quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Açorda* (migas) de espargos selvagens


                   O espargo selvagem (Asparagus officinalis) aparece entre Dezembro e Abril em terrenos não cultivados, já que os arados destroem a parte subterrânea desta planta, a mais importante e que lhe permite sobreviver ano após ano.   
Na verdade este espargo é o “pai” de todos os espargos cultivados e, apesar da finura dos rebentos que nunca ultrapassam a grossura de um lápis, o seu sabor é de tal forma delicado e ao mesmo tempo intenso, que qualquer comparação ou substituição culinária deste selvagem pelo irmão do supermercado é simplesmente impossível.
Este ano as plantas que crescem no meu olival foram pródigas na produção dos deliciosos rebentos,
não tive de comprá-los (são caros e raros) e, pelo custo pessoal de uma infinidade de pequenos golpes e arranhões (os caules velhos são eriçados de espinhos!), pude obter quantidades generosas deste vegetal maravilhoso e fazer, sem moderação, alguns dos meus pratos favoritos.

Ingredientes:

Espargos selvagens
Azeite
Alhos
Bacalhau demolhado (posta alta)
Pão duro, firme
Coentros frescos
Sal e pimenta

Preparação:

Nivele os seus espargos pelo lado da ponta, corte-as a cerca de 5-6cm e corte o resto em rodelas finas (2-3mm) até chegar à parte do rebento que começa a apresentar partes mais lenhosas e que deve rejeitar.

Tradicionalmente, no Alentejo, qualquer prato de espargos selvagens começa pela cozedura destes, o que em minha opinião os priva de uma das melhores contribuições sápidas que estes espargos possibilitam, a de aliarem ao sabor uma incrível textura que a cozedura “alentejana” irremediavelmente destrói.
Nos meus pratos com espargos selvagens, estes são simples e brevemente salteados em azeite aromatizado com alho
e é isso que, se quiser experimentar a sensação de transgressão à norma, deverá fazer.
Garanto a recompensa, na boca, um pouco depois!
Quando as rodelas finas estiverem cozinhadas no azeite aromatizado, o que ocorre em cerca de 2-3 minutos, junte as pontas
durante mais um minuto e reserve pontas e rodelas em separado.
Coza bacalhau alto em água e sal, retire o bacalhau e use o caldo para embeber pão duro e firme como o pão alentejano e outros regionais de formato grande.

Leve este pão encharcado no caldo do bacalhau ao lume, vá mexendo e deixe desfazer
e ganhar a consistência típica de uma açorda*, nem tão mole como uma açorda de marisco nem tão sólida como as migas alentejanas de acompanhar carne de porco frita, moldadas como um chouriço.

Desfaça o bacalhau em lascas e reserve algumas para a decoração da açorda.
Junte este bacalhau partido e as rodelas de espargos bem como o azeite em que foram salteadas à açorda,
envolva, rectifique temperos e deixe fervinhar mais uns minutos.
Junte por fim os coentros picados e um golpe de azeite cru, envolva,
apague o lume e passe para travessa de serviço, decorada a açorda com as lascas de bacalhau e as pontas de rebentos de espargos.
 Sirva bem quente; este é um prato de conforto que não admite esperas!

Nota: * As discussões artificiais sobre a justeza dos nomes “açorda” e “migas” são isso mesmo: inúteis e estéreis!
No Alentejo chama-se “migas” àquilo que noutros locais se chama “açorda”, chama-se “açorda” àquilo que noutros locais chamamos “sopa de pão”. São regionalismos, são normais e não há aqui cabimento para se dizer que é certo ou errado, é o uso de cada sítio e na verdade sabe-se sempre do que se está a falar.
Aqui, chamei-lhe “açorda” simplesmente porque eu não sou alentejano e como este prato apresenta uma importante variação ao que por ali se costuma fazer, ficou a terminologia lisboeta. Se tivesse cozido os espargos, ter-lhe-ia chamado “migas”.

6 comentários:

  1. Ótimo aspeto!! vou experimentar ..

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  2. Boa noite, gostaria de convidá-lo para uma entrevista no meu programa de rádio. É às Sextas à noite em directo das 9 às 11. Podemos falar por skype. Mais informações do programa no meu perfil do facebook https://m.facebook.com/trabassos/?ref=bookmarks

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  3. https://www.youtube.com/channel/UCL1A3izSgtQLbsHhGb9MUNQ

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  4. Andei preocupado consigo. Se estaria doente... Lagarto, lagarto.
    Portanto é bom lê-lo dc novo.
    Não sei cozinhar mas maravilho-me com o que ensina.
    Boa saúde!
    eo

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  5. Há bastantes anos que sigo o seu blog. Achei-o por acaso, procurando já não sei o quê. Gostei da conversa inusual da coisa que me apareceu no momento, e fui lendo. Achei a dada altura a receita de filetes de pescada e aí até o espinhaço se me eriçou! Adoro filetes de pescada, mas só de uns que comia em Vila Praia de Âncora na Pensão Fonte Nova ( mais conhecida por Manelzinho Gordo).Já não existe, pelo menos como era. Para aí há 15 anos voltei lá e NADA!
    Da sala de refeições via-se a cozinha com um gajo enorme na largura e na altura comandando os tachos de cigarro na boca.Saía dali o melhor que há!
    Filetes, quer dizer, lombos de uma suculência indizível, um arroz seco perfeito, uma feijoada de solas que mesmo empantorrado não apetecia parar de comer!
    Bom... O cerne da questão são os tais filetes. Por conta dessas memórias aprendi aqui a fazer «filetes». Há porém alguma coisa que não fica como pretendo e prende-se com a casca. Fica uma coisa compacta de que não gosto. Os dele ficavam com uma coisa leve em que o ovo até fazia pequenos fios para o ar. É quase um mistério diabólico! eheheh!
    Bom... O grande facto digno de registo é que nunca me tinha passado pela cabeça fritar sequer um ovo e hoje sou capaz de fazer a minha comida como ela me agrada (salvo a praga do invólucro dos filetes) e isso devo-o a si.
    Um discurso não bacoco pode ter bons efeitos! Como muito melhor e o que me dá na gana. Apesar disso, continuo magro como um cão. Vá lá saber-se porquê... eheheh!

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  6. Maravilhoso Blog! Excelentes receitas com belas e educativas introduções! Parabens! Se a cerâmica tiver a mesma qualidade gostava de a ver!
    Ana Filgueiras

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