Com a enorme variedade de pormenores que sempre caracterizam as receitas populares, mais sujeitas a saberes do que a cânones, as broas fervidas da região ribatejana, determinam um modo básico de confecção, que as definem sem as subjugarem.
Cada "broa fervida" é feita pela receita "da avó", umas levam café, outras só mel, umas farinhas de trigo e milho, outras só trigo, umas canela, outras erva-doce, quase todas nozes, algumas amêndoas... e são todas deliciosas, todas "broas fervidas", cada um puxa a brasa à broa da sua infância e têm todos razão.
Eu não sou ribatejano e, para mim, broas fervidas são uma iguaria que não dispenso a acompanhar o café, sempre que o passeio me faz passar por Abrantes, Torres Novas, Ponte de Sôr...
Este ano, em que o Outras Comidas esteve vergonhosamente encerrado*, para que se não dissesse que 2024 tinha passado em vão, decidi compor as minhas broas fervidas, que são por isso... as minhas.
Para estas broas fervidas, troquei praticamente tudo o que as "normais" levam, só assim fariam sentido, só se fossem algo novo, algo que eu não pudesse comprar por meia dúzia de Euros, à escolha.
Foi assim que nasceram as broas fervidas de água-mel e cidrão.
A água-mel é um subproduto da cresta do mel, pouco conhecida, uma espécie de "mel-de-segunda" feita com os resíduos que ficam nas alças, ceras, utensílios do apicultor. Dessa "água" açucarada, depois de concentrada por fervura, fica um melaço negro e viscoso como o melaço de cana com que se fazem aqueles bolos típicos da Madeira : é a água-mel.
É uma delícia e, em princípio, só a poderá obter junto de um apicultor.
Do cidrão já aqui falámos detalhadamente e continua a ser uma raridade quase inatingível a menos que o faça, como eu faço.
Ingredientes :
500g de farinha de trigo 55
100g de farinha de amêndoas
250g (+50g) de cidrão cristalizado
100g de nozes picadas
25g de gengibre cristalizado, picado muito fino
1 c. chá de canela
350g de água-mel
250g de azeite**
Preparação :
Pique as nozes, o gengibre cristalizado e o cidrão (excepto a parte que servirá para enfeitar a broa) e misture com o resto dos sólidos.
Leve ao lume a água-mel e o azeite, que pode ser do refinado**, até ferver e junte então os sólidos, mexendo sempre até a bola de massa se soltar do fundo, como acontece quando se coze farinha para massa de choux ou rissóis.
Deixe arrefecer até estar manuseável, tenda broínhas com mais ou menos o volume de uma colher de sopa e disponha num tabuleiro forrado com papel de fornear.
Coloque um pedaço de cidrão em cada broa e leve a forno a 180°C durante cerca de 10 minutos. Este tempo é que determina a consistência mais dura ou mais tenra da broa e deverá fazê-las a seu gosto, naturalmente.
Ainda quentes, passe por açúcar e estão prontas. Conservam-se muito tempo e nunca endurecem.Maravilhosas para acompanhar o café.
Notas: * O Outras Comidas foi (é!) uma aventura que começou com o blog que o precedeu (Comidas Caseiras) no longínquo 2007, tchiii! já vão 18 anos, uns fortes outros fracos, como em tudo na vida, sem qualquer pretensão editorial e em que fui cometendo e continuo a cometer o "crime" da independência. Por aqui nunca mandaram outras regras que não fossem as do meu gosto, nunca embarquei em modas, regras da "boa" cozinha, mitos, pressas ou seguidismos de "chefias" de hotelarias mais ou menos estreladas ou pretensas sacralizações por antiguidade ou costume. Sempre e só a cozinha que eu faço para mim e para os amigos, do que gosto e como gosto, quero lá saber que alguém ache que sabe como "se deve" comer isto ou aquilo, e pior ainda, que ache que pode dizer aos demais que o seu gosto é que é o "certo".
Esta independência foi sempre a força do Outras Comidas, mas também a sua fraqueza: como não faço cedências a obrigações, vendas ou patrocínios, as comidas, as que eu como realmente, vão escasseando, na verdade cerca de 800 receitas depois, já não há muito para publicar, sem cair em repetições. Essa é uma das razões para as prolongadas ausências, que alguns amigos me têm feito notar, e bem. Já ir no 70° ano de vida, com os seus achaques e vagares, também não ajuda.
Mesmo assim, não quis passar 2024 em vão. Aqui ficam estas deliciosas (e originais!) Broas Fervidas de Água-mel e Cidrão, com votos de um excelente 2025 para todos vós. Tentarei vir aqui, em 2025, sempre que puder.
** O uso de azeite virgem em fritura ou qualquer preparação culinária que implique o seu aquecimento forte é pura perda. De facto, o que faz um azeite ser virgem, de qualidade extra ou não é, entre outros, o facto de ser extraído a frio. Assim que aquecido, qualquer azeite deixa de ser virgem e passa a ser igual a um azeite refinado, geralmente designado por "tradicional" e que é uma mistura de óleo refinado de azeitona e azeite virgem. Desde que não seja para consumo cru, o uso de azeite "virgem extra" é, do ponto de vista culinário, tão útil como temperar uma panela de batatas cozidas com flor de sal.
4 comentários:
Seja bem-vindo!
Jorge Portas
Seguidor desde o início, após mais de ano e meio de vazio só posso dizer: seja muito bem vindo.
Senhor Luis Pontes da minha parte um grande, um enorme muito obrigado por todo este seu trabalho.Aprendi muito com o Senhor. E temos (os meus amigos e eu) vivido melhor praticando os seus ensinamentos. Se puder, e Deus queira que possa, continue tal como se tem apresentado. E siga a ensinar-me, que também tenho 70 anos e muito pouca pachorra para s Tias, os Chefes e etc. Bom Ano de 2025.
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