Quando há tempos vos falei aqui de lingueirão à Bulhão
Pato, disse-vos quase tudo sobre as pequenas manhas a observar quando da
aquisição e depuração deste bivalve, tão excelente quanto mal-amado. Hoje irei
falar-vos do modo como o lingueirão é mais usado em Portugal: o arroz de
lingueirão.
O arroz de lingueirão é normalmente feito como qualquer
arroz de marisco ou de peixe, utilizando para a cozedura do arroz o caldo
obtido do marisco e um refogado mais ou menos puxado de cebola, alho, tomate, salsa
ou coentros, especiarias a gosto, pimento fresco às vezes e pouco mais. Estes
ingredientes e as pequenas variações qualitativas e quantitativas que cada
cozinheiro imprime aos seus pratos, são o que basta para se obter belíssimos
arrozes de lingueirão, embora eu ache que o delicadíssimo sabor do que deveria
ser o rei do prato, sai algo abafado pela força dos refogados, nomeadamente do
ácido do tomate.
De anos de experiências, a velha escola da tentativa e
erro, nasceu este arroz de lingueirão, que é feito aliando várias técnicas,
daqui e dali, confecção como um risotto, rejeição
total do tomate, o uso do açafrão legítimo para abrir todo o sabor do marisco
como numa paella, enfim, é a isto que
chamo fusão, termo que normalmente anda associado a umas misturas mais ou menos
ad-hoc e espalhafatosas que nos
impingem e que a gente papa e diz que gosta mas cá por dentro vamo-nos
perguntando, muito caladinhos para não sermos tomados por broncos, “que raio é
que manga ou guacamole têm a ver com
sardinhas assadas”?
Ingredientes:
Lingueirão pequeno, bem depurado
Azeite
Cebola nova
1 dente de alho
1 cravinho
1 folha de louro
Piri-piri a gosto
Açafrão legítimo (em estames)
Pimenta preta
Sal marinho
1 copo de vinho branco, muito seco
Arroz de bago curto (carolino, carnarolli, bomba, etc.)
Preparação:
Compre e depure o lingueirão como se disse aqui.
Abra o lingueirão rapidamente, sem deixar cozer e reserve o
marisco e o líquido.
Refogue num fundo de azeite com baixa acidez, sem deixar
fritar, a cebola que deve ser dessas novas e ainda sem casca formada, com alho,
cravinho e louro que devem estar presentes em muito pequena quantidade, os
estames de açafrão e a pimenta.
Junte o arroz, envolva no refogado e quando estiver
translúcido adicione de uma só vez o vinho, que deve ser bem “seco”, isto é,
sem traços de doce (uso o BSE de José
Maria da Fonseca). Deixe evaporar bem todo o álcool antes de começar a juntar
aos poucos o caldo onde abriu os lingueirões, um pouco de cada vez, mexendo
sempre para que fique bem cremoso.
Quando o arroz estiver a seu gosto, o que ocorre entre 12
e 20 minutos depois, consoante a variedade do arroz (deve estar perfeitamente
cozido mas não com o bago aberto; isto é fácil com os arrozes para risotto ou paella e um pouco mais trabalhoso para o carolino*),
junte então os lingueirões, bem frios, cuja função é
também baixar a temperatura do arroz e impedir que continue a cozer fora do
lume.
Sirva logo.
O próprio BSE
usado no arroz, fresco, é um belíssimo acompanhante, bem como um alvarinho, o Pingo Doce - Anselmo Mendes ou, melhor
ainda mas mais caro, o Soalheiro 2011.
Nota: * …embora o carolino,
principalmente se oriundo do Mondego ou de Alcácer do Sal, bata aos pontos os
congéneres estrangeiros em matéria de sabor. Cuidado principalmente com alguns
“carolinos” vendidos baratos como marca branca de supermercado e que são
totalmente decepcionantes, suponho que nem carolino sejam.
7 comentários:
Que aspeto delicioso tem este arroz cremoso de lingueirão,assim que os encontrar vou experimentar.
As sugestões que apresenta,despertam o apetite e temos a sensação de poder experimentá-las com sucesso.
Sem dúvida são fundamentadas na experiência de quem sabe apreciar boas comidas,feitas com ingredientes de boa qualidade, bem portugueses.
Caro Luís,
Gostaria de colocar-lhe uma questão relativamente à receita do coração, nomeadamente sobre o vinho.
Mais uma vez, mais do que branco ou tinto o que interessa são as características do vinho?
O que acha do monte dos pegos 2009ntinto para o efeito?
Jorge
Caro Jorge,
Branco ou tinto para cozinhar não é realmente a mesma coisa, não pela cor mas porque são vinhos muito diferentes na composição (taninos nos tintos, ácidos livres nos brancos, etc.). Sendo que o álcool vai todo embora na primeira fervura, o que interessa é o que fica depois, sendo que nalguns pratos como a chanfana ou o coq au vin interessa a adstringência que os tintos deixam, noutros interessa a acidez que os brancos deixam (a maioria dos casos), razão porque se usam os secos, para não deixar traços doces no cozinhado, a menos que se queira essa doçura e então usam-se generosos como o Porto ou Madeira.
Quanto ao Monte dos Pêgos 2009, acho que é, como qualquer vinho de 8€ a garrafa, para beber e mais nada. A ideia dita "gourmet" de queimar vinhos muito bons a cozinhar é, na minha opinião, apenas mais um dos muitos exibicionismos com que nos atiram à cara a "gordura" das suas contas bancárias.
"(taninos nos tintos, ácidos livres nos brancos)" - esta composição avalia-se essencialmente pela textura e pela prova do vinho?
Pois, de facto parece ridículo gastar uma garrafa desse preço em comida, mas há três factos a ter em conta na minha questão: 1) Comprei as garrafas a menos de 50%; 2) Ainda não sei apreciar bem vinhos, mas a verdade é que gosto muito mais de alguns vinhos de 2 euros do que este, que sinceramente, não é do meu agrado; 3) Se não gastar na culinária, provavelmente vai-se estragar, e isso seria o maior crime.
Mas por outro lado, também não queria estragar o coração com um vinho desadequado, e para todos os efeitos, tenho uns pedaços de novilho no frigorífico para utilizar o vinho! Mas a carne vermelha tem de ir com calma :)
Obrigado pela resposta :)
Sabes, eu e o lingueirão tivemos um 1º encontro que não correu nada bem, até hoje...
Este teu arroz tem um belíssimo aspeto, capaz de fazer esquecer as «desgraças» passadas...
Adorei saber que também achas que juntar tomate abafa o sabor genuino dos mariscos!
Beijinhos.
Olá Luis,
Boa noite
Outro dia fiz uns rissóis de bacalhau segundo a receita do livro de "Comidas Caseiras. Ficaram saborosíssimos. Mas quando fritá-mos, depois de estarem 3 ou 4 dias congelados, alguns rebentaram. Sabe qual é a razão para isto?
Obrigado
A. carlos
Caro anónimo,
Eu não respondo por princípio a anónimos, mas como conseguiu (não sei como) furar essa barreira na formatação do Outras Comidas e apareceu aqui, cá vai:
A maior parte das vezes o que provoca o rebentamento de rissóis ao fritar é o facto da fonte de calor não ser suficientemente enérgica para que a fritura exterior se dê sem que a temperatura interior suba até `100ºC e o vapor gerado provoque uma bolha na massa exterior e o seun rebentamento. Quando o rissol está ainda por cima congelado ou muito frio arrefece o banho de fritura e prolonga o processo com o inevitável rebentamento. Nestes casos frite poucos de cada vez com o lume ao máximo e o óleo/azeite bem quente.
( e se, agora, soubesse com estou a falar, podia despedir-me educadamente, não era?)
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