É sabido ao que leva a patética convicção de sabermos tudo sobre qualquer coisa, mas talvez por sermos o maior consumidor per capita do Gadus morhua, rapidamente passámos a pensar deter o monopólio da sua culinária, com a consequente menorização automática dos preciosos pratos que por esse mundo se fazem e com os quais, apesar das famosas "1001 maneiras" do nosso orgulho, muito temos a aprender.
Os bascos, povo que tem registos de ter barcos de pesca de bacalhau desde o ano 875 e que são responsáveis, tal como nós, por um considerável acervo de maneiras deliciosas de prepará-lo (por exemplo o bacalhau à biscaínha), criaram um dos mais espetaculares molhos e simultaneamente uma técnica de preparo a que chamaram pil-pil, até hoje não descrita nos livros de cozinha portugueses e que, por estas bandas virtuais, apenas vi descrita pelo algarvio Kuka, no seu excelente blog, infelizmente inativo desde 2008.
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Bacalhau alto, com pele
Alhos
Azeite virgem de muito baixa acidez
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Preparação:
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Leve os alhos ao lume muito baixo, cortados em fatias, nunca deixando fritar e até eles começarem a ganhar cor.
Nunca deixe ferver; a temperatura deve ficar sempre abaixo da ebulição e a frigideira ou caçarola deve ser agitada em permanência durante a conficção do bacalhau.
À medida que o bacalhau vai ficando confitado no azeite, a pele vai largando um líquido esbranquiçado que é constituído por gelatina.
Ao agitar a frigideira em movimentos circulares contínuos, as próprias postas atuam como agitadores e é provável que o pil-pil comece logo a formar-se, pelo que é aconselhável usar um recipiente com bordos altos para evitar derrames do azeite.
A alternativa, que usei neste caso, por a frigideira utilizada não ser alta, é retirar as postas para o prato e passar o azeite para um copo onde com o auxílio da varinha se emulsiona prontamente ficando o pil-pil com a consistência de maionese, com que se rega o bacalhau e que, por ser feita com os seus próprios sucos, fica com um sabor único e delicioso. Antes de terminado o pil-pil, há que prová-lo para verificar se o sal do líquido que saiu do bacalhau foi suficiente, o que depende de ter sido mais ou menos demolhado.
Sirva com puré de batatas esmagadas, temperadas com azeite e orégãos.
Nota: Se quiser confitar o bacalhau do modo clássico, totalmente imerso no azeite a 80ºC, pode fazê-lo e, no fim, retira os dois terços superiores de azeite límpido para posterior utilização e faz então a emulsão pil-pil com o azeite do fundo e o líquido branco que o bacalhau confitado solta durante o processo. Neste caso, já não é necessário por a pele para baixo.
Normalmente faço os confitados de bacalhau sem o imergir no azeite, apenas com cerca de um dedo de altura da gordura, que vou lançando em colheradas sobre a parte descoberta da posta. Com o devido cuidado em relação à temperatura do azeite, os resultados finais são absolutamente idênticos no que respeita à untuosidade e sabor do bacalhau.