...................... Ele há dois tipos de tradição: uma, a mais habitual, que resulta do trabalho dos antropólogos e de outras boas intenções e que nos apresenta a tradição devidamente recolhida, conservada, mumificada numa perspectiva histórica em que nós entramos sempre como uns turistas numa viagem pelo espaço-tempo, numa arte de ir viver aquilo que já não é.
São as feiras medievais, os jantares históricos, os restaurantes ditos típicos porque têm uns alhos chochos pendurados e umas alfaias de antanho pelas paredes, a receita que foi da avó e que toda a gente esqueceu e que agora se ressuscita do baú do sótão e toda a gente se põe a fazer e chama de tradicional mas é só velha e morta.
Por vezes temos tendência para ver estas fantasias como tradição mas não passam de um
role-play mais ou menos revivalista; pode ser divertido mas daí não passa.
A verdadeira tradição é aquela que, vivida, sobreviveu. Aquilo em que o antigo se tornou, com todas as aquisições que o tempo lhe conferiu.
Uma visita a uma pulperia galega de feira, é uma experiência inesquecível, com tudo o que implica de tradição, de céltico, de pagão, mas verdadeiro e telúrico, com coca-cola ao lado do viño Ribeiro, sem vestígios de preservação cultural-intelectual!
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Esta é uma das três pulperias de Padrón, onde, durante uma manhã de feira (Domingos), serão cozidas nas grandes panelas de cobre umas centenas de quilos de delicioso polvo galego.
Se puder, passe por lá num Domingo qualquer, de manhã (conte com 1 hora de carro desde Valença a Padrón, pela N550. Pela auto-estrada é mais rápido mas não tem metade da graça). Se não puder, compre um polvo e faça assim:
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Ingredientes:
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1 polvo com cerca de 1,5-2,5 kg
1 cebola
Sal grosso
Flor de Sal
Pimentão doce em pó
Pimentão picante em pó
Azeite Virgem extra
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Preparação:
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Limpe o polvo de todas as vísceras, do dente e dos olhos.
Se dispuser de tempo, congele o polvo durante 24 horas e deixe descongelar. Se não dispõe desse tempo, terá então que sovar o polvo com um pau, cuidadosamente, percorrendo cada uma das oito patas e batendo, centímetro a centímetro, realmente com força.
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Se pensar que o polvo se está a desfazer com tanta brutalidade, não se preocupe: ele tem uma inacreditável capacidade para se regenerar das feridas sofridas durante a tareia.
Entretanto, não duplique as operações de atenrar o polvo, quer dizer, se congelou ou se o polvo é congelado (o do Pingo Doce é realmente muito bom, e galego!), não o sove, sob pena de ficar tenro de mais e perder a textura peculiar.
Após a sova (ou o descongelar), ponha uma panela com água ao lume, com uma cebola partida ao meio,
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e quando estiver a ferver, pegue o polvo pela cabeça, enfiando no saco o indicador, e mergulhe-o nesta agua. Retire e quando a água ferver de novo , repita o mergulho.
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Faça ainda um terceiro mergulho em água a ferver após o que o polvo deve cozer em panela tapada (não de pressão) durante exactamente 45 minutos, independentemente do seu tamanho. Tirado antes de tempo ou deixado para além deste número de ouro, fica inevitavelmente rijo.
Retire o polvo da água, corte em pedaços para uma travessa ou para o tradicional prato de madeira, (este ano adquiri finalmente o meu, que aqui se estreou!),
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polvilhe com flor de sal e uma mistura a meio por meio de pimentão doce e pimentão picante e regue com azeite.
Come-se acompanhado de pão escuro e de vinho tinto, de casta Ribeiro, neste caso um caseiro de Barrantes, um vinho que parece ter sido feito de propósito para o
pulpo!
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Também é muito bom com o
Albariño das
Rias Bajas, um branco delicioso que não tem nada a ver (nem a comparar) com o nosso Alvarinho verde; é antes parecido com os Alvarinhos feitos como maduros, de que vos falei
aqui.