terça-feira, 17 de junho de 2008

Sopa Alentejana ( Açorda )



Quando eu era miúdo era chamada, lá em casa, “sopa de alho”, porque na verdade, para grande desgosto da alentejaníssima Gina, o coentro era então uma raridade difícil de encontrar nos mercados da capital. As distâncias ainda não tinham sido encurtadas, a primeira ponte sobre o Tejo era ainda a de Vila Franca de Xira , e os pobres coentros uma curiosidade longínqua que se trazia de “lá”, um pouco como hoje ainda acontece com a Hortelã da Ribeira ou mesmo com o Poejo fresco.
Era uma sopa mal vista e a miudagem só a podia comer em momentos de especial condescendência materna, que aquilo deixava muito a desejar em termos de correcção nutricional para gente em crescimento. Como em tudo, a escassez alimentou a aura e o desejo e a singelíssima sopa de alho, depois “alentejana”, ficou no nosso imaginário como algo de raro e precioso, até hoje.
Mais de trinta anos depois, quando eu próprio rumei ao Sul, após ter passado pelas inevitáveis charlas, tão do gosto do Alentejano, baseadas na diferente significação local dos termos “açorda”, “migas” e “sopa”, percebi que afinal existiam, não uma, mas duas “sopas alentejanas”: a Pobre e a Rica, ou melhor, a “dos pobres” e a “dos ricos”!
População que passou, não há muito, por verdadeiras endemias de fome e miséria extremas, isto em tempos de gerações ainda vivas, quando o acesso a proteína era um luxo de poucos, o simples facto de usar um pouco de bacalhau e a água da sua cozedura fazia esta sopa ser algo que distinguia socialmente em relação a quem só chegava ao pão e, com sorte, a um ovinho.
Hoje renegada como coisa a exorcizar, é raro ver um alentejano comer a sua açorda tradicional; como a pobreza acabou, hoje só comem da “açorda rica”, ou de bacalhau. É pena! Quanto a mim não há nada que chegue à pureza mágica dos sabores do alho e do coentro na água a ferver sobre o casqueiro e as gemas a escorrer devagar, cremosas e intensas nas olhas de azeite. Aprendi a fazê-la com o rigor das coisas que se pressentem sagradas, com amor. Assim:

Ingredientes (2 pessoas):

1 molho de Coentros
2 dentes de Alho
4 Ovos
Pão alentejano ou de 2ª, duro
Água e sal
2 colheres de sopa de vinagre.

Preparação:

Ponha ao lume cerca de litro e meio de água com sal. Descasque os alhos, corte o pé e lave rapidamente os coentros, que perdem aroma com lavagens demoradas, meta alhos e coentros no almofariz com um pouco de sal grosso e esmague até ficar uma pasta. Se quiser despachar o assunto, faça-o no copo com a varinha, aqui sem o sal, e com um pouco de água para ajudar.
Quando a água da panela ferver, apague o lume e deite na panela os coentros e os alhos moídos. Deixe infundir.
Entretanto, ponha numa panelinha à parte, água com sal e o vinagre, com uma altura de cerca de três dedos e deixe ferver. Apague o lume e deposite nesta água, com todo o cuidado, os ovos previamente abertos para uma chávena de café, um a um. Tape e deixe ficar assim.
Corte o pão em pedaços, em falha, de modo a que todos os pedaços tenham côdea e miolo, para dentro de uma terrina, tendo em atenção que vão aumentar de volume. O pão não deve ultrapassar a meia altura da terrina. Regue com um fio de azeite virgem.
Despeje a água onde infundiu os coentros, bem quente sobre o pão e deixe ensopar, ajudando com uma colher de pau, se necessário.
Verifique o estado dos ovos que devem estar com a clara totalmente cozida e dura, mas a gema ainda mole, cremosa. Tire-os e disponha-os sobre o pão. Sirva logo.

7 comentários:

Marizé disse...

A minha mãe ainda hoje faz a sua açorda pobre de vez em quando.
Agora gosto bastante mas quando era miuda, torcia o nariz.

Bj

risonha disse...

foi um prato sempre muito apreciado na minha casa, em especial pelo meu falecido pai que se perdia por uma boa açorda.
ainda hoje faço muitas vezes com a água de cozer o bacalhau.

cupido disse...

Feita assim é muito boa. Detesto as pseudo açordas que já comi (agora já não arrisco quase nada).

anna disse...

Que terrina tão gira!!!
A minha mãe faz uma açorda assim parecida e eu adoro...
Beijo.

Anónimo disse...

JF...
fiz esta sopa, ficou maravilha.
Recomendo.
Abraços a eles
Beijos a elas

Anónimo disse...

hmm mnham mnham, é deliciosa!! tambem comia mto na casa da minha mae e avo e hj deu me uma vontade daquelas de fazer cá em casa e... vou seguir a receita..nao com pao alentejano..visto que estou nas Caldas da Rainha ;)

Obrigada

Rita

patricio branco disse...

acompanhada de azeitonas pretas sendo o vinho tinto novo o indicado para acompanhar a açorda.
uma gema de ovo batida misturada no caldo rapidamente também a enriquece (igual ao que se faz com a açorda de pão lisboeta)-
A açorda alentejana tambem acompanha bem sardinhas assadas, servidas em prato ao lado