sexta-feira, 13 de abril de 2018

Papada fumada


             Trazida para o ambiente alentejano por “galegos”, “ratinhos” e outras maltas que chegavam das Beiras e mais a Norte para os trabalhos agrícolas sazonais do montado e das searas, a papada é um vestígio do unto, gordura temperada, ensacada e fumada que era usada nas cozinhas populares beirãs e transmontanas.
Hoje virtualmente extinta, feita aqui e ali como curiosidade histórica, a papada fumada foi muitas vezes conduto e petisco de taberna de ranchos de tal forma pobres que tinham de recorrer às partes menos nobres do porco, neste caso a manta de toucinho que corresponde ao pescoço do porco, muitas vezes ensanguentado, trazendo agarrada parte da glândula parótida e hoje usada para extracção de banha e fabrico de torresmos pela comunidade africana e pouco mais.
Não tendo acesso às possibilidades de uma cozinha ou a tripa nas casas em que ficavam durante a sua estadia nas herdades, esta peça entremeada e rejeitada era conservada por meios básicos, uma salga ligeira, tempero com a massa de pimentão e uma fumagem sobre as brasas onde se aqueciam à noite, às vezes ensacando a papada numa meia, para melhor a dependurar ao fumo.
O certo é que as papadas fumadas se tornaram populares não só entre migrantes mas também entre ganhões e o caso não é para menos dada a excelência de sabores obtidos de uma preparação que, como tantas provenientes do Alentejo pobre, se consegue com quase nada.
Se não souber onde encontrar à venda uma papada fumada, tarefa quase impossível no comércio de fumeiros, poderá sempre fazê-la, aliando ao prazer do petisco em si, um outro que vem da descoberta de gestos perdidos há muito e que dá outra dimensão à serena degustação de umas finas fatias de papada.

Ingredientes:

Papada de porco
Sal
Massa de pimentão

Preparação:

A aquisição da papada propriamente dita pode não ser fácil em ambiente citadino mas poderá sempre encomendar no seu talho que a mandará vir para si ou então comprá-la nos mercados mais periféricos, que abastecem as franjas mais pobres da população que vivem em cinturas urbanas.
Parece uma tira de toucinho entremeado com bastante gordura e restos de uma víscera que é a glândula salivar e que deverá deixar.

Lave, retire o courato e apare.

Corte no sentido do comprimento,
de modo a fazer duas tiras e a expor a camada interna de músculo que, de outro modo, dificilmente poderia secar e salgar.

 Esfregue   sal e deixe durante 24 horas.
Lave de novo, seque e barre com massa de pimentão, embrulhe em película e deixe no frigorífico por uma semana.
Faça um lume de carvão e ponha madeira de azinho seca sobre as brasas de modo a que se consuma devagar. A papada deverá estar por cima pelo menos a um metro de distância de modo a que seja fumigada mas não apanhe calor.
A fumagem deve durar dois ou três dias, após o que a papada está pronta sendo apenas necessário que seque o tempo necessário a que adquira a consistência de um toucinho fumado, o que demora entre duas a três semanas conforme a humidade do ar.

A carne da papada, atravessada por inúmeros veios de gordura,
tem um sabor único e é ainda melhor fatiada muito fina, ficando a raiar o divino se grelhada ou frita como o bacon.


6 comentários:

  1. Boa tarde.
    Antes de mais muito obrigado pelo sue Blog. Tenho aprendido muito e tenho aprendido aquilo que nunca na minha vida pensei vir a aprender. Por tudo isso mais uma vez os meus agradecimentos.
    Nas passando agora à pratica tenho de lhe solicitar alguns conselhos.
    Vi e li o seu post acerca de fazer chouriços. Já temperei a carne de porco, que agora está a aboborar no frigorifico.
    Agora põe-se o passo seguinte, depois de enchera a tripa.
    Pensei por os chouriço no forno, 80ºC até internamente atingirem os almejados 71ºC.
    Depois dar-lhes fumo para cima. Tenho um kamado, e já consigo gerar fumo a frio. Não de azinho mas das especies de que os américas fazem pellets.
    Cheira-lhe a quê? O que me aconselha a fazer? o meu objetivo é fazer uns chouriços (lateralmente poder dizer que já enchi chouriços, coisa de que poucos portugueses se podem, com propriedade, gabar).
    Mais uma vez muito obrigado pela sua disponibilidade

    Vasco Orey

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  2. Caro Vasco Orey,
    Muito obrigado pelas suas palavras amáveis.
    Em relação aos chouriços, não faço nenhuma ideia do que sejam essas temperaturas de que me fala. A 80ºC ou mesmo a 71ºC os chouriços ficam cozidos. O fumeiro deve ser rigorosamente a frio, razão porque os fumados têm de ficar longe da fonte de fumo e calor. Mesmo a secagem, se optar por fazê-la, deve ser feita em temperatura morna (max.50ºC) e com a porta do forno aberta.
    Não percebi exactamente o que me diz de pellets, mas nunca deverá utilizá-los para defumar a menos que sejam feitos com esse fim, já que os pellets em Portugal são produzidos com resinosas e aglomerados com cola e desgraçam qualquer fumeiro. Azinho, sobro, oliveira, laranjeira (por esta ordem) são as melhores madeiras para fumar.
    Veja o que digo aqui: https://outrascomidas.blogspot.pt/2012/12/fazer-chouricos-e-defuma-los-em-lisboa.html
    Bons chouriços!
    Luís Pontes

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  3. Já tinha saudades de mais uma das suas deliciosas receitas e da forma apaixonada como as descreve, mostra uma dedicação enorme a nossa culinária... Obrigada por as partilhar
    Elsa Novais

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  4. É sempre muito bom saber que o Luís Pontes ainda vai colocando estes preciosos post para todos nós...
    Bem haja
    antónio castro

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  5. Por favor tiene el blog opción de traducir?, me encantaría poder hacer sus recetas. Gracias por compartir. Un saludo

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  6. Boa noite,

    Não percebi se vai fumar com ou sem a pelicula, a segunda duvida é se se passa a carne por agua para retirar o sal ou se sacode.
    Obrigado

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