Isto
de se ser lisboeta mas ter vivido muitos anos no Alentejo, cria problemas de
linguagem dignos de estudo semiótico, em muitos e diversos campos mas com
especial relevância para as coisas relativas à cozinha e aos comeres.
Hoje,
que o tema para esta 102ª Trilogia
com a Ana e o Amândio é, nada mais nada menos que “açordas”, surge o antigo dilema entre a alma alfacinha, para quem
uma açorda é aquele delicioso preparado pastoso, à base de pão e cujo expoente é
a de marisco, e a alma alentejana, para quem a açorda é uma sopa de sopas de pão
e a “açorda” lisboeta são as migas, pois claro!
E no meio, eu, que gosto tanto
das duas, açordas e culturas…
Prevaleceu
desta vez o nascimento, perdoem-me os amigos alentejanos que tantas vezes me
demonstraram, apaixonadamente, que migas é que estava “certo”, mas hoje, para
falar destas vossas migas de tomate, vou chamar-lhes como por aqui se fez e
faz, Açorda de Tomate!
A
açorda de tomate, outrora muito vulgar, é um prato que, quando comparado com
frequências passadas, se pode considerar como que em declínio e hoje já só
aparece numa das suas versões, a que leva cebola e coentros para além do
tomate, que era a versão usada para acompanhar peixe frito, tendo a versão para
carne feita apenas com tomate, alho e por vezes massa de pimentão, caído no
esquecimento.
É
esta última açorda de tomate, quase não refogada, que eu mais aprecio e que
evidencia o sabor e os ácidos do tomate bem maduro do Verão, também ele uma
raridade que já quase não chega às cidades, que aqui vos vou deixar, neste caso
a acompanhar uma outra delícia, os croquetes de rojões, de que um dia vos
darei conta.
Ingredientes:
Pão
duro
Azeite
Alhos
Massa
de pimentão (facultativa)
Tomate
bem maduro
Sal
e pimenta
Preparação:
Pele
o tomate, desfaça-o grosseiramente entre os dedos e leve-o ao lume com alguns
dentes de alho e massa de pimentão se quiser, num fundo de bom azeite.
Demolhe
bem pão duro, de massa firme como o alentejano e outros pães rústicos.
Deixe
o tomate cozinhar, evaporando os seus sucos mas sem deixar fritar (refogar).
Quando isso começar a acontecer, junte-lhe de uma só vez o pão encharcado,
tempere de sal e pimenta e vá mexendo sempre
até que a açorda, bem cozida, se
solte do fundo do tacho.
Vire
esta açorda na pedra untada de azeite,
envolva-a e molde-a, com cuidado para
não se queimar, formando um “chouriço” que recolhe para uma travessa.
Serve
para acompanhar carnes de porco, neste caso foram croquetes de rojões, um
petisco inolvidável, cuja história fica para um outro dia.
Para
acompanhar peixe, a açorda de tomate começa por um refogado de cebola, alho e
tomate, mais puxado que este e é costume usar-se coentros e alguma hortaliça
incorporada, como grelos ou couve migada.
6 comentários:
No way! Isso são migas em todo o Alentejo, terra das migas e da açorda. Lisboa erra escandalosamente nas migas, nas açordas, em tudo o que seja alentejano, sabem lá eles! Aqui no Alto, Marvão, Castelo de Vide, Portalegre, o triângulo maravilha, fazêmo-las com tirinhas de pimento também e só com pão, só com batata ou com pão e batata que é como são melhores. Acompanham carne de porco grelhada ou frita e no azeitinho inicial fritamos rodelinhas de chouriço e tirinhas de toucinho que depois se juntam à carne. Coentros? never!
Obrigado, Isabel I pela contribuição, de que muito gostei, excepto, como sempre, nas partes em que descai para o bairrismo, que, como todos os bairrismos e clubismos, tende a menorizar a diversidade e a fechar horizontes. As migas do "triângulo maravilha" (que eu adoro!) são isso mesmo, as daí, felizmente diferentes das que se fazem por Portugal inteiro, desde Trás-os-Montes ao Algarve e em Lisboa, onde se chamam açordas e mesmo noutras partes do Alentejo onde levam coentros e em quantidade e não são por isso menos "verdadeiras" que as de Marvão. Numa cozinha tão diversa e rica como a portuguesa, os preparados de pão estão longe de ser um exclusivo da região que mais os celebrizou, até há sítios onde as migas/açordas se chamam papas e não são piores ou menos genuínas por isso. Conhecer o que se faz por aí fora e não só o que faz no nosso quintalinho é a melhor atitude para aprendermos que nisto de cozinha nunca se diz "never", (ou jamé, como o ministro de triste memória).
Peço desculpa pelo bairrismo, não pretendo com ele menorizar nada nem ninguém, apenas enaltecer a minha terra, desertificada, envelhecida e esquecida e dar a conhecer os seus tesouros, a gastronomia um dos mais valiosos. Conheço alguma coisa do que se faz por aí fora, em Portugal e no resto do mundo mas... desculpe-me outra vez o "bairrismo", a nossa terra é como a nossa mãe, o que aqui se faz sabe melhor.
Nem me vou meter... digo que achei lindos os croquetes/bolinhas.
Beijinhos.
deve ser bom. e não me parece assim tão comum por aí.
http://merceariacaseira.wordpress.com
De migas e açordas, gosto absolutamente de todas as que já tive oportunidade de provar! E gabo-me de conhecer bastantes... Fico é à espera dessa receita de croquetes de rojões ;)
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