segunda-feira, 29 de julho de 2019

“Carré” (vão) de borrego


              Apesar do nome português ser “vão”, usa-se muitas vezes o termo francês “carré” para designar a peça constituída pelo conjunto inteiro das costelas, a partir do cachaço e até ao lombo, geralmente de borrego*.
Chame-se-lhe o que se quiser, o certo é que um carré de borrego é a peça mais emblemática do animal, não só pela delicadeza e suculência da carne como pela elegância e requinte que os seus muitos modos de preparar permitem.
Perante um carré a dificuldade é escolher como fazê-lo. Optei hoje pela simplicidade a roçar o minimal, já que um apreciador incondicional das delícias ovinas, se é verdade que gosta sempre, adora principalmente tudo o que preserve o sabor e o bouquet próprio daquela carne, para mais de um borrego alentejano, criado a pasto, aqui junto à minha porta.

Ingredientes:

Vão de borrego
Sal
Pimenta

Preparação :

Dê um golpe ao longo de cada costela, de modo a poder “despir” o osso da carne que o envolve. Com a parte não cortante de uma faca, empurre esta carne para baixo de modo a deixar a haste limpa.

Tempere por todos os lados apenas com sal e pimenta e deixe descansar por uma hora.

Leve a forno quente (200°C) durante 20 minutos, sem juntar qualquer outra gordura que não seja a que a própria peça encerra, após o que o carré estará cozinhado** mas sem acabamento exterior.

Flameje com um maçarico a superfície do carré até estar tostado a gosto.

Sirva.


Notas: * Por vezes aplica-se a denominação “carré “ a esta mesma parte de bovinos ou suínos, principalmente no Brasil. Em Portugal, quando se fala de um “carré “ estamos geralmente a falar do de borrego.
** É evidente que o tempo de forno indicado se destina a obter o nível de cocção que eu prefiro, a que se pode chamar “muito mal passado”. Claro que outras preferências implicarão outros tempos de forno e no caso do grau “bem passado” ou “muito bem passado”, o flamejamento posterior é totalmente inútil.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Barriga de porco fumada (Bacon)


        

       Quando o comediante britânico Al Murray “provou”, não só a existência de Deus como a Sua infinita sabedoria e compaixão através desse maravilhoso milagre gastronómico que é o bacon, estou certo de que ele não fazia sequer uma pálida ideia das vergonhosas mistelas que em Portugal lhe usurpam o nome.
Suspeito até que, envergonhado, não se teria atrevido a fazer o seu famoso sketch!

Com a excepção de alguns pequenos fumeiros caseiros ou de dimensão local, quase todos no Norte e de uma honrosa excepção de uma firma minhota de Ponte de Lima, a ganância do lucro fácil e a falta de escrúpulos dos nossos industriais das conservas de carnes transformaram o toucinho fumado num amontoado obsceno de nitratos, nitritos, emulsionantes, dextrose, reguladores de acidez, antioxidantes, fosfatos e polifosfatos sequestradores de água, corantes e o que mais lhe injectam de modo a que, à força de tanta água lá dentro, um quilo de toucinho da barriga produza dois quilos de bacon, quando a regra é exactamente o contrário: dois quilos de barriga fresca produzem, depois da preparação e cura, um quilo de bacon.

Infelizmente, a tal empresa minhota que é honesta na preparação, mal chega ao Sul e, onde chega faz-se pagar como se de negócio de ourivesaria se tratasse.
Para quem, como eu, tem pelo bacon um fervor quase religioso, resta a solução pragmática: se não tens dinheiro para comprá-lo, se o que encontras à venda é imprestável, resta meter mãos à obra e… fazê-lo!

Ingredientes:

Toucinho entremeado
Sal marinho grosso
Açúcar amarelo
Louro, alho em pó, pimenta moída, pimenta da Jamaica
Salitre e ácido cítrico (facultativos)
Fumo

Preparação:

Procure adquirir uma entremeada alta e com bastante gordura, o que nos dias de hoje pode ser um problema dada a magreza cada vez maior destas peças. A solução passa a maior parte das vezes por uma porção deste toucinho que tem ainda algumas costelas de entrecosto agarradas.
Dá mais um pouco de trabalho mas é a parte melhor.

Terá então que retirar esses ossos, que impediriam depois o fatiamento. Com o auxílio de uma faca afiada faça uma incisão ao longo de cada osso,
descarne à volta sempre encostado à costela e puxe de modo a retirá-la.
Estas costelas articulam com umas cartilagens, que ficam na peça.
A mistura de desidratação e tempero não tem uma receita fixa. Costumo usar uma mistura de sal marinho e açúcar amarelo, um pouco mais de sal do que açúcar e tempero como me apetece nesse dia. O verdadeiro tempero do bacon é o fumo, que virá depois. Enquanto parte do sal vai entrar na peça, já o açúcar apenas serve para retirar água à carne, não a adoçando. Quanto mais açúcar puser mais rápida a desidratação e menos salgado fica o bacon final.

Coloque a entremeada num plano inclinado dentro de um tabuleiro,
cubra-a totalmente (também por baixo) com a mistura de açúcar/sal temperada e leve ao frio durante uma semana.
Durante este tempo vai formar-se uma grande quantidade de líquido que vai escorrendo e que deverá esgotar de modo a que a peça nunca fique mergulhada nele o que a salgaria muito. Se aparecerem partes que deixam de estar cobertas, deverá repor nesses locais de modo a assegurar que toda a peça está sempre em contacto com o açúcar/sal.
Ao fim de 6-7 dias, consoante a espessura do toucinho, a carne perdeu grande parte da sua água e está pronta para a fase final, a fumagem.
Lava-se de todo o sal que ainda tem agarrado, deixa-se mergulhada em água durante um par de horas, seca-se cuidadosamente e coloca-se sobre um fumeiro de madeira de azinho, tendo o cuidado de afastar a peça do lume de modo a que receba apenas fumo e não calor.
Usei um fogareiro de carvão sobre o qual ia deitando pedaços de madeira de azinho.
A fumagem demora 2 ou 3 dias,
mais outros tantos para que o fumo se possa espalhar pelo interior e… está pronto o bacon!

domingo, 21 de julho de 2019

Terrincho Velho

   

    Lá bem no Nordeste, num recanto encostado a Espanha, de Mirandela a Figueira de Castelo Rodrigo, de São João da Pesqueira ao Mogadouro, nasce um dos últimos queijos artesanais portugueses, o Terrincho.
Feito exclusivamente com leite cru de ovelhas da raça Churra da Terra Quente, coalhado com coalho de cordeiro e tendo escapado até agora à temível onda de industrialização que tem dizimado a quase totalidade dos queijos tradicionais, consegue o Terrincho espelhar ainda, no sabor e textura, aquilo que foi o ano e as pastagens que as Churras encontraram na serra.
Queijo obrigatoriamente curado, por ser feito com leite cru, apresenta uma versão de pasta mole, com cura de 30 dias e uma outra dura, com três meses de cura, o Terrincho Velho, que é o expoente sápido deste queijo.

É esta a melhor altura para provar o Terrincho Velho, feito com o leite dos pastos verdes e primaveris de Abril.
Vale a pena! 

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Powidl




Powidl” é uma compota natural de ameixa, austríaca, que transporta em si todo o peso de uma ancestralidade cuja dimensão já se perdeu.
Não é difícil, no entanto, pela simples análise da receita, perceber que nos chega dos tempos em que não havia açúcar ou que este era tão caro e raro que se usavam os açúcares dos próprios frutos para a sua conservação. É esta característica que lhe transmite o sabor poderoso e único, já que se pode confeccionar o Powidl usando como único ingrediente, ameixas!
Hoje, a culinária da moda chamar-lhe-ia uma redução prolongada de ameixas, mas como aqui não se trata das culinárias da moda, vamos chamar ao Powidl aquilo que ele é: uma compota, que além das utilizações específicas na culinária austríaca, constitui um delicioso creme de fruta para se barrar, para rechear bolos, pastéis com um sabor que nenhuma compota ou marmelada feita com açúcar lhe poderá dar.
O toque é ácido e pungente, para paladares mais domesticados pelas amenidades do açúcar, pode até parecer algo espartano, mas ao provar “powidl” terá a certeza que nunca provou nada assim.

Ingredientes:
Ameixas vermelhas, de interior também vermelho
Casca de limão (vidrado)
Ameixas secas
Pau de canela
Rum

Preparação:

Adquira ameixas bem maduras, sendo que deverá contar com uma redução de volume de 80% do volume inicial, isto é, se usar 2,5kg de ameixas descaroçadas, obterá cerca de 0,5kg de Powidl.

Lave e retire o caroço às ameixas. Leve ao lume com o vidrado do limão, pedaços de ameixas secas e a canela,
mexendo sempre, até ferver. Reduza o lume para o mínimo e deixe ferver, destapado, durante 4 a 6 horas, mexendo ocasionalmente até obter uma consistência grossa, muito pegajosa e quase negra.
Retire o vidrado de limão e a canela e guarde o Powidl ainda a ferver em frascos esterilizados e quentes. Não necessita refrigeração até abrir os frascos.

Notas:
A tentação de “ajudar” com a adição de açúcares, mesmo de frutas, é grande e tornou hoje quase impossível encontrar, mesmo na Áustria, um frasco de Powidl que respeite realmente a regra antiga, desta e de tantas compotas que é a da concentração dos açúcares do próprio fruto sem adição de açúcar externo ou de gelificantes para apressar e rentabilizar. Claro que o sabor forte e até pungente que resulta não só da concentração da polpa e do açúcar natural mas também dos sabores e ácidos do fruto, perde-se nestes de compra e só os poderá encontrar, fazendo.