Por
muitos anos foi visita assídua, quase uma peregrinação que se cumpria com
alegria e gula, ao último morro da Serra de Sintra antes desta mergulhar no
mar, no Cabo da Roca, a Peninha, com a sua capela algo sinistra cheia de
ex-votos de cera amarelada pelo passar dos anos e o palácio do Monteiro, o
mesmo da Regaleira, que ficou inacabado no início do sec. XX e que acabou
vagamente administrado por uma fundação coimbrã, que, diga-se, não parecia ter
grande vocação para administração de património.
Estas visitas não eram, no entanto, motivadas por qualquer devoção à Senhora do local ou ao
palacete romântico arruinado, mas sim pelo queijo e pela amizade que o tempo e
circunstâncias peculiares cimentaram com D. Cândida e o seu marido Silvino,
guardas do palacete e residentes nuns casebres no sopé do enorme penhasco de
granito encimado pelo palácio, seria talvez mais próprio chamar-lhes eremitas,
tal era a dureza da vida que ali se levava, só eles, o vento, o nevoeiro, os
cães e o rebanho de cabras, como se o tempo tivesse sido ali misteriosamente
suspenso uns séculos antes.
Foto www.serradesintra.net
A D. Cândida fazia os melhores queijos que alguma vez comi
e, desses tempos bons, dessas conversas, dessa amizade, dessas vidas suspensas,
ficaram um sem fim de recordações e histórias, umas contadas, outras vividas,
às vezes à volta de um petisco que ali se armava, uns queijos, vinho, uns
torresmos, o bom pão da Azóia e, por vezes, um mítico coelho frito, caçado ali
na serra pelo Silvino e transformado num sabor único que eu tento emular agora,
mais de vinte anos passados sobre a partida do casal, finalmente vencidos pelos
anos, pela doença e pela solidão.
Os mitos são cruéis e invencíveis e claro que eu nunca
consegui igualar o coelho frito da D. Cândida. Tento fazê-lo agora como ela fazia, e
apesar de ficar sempre algo abaixo da recordação, é um prato, ou um petisco
muito, mas mesmo muito bom.
Ingredientes:
Coelho
Banha
Alhos (uma cabeça)
Louro
Louro
Sal e pimenta
Vinho branco
Coentros ou salsa
Preparação:
Parta o coelho em pedaços não muito pequenos, salpique
apenas com sal e deixe tomar sabor por uma ou duas horas, após o que o frita na
banha
com lume enérgico, sem qualquer tempero, até que se apresente bem tostado
por todos os lados.
Junte então os alhos esmagados, louro e pimenta, frite um pouco e
molhe com um gole de vinho branco.
A partir de agora, o coelho frito vai decorrendo neste ciclo: um pouco de vinho para desglaçar
os caramelos que se formam quando os aquosos se esgotam,
mais vinho de novo quando preciso, pouco de cada
vez para que o sabor se acentue sempre.
Cerca de quarenta minutos depois (uma hora se for coelho
bravo), junte uma última vez o vinho e desta vez, também um punhado de coentros ou
salsa, picados.
Pessoalmente, gosto mais dos coentros, se bem que D. Cândida
usasse quase sempre salsa, que os coentros eram uma raridade na serra, naqueles
anos.
Dê mais uma volta rápida e está pronto para ser servido
como refeição,
Ou deixe arrefecer e coma frio, como petisco, nos dias
seguintes.
9 comentários:
E que maravilha este coelho...gostei muito...e mais a história por traz..obrigada
Gosto muito de coelho e estou tentada com este, apesar da minha eterna resistência à cozinha.
Adorei este teu coelho que me fez lembrar o da minha mãe, quando eu era gaiata... ela usava pedaços mais pequenos de coelho e sempre coentros.
É uma recordação tão boa que o hei-de fazer um dia destes...
Beijinhos.
Estamos a fazer, já cheira e a barriga já ronca :) obrigada pelas dicas!!
Experimentei hoje!
Obrigado por partilhar.
Ficou muito bom.
Usei salsa :)
obrigado por partilhar a historia e a receita. Fiz hoje e ficou muito bom! tive num dilema entre a salsa e os coentros, acabei por optar por coentros. cumprimentos
acabadinho de fazer... não deve estar com o da D. Cândida mas é maravilhoso
Estou a preparar tal e qual a Da Candida! A ver vamos como fica.
Obg. Pela partilha desta iguaria.
Receita valente, para rituais festivos (esteja-se sozinho ou acompanhado) é uma receita muita bacana.
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