, extremamente sensíveis à passagem do tempo e, na verdade, três ou quatro meses depois da compra, a qualidade é já manifestamente afectada e seis meses depois aquele que tinha sido um garboso Ras-el-Hanout, está pronto para ir para o lixo. Tentei todos os truques, o vácuo, a congelação e nada!
Se não vai trimestralmente a Marrocos, resta-lhe comprar online, sujeitando-se ao que lhe sair, ou então fazê-lo, que é o que eu faço; dá algum trabalho mas compensa. Esta receita que vos deixo, começou por ser uma “21 épices”, fornecida no meio de indescritíveis dificuldades linguísticas (ele só fala árabe!) pelo meu fornecedor de Marzagão. Um ano depois, perante as dificuldades insuperáveis que tive em obter alguns dos componentes, ele baixou a fórmula para “17 épices”, todas de fácil obtenção em Portugal e o resultado é soberbo. Aconselho a preparação em muito pequenas quantidades, já que o tempo, tal como para os de compra, também vai passar sobre o nosso Ras-el-Hanout.  

Ingredientes:

"17 épices"


10 g de raiz de cúrcuma (açafrão das índias)
7 g de raiz de gengibre
3g de paprika
2 g de pimenta branca
2 g de pimenta preta
2 g de bagas de pimenta da Jamaica
3 g de vagens de cardamomo (só as sementes)
6 g de canela
1,5 g cravinho inteiro
1,5 g macis
1,5 g de malagueta
2 g de cominho sementes
1,5 g de sementes de anis
1,5 g de coentro (sementes secas)
1,5 g de sementes de funcho
1 noz-moscada ralada
0,1 g açafrão, estames ou 1g de açaflor

Preparação:

Leve ao lume numa frigideira seca as pimentas, o funcho, o cravinho, as sementes de cardamomo e os cominhos, para tostar sem queimar.
Retire de imediato, do calor e da própria frigideira, assim que sentir o inconfundível aroma dos cominhos aquecidos.
Junte todas as sementes inteiras no almofariz ou no processador e moa até ficar em estado de pó fino.
Junte depois os ingredientes já moídos e misture muito bem.
Passe por uma peneira fina para reter umas palhas que sempre ficam e guarde em frasco hermético, no frigorífico, com data no rótulo.
Utilize no prazo de 2-3 meses, após o que deve perder a pena e deitá-lo fora.

O prazer de fazê-lo de novo, com a sinfonia de aromas a perfumar toda a casa, faz com que se deseje que o tempo passe depressa.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Arroz de Bacalhau com Grelos

             O arroz de bacalhau encarado como prato tem vindo a perder popularidade, sendo hoje praticamente impossível encontrá-lo na restauração popular e, por maioria de razão, ainda menos na outra menos popular e que só por curiosidade ou procura do pitoresco se debruça sobre estes sabores tidos por pobres e simples.
Chamados muitas vezes “pratos de fim de mês” estes arrozes feitos com o que havia em casa quando já não havia com que ir ao avio, têm no entanto o encanto das comidas de conforto e, no caso do bacalhau, são hoje uma maneira excelente de utilizar as partes mais finas e menos nobres de um bacalhau, quando por vezes até parece que já só se conhecem os lombos.
Esta associação do bacalhau com os grelos de nabo resulta particularmente feliz e faz deste arroz malandro que pede para ser comido devagar uma festa para o paladar.

Ingredientes:

Arroz de bago curto
Bacalhau
Grelos de nabo
Azeite
Tomate
Cebola
Alhos
Louro
Malagueta
Sal e pimenta
Vinagre (facultativo)
Fécula ou farinha de arroz (eventual)

Preparação:

Coza o bacalhau e reserve o caldo resultante da cozedura. Retire peles e espinhas (ou só as espinhas se todos os convivas gostarem de pele) e parta o bacalhau em lascas e pedaços grandes. Reserve no frigorífico, de modo a que esteja bem frio no final da confecção do prato.
Faça um refogado normal, em azeite.
Deixe apurar e introduza então o arroz que deve ser de grão curto e apto a largar uma quantidade apreciável de amido para o caldo. Usei arroz Redondo,
uma variedade espanhola especialmente resistente à cozedura e que cresce muito, absorvendo todos os sabores do caldo, mas pode ser usado o incomparável Carolino, apenas precisa de maiores cuidados no ponto de cozedura. Envolva bem, mexendo sempre até que os bagos se apresentem translúcidos.
Junte então um golpe de vinagre (se está a usar tomate maduro e bastante ácido, isso pode ser desnecessário), mexa e comece então a juntar, aos poucos, a água em que cozeu o bacalhau, mexendo sempre entre cada adição, como se fosse para um arroz “italiano”.
Isto permite que o arroz vá soltando amido e engrossando o caldo. Quando o arroz estiver sensivelmente a meio da cozedura, junte então os grelos previamente escaldados
e continue até o arroz estar no ponto de cozedura ideal, isto é, nem aberto, nem com um desagradável núcleo duro. Isto pode variar muito consoante o tipo de arroz usado, desde os 12-13minutos do Carolino aos mais de 20m do Bomba ou aos 19m deste Redondo que usei. Nesta altura o caldo deve ser abundante e bem cremoso, nada de aguadilhas líquidas a escorrer no prato como se fosse uma sopa. Arroz malandro não é isso! Essas “aguadas” são simplesmente arrozes mal feitos!
Se o seu arroz, no momento em que se apresenta cozido está seco, tem de lhe juntar mais líquido; se, pelo contrário, está aguado, então tem de corrigir esse aspecto e não o poderá fazer continuando a ferver o arroz que acabará por abrir e transformar-se numa papa. Como a falta é de amido de arroz, então terá de juntá-lo e é para isso que há farinha ou fécula de arroz à venda. Dissolva uma colher de sopa num pouco de água e adicione aos poucos ao arroz de modo a que o molho se torne espesso e aveludado, envolvendo os bagos mas sem escorrências pelo prato.
É o grau de cozedura do arroz que manda parar a fervura, não a consistência do caldo. Para parar prontamente a fervura há que baixar drasticamente a temperatura e é isso que vai fazer o bacalhau gelado que guardou no frigorífico, lembra-se?
Junte-o ao arroz e mexa de imediato.

Sirva sem grande demora pois a tendência de qualquer arroz é para ir secando.

  

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Uma polenta

          O milho é cereal que aguenta quase todas as maldades que lhe façam, excepto a da pressa.
Se há comida injustiçada, será por certo a polenta que, num século, passou de prato principal e por vezes único nas mesas populares portuguesas para a ínfima posição de acompanhamento pitoresco ou de pratos vagamente regionais e ressuscitados após meio século de olvido, durante o qual toda a gente que a sabia fazer morreu, deixando muitas polentas de hoje, mesmo feitas por mãos “estreladas” de alguns restaurantes da moda, algo desmaiado e sem sabor próprio, fruto de uma grande dose de pressa, que, no caso das polentas, é o mesmo que dizer incompetência. 
Deste triste estado de coisas vos dei já conta aqui e aqui e não é mais altura de repisar o já dito, até porque a polenta é, tal como as açordas de quem é afinal parente próximo, uma preparação que se presta como poucas à evolução, à criatividade e à imaginação, permitindo construir à sua volta uma infinidade de variações, quer como prato, quer como acompanhamento ou até sopa.
Esta que aqui vos deixo serviu como delicioso acompanhamento a um peixe frito, mas teria podido facilmente ser prato principal, por exemplo se esse mesmo peixe lhe tivesse sido incorporado.

Ingredientes:

Farinha de milho amarela
Azeite
Tomate seco, em azeite
Pimento maduro
Coentros frescos
Sal e pimenta

Preparação:

Misture bem uma pequena quantidade de farinha (ou carolo) de milho com uma grande quantidade de água, pense em algo como 50g de milho para meio litro de água e desfaça bem qualquer grumo que se tenha formado. Leve ao lume até ferver, com sal, o que provocará um ligeiro espessamento.
A maioria das receitas modernas dir-lhe-á que está a farinha cozida, mas na verdade o processo ainda nem começou. Tape e reduza o calor ao mínimo e deixe a fervinhar por cerca de uma hora, mexendo de tempos a tempos para evitar que pegue ao fundo. Durante este tempo a farinha vai então cozer de verdade e verá formar-se um creme grosso como um puré de batata, com o característico aroma do milho cozido.
Enquanto o milho coze, frite em azeite alhos, pimento maduro  e tomate seco, tudo picado fino e temperado com pimenta.
Misture com a polenta junte por fim os coentros frescos.
Deixe a polenta absorver e misturar em si todos estes sabores e sirva como acompanhamento ou como prato, incorporando-lhe nesse caso uma carne, peixe ou enchidos.


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ventresca de Atum em Cebola

             “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”; ainda bem!
Até há poucos anos considerada como peça menos nobre do atum, dada a quantidade de gordura que apresenta, a barriga era excluída das partes enlatadas e relegada para a salmoura em barricas de madeira e venda avulsa e barata.
Depois, a globalização geral e o conhecimento de outras gastronomias levaram a que se atentasse melhor nos motivos que faziam que fosse o pedaço dos tunídeos preferido pelos exigentes japoneses, o marketing das açorianas Santa Catarina e Corretora e depois da maioria das marcas conserveiras, inverteram as coisas e hoje, a barriga de atum, rebaptizada com o nome espanhol de “ventresca” para  afastar a memória das velhas barrigas de salmoura, tornou-se a parte mais cara e desejada de um atum e bem, já que a sua textura e delicadeza de sabor a tornam realmente insuperável.
A oferta de barrigas frescas de atum é por vezes escassa mas vão aparecendo em alguns mercados, embaladas a vácuo e provenientes dos Açores, sendo o seu preço, por enquanto, bastante acessível.

Ingredientes:

Barriga fresca (“ventresca”) de atum
Sal, pimenta e raspa de limão
Cebola
Alho
Louro
Vinho do Porto, tawny
Vinagre balsâmico

Preparação:

A barriga de atum vende-se com pele, em peças que vão de 1 a 3kg, sendo que a excelência aumenta com o tamanho e, consequentemente, com a idade do atum e com a quantidade de gordura.
Se tiver escolha, prefira as barrigas mais claras, já que no atum, quanto mais pálida for a carne, melhor.
Com uma faca bem afiada retire a pele à barriga.
Tempere pelos dois lados com sal grosso, pimenta e raspas de limão e deixe por uma hora.
Entretanto caramelize cebola branca, levando-a ao lume com louro, sal, pimenta e alho picado, num fundo de azeite.
Quando estiver já mole e translúcida, acrescente um gole de vinho do Porto (ou Madeira, ou outro doce a seu gosto), que será responsável pelo açúcar e irá facilitar a caramelização da cebola.
Deixe caramelizar até obter uma cor âmbar uniforme e termine com um golpe de vinagre balsâmico. Escorra e reserve.
No azeite em que caramelizou a cebola vai então cozinhar a ventresca, depois de dividida em cru nas porções individuais,
o que significa passá-la rapidamente dos dois lados, em lume forte, de modo a que as lascas abram mas que o interior fique ainda rosado.
Isto é essencial e obtém-se com cerca de 1-2 minutos de cada lado. Vá vendo a progressão do cozimento pela face lateral.
Sirva sobre a cebola, montada numa fatia de pão levemente torrado.

  

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Tomatada

                 Os tomates dão-se muito mal com o frio.
Essa verdadeira incompatibilidade visceral e irremediável é o que faz serem impossíveis nas estações frias pratos como esta tomatada, um gaspacho ou uma simples salada de tomate decente, sendo apenas nalguns casos possível o recurso ao tomate enlatado, o único que, de Inverno, guarda essa qualidade preciosa que só o sol de Verão pôde dar e que mesmo a congelação, por ser fria, consegue destruir no tomate: o seu portentoso sabor.
Infelizmente, o acesso a tomate verdadeiramente maduro é um bem que vai sendo cada vez mais difícil de obter, já que nas cidades, quem se abastece normalmente em supermercado, passa toda a estação a consumir tomates de produção normalizada em estufa, artificialmente “amadurecidos” durante o longo processo que medeia a colheita e a chegada aos lineares, refrigerados e pálidos (ou geneticamente “vermelhos” como esta variedade em cacho, que tanto promete mas que nunca deixa de decepcionar).
Se tem acesso a tomates menos normalizados, mais feios, rugosos e bem vermelhos, que se vendem em algum comércio local e nos mercados das cidades, na província ou pela mão de algum amigo produtor, ou do seu próprio quintal, aproveite esta estação bendita para usar e abusar deste fruto precioso   e não esqueça o que aqui se disse logo a abrir: nunca, mas mesmo nunca, sujeite qualquer tomate, seja ele um daqueles grandes “coração” ou um pequeno cherry a uma estadia no frigorífico, guarde-os cá fora numa fruteira ou tijela à temperatura ambiente, sob pena dele se vingar e largar para o frio todo o seu sabor.

Ingredientes:

Tomates maduros
Cebola
Alhos
Azeite
Sal e pimenta
Pão e água

Ovos
Farinheira
Chouriço

Preparação:

Tal como para um gaspacho, também para a tomatada o êxito prende-se com a qualidade dos ingredientes, razão porque é lá, no Alentejo profundo e com produtos genuínos da terra que se comem as melhores tomatadas.
Aqui, use tomate amadurecido na planta e que nunca tenha sido refrigerado.
A preparação é a de um refogado: pele os tomates e leve-os ao lume com azeite, cebola, alho, sal e pimenta.
Se quiser, pode introduzir alguma erva aromática a seu gosto, coentro, ou poejo, hortelã-da-ribeira, embora eu prefira deixar simples, o sabor poderoso do tomate a dominar o prato.
Deixe fritar, mexendo de modo a que o tomate se vá desfazendo e a cebola e alhos fiquem cozinhados, acrescente água, 
rectifique sal e verta sobre pão alentejano duro cortado em falhas.
Frite uma farinheira e rodelas de bom chouriço (linguiça) num pouco de azeite
onde depois estrela* um ovo por comensal.

Sirva com o ovo por cima e rodelas dos enchidos fritos.



Nota: * Usualmente este ovo é escalfado, mas preferi estrelá-lo por achar que ia melhor com os enchidos fritos. Não me arrependi.