Conheci-as há já talvez trinta anos, numa tasca de
pescadores na estradinha que ligava a Apúlia
a Ofir, pela beira-mar, era conhecida pelo Casal Novo e onde passei
muitas noites à volta de uma broa de milho e espantosos camarões de porto
apanhados na costa ou navalheiras de sabor prodigioso, alguma sardinha assada
a fazer de jantar e por fim, sobremesa única, feita ali e muitas vezes ainda morna, era pegar ou
largar, as Clarinhas de Fão, terra mesmo ao lado.
Hoje o Casal Novo é um restaurante normal e banal, agora
rodeado de mais meia dúzia deles, parque de estacionamento em frente, marisco
do congelado que o empresário já não tem tempo para pescas e ainda tem
Clarinhas, é certo, mas agora fornecidas pela pastelaria de Fão, uma pálida
imagem do que eram quando feitas por mãos sábias a pensar na qualidade e não no
lucro.
Não se pense, no entanto, que é defeito do restaurante:
hoje as Clarinhas estão extintas do ponto de vista da oferta comercial, talvez
aqui um pouco por culpa da recolha infeliz de Maria de Lurdes Modesto que,
inadvertidamente, passou para a sua Cozinha Tradicional Portuguesa uma versão
já adulterada, que ali leva farinha onde devia levar apenas gemas, enfim, a
receita que ainda hoje é seguida e que fez desaparecer as maravilhosas
Clarinhas de outrora, herdeiras directas, diz-se, dos pastéis de gila de um tal
Convento do Menino Jesus, em Barcelos.
A receita que aqui vos deixo, honrando o tema “gila” desta 75ª Trilogia com a Ana e
o Cupido, testemunho das que comi e
vi fazer na Apúlia, passa assim a ser, provavelmente, a única disponível em
ambiente virtual que respeita, muito na linha do tratamento que é dado à gila
para o famoso Pão de Rala, esse pastel sublime e irresistível que foi, antes da
investida industrial, a Clarinha de Fão. Que vos possa aproveitar.
Ingredientes:
Massa tenra de manteiga e limão*
250g de doce de abóbora gila
4 gemas
1 c.s. sumo de limão
Azeite refinado para fritar
Açúcar para polvilhar
Preparação:
Prepare uma massa tenra* usando manteiga e juntando-lhe um
pouco de sumo de limão. Reserve.
Misture o doce de gila com as gemas e o sumo de limão e leve ao lume, mexendo sempre até as gemas estarem cozidas e o recheio
engrossar. Deixe arrefecer por completo.
Estenda a massa fina com o auxílio do rolo, coloque sobre
a massa uma porção de recheio de gila e gemas,
dobre e corte em meia-lua com a a
carretilha.
Frite em azeite refinado abundante mas que não cubra a
massa,
dos dois lados, com calor médio, já que as Clarinhas não se querem
douradas como um pastel de massa tenra mas sim… clarinhas!
Escorra e polvilhe sem grande demora, com açúcar.
São boas quentes, mornas, frias, sempre, principalmente se
a massa exterior ficou bem fina.
Notas:
*Ingredientes para Massa Tenra de manteiga e limão:
250g de farinha de trigo
40g de Manteiga
1 c.s. sumo de limão
100g de água (aprox.)
1 colher de chá de sal
Preparação:
Aqueça a água até ficar quente mas sem queimar a mão.
Dissolva nela o sal.
Aqueça a manteiga e deite-a sobre a farinha.
Junte a água e o sumo de limão e comece a bater esta massa com as
varas de bolos (ou bata-a e sove-a à mão).
Faça-o durante 20 minutos, juntando água, se necessário,
quando a massa for ficando rija, aos poucos.
Descanse 10 minutos e bata mais 10.
A massa está pronta após descansar mais meia hora e deve
estar elástica e fofa permitindo ser estendida fina com o rolo não enfarinhado
(se ficou uma massa perfeita).
As Clarinhas de Fão são a minha perdição! E concordo consigo quando diz que já não têm o sabor de outros tempos (mesmo que os tempos sejam mais curtos, estas têm sido adulteradas e industrializadas sucessivamente nos últimos anos).
ResponderEliminarSão agora um produto "registado", que só pode ser vendido sob essa designação pelos estabelecimentos devidamente autorizados.
Contudo há uma casa em Esposende que as faz soberbas - vendidas sobre o nome de Pastéis de Lili! Uma delicia! O problema é ficar-se por uma! São estaladiças, com doce de chila (o verdadeiro, não o de balde)QB! Recomendo vivamente a visita (http://www.sabemais.pt/delili).
Não tendo a receita, sei que quem as faz caseiras usa redenho e banha de porco para as fritar e que a massa utilizada é supostamente feita da mesma forma que a massa dos rissóis/sonhos.
Não fazia ideia da sua suposta ligação ao Convento do Menino de Deus.
Luís fiz as amêndoas e Meu Deus ...que coisa fácil de fazer e ficaram tão saborosas ..tão iguais ..e tão simples..as minhas preferidas ,fiquei tão contente porque nunca mais vou comprar ,mas nunca mesmo .Sempre achei o seu preço exorbitante e aqui fica pelo preço das amêndoas e açucar porque o exforço é nenhum e o prazer é muito .Obrigado pela receita que já está publicada no meu blog com um reparo ao seu blog .Beijinhos
ResponderEliminarTudo o que tu fazes soa-me sempre a especialmente bom...
ResponderEliminarAquele recheio não dá margem para duvidas...
E não é só a próxima mas sim as duas próximas...
Beijinhos.
Boa malha, tão boa que até fui ensaiar o creme feito só com gemas e o doce da chila. Saiu fantástico, claro :)
ResponderEliminarMuito TPC nesta trilogia, parabéns!
Ah pois é, hihihihi (e essa foi ruindade minha!)
ResponderEliminarNão tinha reparado, se bem que esta próxima me pareça ainda mais estranha: nunca percebi que raio de impulso masoquista ou auto-punitório foi aquele (é assim como se eu tivesse indicado o tema "couratos"), a menos que estivesse ali escondida alguma surpresa...