segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Mar está a morrer! (pesca sustentável)

O mar está a morrer!

O nosso apetite insaciável por peixe e a ganância de indústrias cada vez mais poderosas e sem escrúpulos que não sejam os do lucro desenfreado e imediato, transformou os oceanos, berço e suporte de toda a vida, em desertos explorados até à exaustão total.
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Numa altura em que, por todo o mundo, a ordem "democrática" predominante faz com as prioridades de quem governa sejam os seus interesses pessoais, a eleição e a reeleição, impedindo assim qualquer medida realmente eficaz mas necessariamente impopular, a última esperança, se é que ainda há lugar para alguma, poderá estar nas mãos de quem detém o verdadeiro poder económico global: o consumidor, nós!



Ninguém pescará o que o consumidor recusar comprar! As leis de mercado também funcionam ao contrário.
Claro que este poder põe-nos nas mãos uma responsabilidade tremenda, na realidade uma responsabilidade final e desmesurada com que lidamos pela primeira e talvez última vez, se não agirmos agora e bem.

Mas que ninguém diga que não sabia!

A Greenpeace é uma ONG (organização não-governamental), maldita em todos os quadrantes políticos, da extrema-direita à extrema-esquerda, que não lhe perdoam a não sujeição a ideologias e programas e os métodos interventivos e espectaculares.
Em Portugal, a Greenpeace tem desenvolvido uma tentativa de sensibilização junto da grande distribuição estabelecida em Portugal no sentido da identificação de espécies à venda e sua sustentabilidade.

As espécies mais ameaçadas, as que necessitam da nossa intervenção urgente, são também as que mais arreigadas estão nos nossos hábitos alimentares.

Iremos ver em futuros posts, detalhadamente o que se passa com cada uma. Por agora, a "temível" lista Vermelha:

Alabote
Atum
Bacalhau
Camarões
Espadarte
Linguado
Peixe-Espada Branco
Redfish
Pescada
Raia
Salmão
Solha
Tamboril
Tubarões

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Cozer Massa ou "barretes de chef"

Contagiadas pelos delírios organizativos e empresariais norte-americanos, a partir de meados de 80 e com toda a força nos 90, as empresas portuguesas aspirantes a modernaças, passaram a ser "exércitos" sui generis de coronéis e generais: toda a minha gente era chefe de qualquer coisa...

Por essa altura surgiram, à luz da ribalta mediática, os chefs!

Primeiro timidamente, depois como cogumelos, acompanharam, pela viragem do milénio, a passagem da cozinha como arte e saber para a cozinha espectáculo em que o que contava, claro, muito mais que saber cozinhar era saber comunicar e divertir.
Foi a altura em que qualquer apresentador medíocre de televisão, ou humorista, ou dono de restaurante da Caparica passou a “especialista” em doces, receitas, programas de culinária, o livrinho certo nos escaparates… depois surgiram também os chefs “estrela-sexy”: jovens, lindos, louros, exóticos, de turbante, a fazer arregalar o olho do mulherio farto de chefes "Silva", feios, gordos e velhos.
A coisa foi tão vivida e excitante que ninguém se lembrou de perguntar: mas “chefe” de quê ou de quem? Inventou o quê? Criou que prato? Cozinhou onde? Será que sabe salvar mesmo uma mayonnaise talhada? Ou usa Hellman’s?!
E como o showbizz é impiedoso e sôfrego de constante novidade, quanto mais espaventosa melhor, lá foram “criando” as maiores aberrações que a maltinha ignara papava como bíblicos mandamentos, que isto na televisão não dá para ouvir se alguém diz “o rei vai nú”, ainda bem…

Aqui cabe uma pausa para que fique registado que eu acho que não são todos assim: Há magníficas excepções, gente nova a cozinhar e inovar divinamente, gente que está realmente na cozinha a fazer mais que cortar salsa a ritmo AK47*, para papalvo extasiar, ou a "empratar" com muitos riscos e gotinhas pelo prato fora.

Quem não experimenta, quem não questiona a tradição, também não avança.
Os nossos chefes andavam ocupados demais a descobrir umas ervas daninhas para nos impingir como salada “selvática” para perderem tempo a verificar as “regras” da cozedura das massas. Aquilo que era irrisório e que, para mais, toda a gente dizia, estava certo de certeza, não era? A massa coze-se em muita água a ferver em cachão, panela destapada, na razão de um litro para cada 100 gramas! Dizia a mamma, dizia o livro, dizia o chef!
Vitória da democracia: A Verdade é o que a maioria diz que é verdade.

Se a cada semana, um milhão de famílias portuguesas cozinhar 500g de massa desta maneira, gastará no processo 5 milhões de litros de água, mais do que a água de 3 piscinas olímpicas**. Por semana!

No mundo a morrer à sede de água potável, que desperdício de água e de energia! Que inutilidade!

A massa não tem de cozer em muita água!
A massa não tem de cozer a ferver em cachão!
A massa não tem de cozer em panela destapada!


Um litro e meio de água chega e sobeja para cozer 500g de massa, em panela tapada e lume no mínimo.
Depois é tudo igual, a massa não pegou nem colou, cozeu na perfeição e poupou ….. duas grandes piscinas olímpicas.

Nota:
*AK47 lendária espingarda-metralhadora russa, a Kalashnikov, famosa pela sua rápida cadência de tiro, muito igual ao ritmo matraqueante de corta-legumes de alguns dos nossos chefs mais circenses, ou talvez em despique com a Bimby?!
** Piscina Olímpica: 50x22m – 1650m3

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Tiramisu (sustentável)

O prometido é devido!
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Para dar ao meu mascarpone o destino mais comum que este queijo costuma ter entre nós, abalancei-me neste fim de semana ao meu primeiro Tiramisu (e último, que eu odeio café doce!!!).
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Tal como vos disse no post anterior, o mundo está literalmente atravancado de receitas deste doce lendário, estou certo que todos os que me lêem o sabem fazer (e se não sabem, escrevem tiramisu no browser...) e portanto, não vou alongar-me em mais uma fastidiosa cópia (neste caso daqui), que, naturalmente adaptei, fundi e simplifiquei.
Há, no entanto, um aspecto que gostava de realçar e que é o da utilização do pão-de-ló em vez dos agora habituais palitos Champagne industriais. Fi-lo como habitualmente com 4 ovos e 125g de açúcar e outro tanto de farinha com fermento e ficou assim:
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Usei café 100% arábica, Colombiano, e licor de coentro, caseiro, para embeber o bolo e polvihei com cacau puro e raspas do novo Lindt 99% de cacau, um "espanto" só acessível aos incondicionais do tom amargo.
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Nota:
O "mascarpone" portou-se como se esperava, ou seja, pelo menos tão bem como o irmão viajado que parla em vez de falar. Quem conhece tiramisu não regateou elogios e o ambiente, claro, discretamente, agradeceu!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Mascarpone" amigo do ambiente

Se escrever “tiramisu” no google, obtém qualquer coisa como 4.520.000 entradas, das quais um terço correspondem a receitas deste maravilhoso doce italiano que, à força de estar na moda e ter-se tornado um doce global, já entrou na inevitável via de todos os pratos em voga, ou seja, foi sujeito a anos de simplificações, tipo “bacalhau à Brás com batatinhas de pacote”, sendo hoje raro encontrar um Tiramisu que não seja composto com os inevitáveis palitos Champagne, às vezes ainda chamados “la reine” vá lá saber-se porquê.

Houve quem, ao ler o post anterior, tivesse sido levado a pensar que eu era contra receitas originais o que, como quem me costuma ler bem sabe, está o mais longe possível da verdade: apenas penso que determinados purismos de ingredientes são totalmente despropositados, nomeadamente o uso de ingredientes absolutamente banais mas que, por serem para confeccionar uma receita de origem distante, se pensa que devam ser feitos com os ingredientes lá do sítio original.

O planeta não aguenta purismos destes!
É um pretensiosismo arrogante pretender que só se pode usar o processo “risotto” com o arroz cultivado em Itália.
É ridículo achar que deve usar requeijão italiano só porque a receita diz “ricotta”, quando nenhum ricotta chega aos calcanhares do requeijão de Seia ou São Romão. E “ricotta” é “requeijão” em italiano, mais nada!
Nada justifica que um simples requeijão venha viajar 3 ou 4000 km, envenenando o ambiente e encorporando uma quantidade enorme de energia suplementar desnecessária só para se chamar …… ricotta!

Como o próximo post será dedicado ao Tiramisu, mas sustentável, vamos agora ver de perto o que é o seu principal ingrediente italiano, o queijo mascarpone, e como evitar sem prejuízo do sabor, a utilização desse queijo cremoso italiano, afinal bem substituível.

O Queijo Mascarpone, que até nem é queijo, é, na realidade, uma nata acidificada cremosa e escorrida. É feito em toda a Itália com leites das origens mais diversas, por processos industriais banais. Não utiliza qualquer leite regional especial ou técnica artesanal. Ou seja, é substituível pelo “nosso” mascarpone que fica delicioso, barato, amigo do ambiente e se faz assim:

Ingredientes:

200ml de Natas UHT “para bater”
200ml de Natas UHT Light ou “para cozinhar”
2 colheres de sopa de Sumo de Limão
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Preparação:

Despeje as natas numa panela, misture bem e leve ao lume em banho-maria. Pode usar, em vez das UHT, natas pasteurizadas; o resultado final é, no entanto, o mesmo, e as UHT são muito mais baratas. Deixe atingir a temperatura de 85ºC.
Mexendo sempre, junte o sumo de limão, que provocará um espessamento imediato. Continue a mexer por 2-3 minutos, no banho-maria a 85ºC e leve ao frigorífico por algumas horas até estar bem frio e muito espesso.

Prenda um pano fino na boca de uma panela com o auxílio de um elástico e ponha esta massa a escorrer durante a noite, no frigorífico.
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De manhã terá um magnífico “mascarpone” para uso em Portugal, delicioso, barato e amigo do ambiente.
Este, que fiz hoje, vai servir para o Tiramisu de fim-de-semana, de que vos falarei na Segunda.
Bom Fim-de-Semana!

Nota:

E se, mesmo assim, achar que este mascarpone dá demasiado trabalho em relação a ir ao super comprar uma embalagem italiana, pode fazer um substituto muito fácil e de efeito excepcional para o tiramisu (apesar de, neste caso, não se tratar de mascarpone): Escorra 6 iogurtes naturais num passador de rede durante cerca de 8 horas. Com o iogurte “grego” obtido, misture meio pacote de nata “para montar” e bata com um pouquinho de sal fino até obter uma consistência lisa e aveludada. Use no tiramisu, como se fosse mascarpone.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Gastronomia Sustentável


Quando um barco se afunda, as águas geladas acolhem sem distinção os passageiros da luxuosa 1ª classe e também os desgraçados que se amontoam nas camaratas de 3ª.

Se outras não houvesse a extrair, essa lição igualitária podia bem ser a maior a aprender de catástrofes como a do Titanic, hoje reduzida a uma historieta cinematográfica lamecha, de lágrima fácil e planos grandiosos para encher o olho e esconder a metáfora evidente, assustadora e surpreendentemente actual, na qual os actores somos nós, todos, seis mil milhões de embarcados nesta titânica nave em colapso que se chama Terra.

Teoricamente, se dividirmos a área do planeta pelos seus habitantes, obteremos cerca de 1,8 hectares pessoa. Esta área, um pouco menos de dois campos de futebol por pessoa, é o limite da sustentabilidade da vida na Terra.

No entanto, desde 1999, a média de consumo per capita no mundo é de 2,2 hectares, cerca de 25% a mais do que o planeta pode suportar. E estamos a falar de média, é claro.

À área de planeta utilizada por cada um de nós para vivermos, chama-se “Pegada ecológica” e aqui as assimetrias entre a 1ª e a 3ª classes são colossais: o consumo de um somali “ocupa” 0,4 hectare, um norte-americano usa 9,6 hectares e um europeu, nós, 4,8 hectares.
Ou seja, se todos no mundo consumissem como nós, na Europa, seriam precisos quase 3 planetas (2,66) para nos mantermos.
O planeta que nos foi emprestado, apesar de gostarmos de lhe chamar nosso, está a morrer às nossas mãos e de entre as muitas atitudes irresponsáveis ou até criminosas que constituem o nosso modo de vida, a atitude perante os dilemas alimentares, culinários e gastronómicos é das mais importantes na determinação do tamanho da nossa pegada ecológica.

Porque as alimentação, culinária e gastronomia são e foram desde o seu início as razões de existência deste blog e, apesar de ser um pequeno blog ao pé de outros, o certo é que quatro dezenas de milhar de visitas só este ano, geram uma responsabilidade que não estou disposto a sacudir do meu “capote”.
Se herdei um planeta doente mas vivo, não tenho o direito de deixar um planeta de morte aos que aqui ficam depois de mim.
É por isso que o Outras Comidas deixa de ser, a partir de agora, aquilo que tem sido desde o seu início: uma crónica bastante irresponsável das comidinhas boas que eu vou fazendo, por sua vez cópias dos milhões de receitas também irresponsáveis que, por todo o mundo, arrogantemente, vão difundindo práticas culinárias exóticas que, aliadas ao eterno seguidismo cego bem português em relação a tudo o que vem de fora, faz aqui, quase sempre, que se consiga ficar ainda mais igual ao original que o próprio original!

É triste que num país com queijos fabulosos, se ache que é legítimo emitir uns quilos de dióxido de carbono para importar de avião um queijo, um presunto ou iogurte gregos ou italianos, que lá, naturalmente, são os usados porque são os que lá se fazem!
É triste que a delícia que é o Tiramisu seja manchada por essa exigência provinciana de ter de se usar o “legítimo” Mascarpone, feito a 3000 quilómetros daqui e portanto responsável por mais um pouco do efeito estufa que nos aflige.

Do mesmo modo que, há tempos, alguns blogs se dedicaram a compor refeições a preço módico, também a partir de hoje o Outras Comidas passará a pautar as suas intervenções pelo grau de predação ecológica que esse prato produz e na procura do modo de, activamente e sem desculpas, minorar a sua contribuição para desfigurar esta nossa belíssima casa.