A grande diferença entre os
modos de abordar a confecção de uma peça de carne, prende-se com a temperatura
a que a submetemos e, logo, com as temperaturas que as partes interiores dessa
peça atingem. Poderemos dizer que, grosso
modo, se pode cozinhar carne a alta ou a baixa temperaturas.
A esmagadora maioria dos pratos de
carne são cozinhados a alta temperatura, quer isto dizer que, seja no tacho ou
no forno, com ou sem selagem prévia, a carne é sujeita a temperaturas entre os
100ºC e os 200ºC por períodos mais ou menos prolongados ao fim dos quais está
guisada, estufada ou assada. Ficaremos por aqui quanto a esta opção, por demais
conhecida, e vamos debruçar-nos sobre o outro método, muitíssimo menos
utilizado apesar de ir ganhando paulatinamente adeptos, a cozinha lenta de
baixa temperatura, com a qual nunca se farão pratos em trinta ou quinze minutos,
mas também isso não interessa nada, que cozinha “rápida” é para quem gosta
tanto de cozinhar que apenas se quer despachar da tarefa. Outros mais sábios do
que eu têm dedicado a essa cozinha sem o ingrediente tempo, compêndios e
programas de televisão; aproveite quem quiser.
O termo confitar (do francês confit) usou-se inicialmente para
designar uma carne que era cozinhada a baixa temperatura imersa na sua própria
gordura, como o célebre confit de canard
e os rojões em banha do Alentejo, ou em gordura alheia como no caso do bacalhau
confitado em azeite. Hoje, indo mais ao
que é essencial no processo, chama-se genericamente um confitado a uma carne (ou
peixe) que é cozinhada protegida do contacto com o ar, a uma temperatura superior
àquela em que se dá a hidrólise (cozedura) das suas proteínas mas sempre
inferior à temperatura de ebulição da água (100ºC) de modo a impedir que os
sucos e humidades internas da peça passem ao estado de vapor e saiam da peça,
secando-a. São por isso confitados, para além dos tradicionais, isolados por
uma gordura líquida que os cobre, as peças cozinhadas a temperaturas inferiores
a 100ºC embrulhadas em alumínio (papelotes), em sacos plásticos fechados, a
vácuo ou não, dentro de recipientes fechados ou ainda esta verdadeira maravilha
que hoje aqui trago, ao alcance de qualquer cozinheiro mesmo inexperiente, em
que o isolamento da carne se faz utilizando a mais extraordinária das películas:
a própria pele!
Ingredientes:
1 Frango do campo (ou de aviário,
mas grande)
Água, sal, laranja e limão
Manteiga, banha, azeite, paprika fumada,
alho, raspa de limão, sal e pimenta
Recheio: 300g de fígado de frango; a moela e coração; 300g de
cenoura, 300g de cogumelos; 300g de
cebola; alhos, salsa, sal, pimenta, noz moscada, azeite e pão ralado q.b.
Preparação:
Deixe o frango imerso por vinte e
quatro horas numa marinada cítrica feita com água, sal, sumo e cascas de
laranjas e limões de modo a que perca a maior parte do sangue que contenha.
Enquanto decorre a marinada,
refogue os ingredientes do recheio (ou outros a seu gosto) excepto o pão
ralado. Quando a cenoura estiver cozida, passe tudo pela máquina, volte ao lume
para ligar e adicione o pão ralado suficiente para secar líquidos que os
vegetais sempre deixam e dar a consistência apropriada ao recheio.
Retire o frango da marinada,
seque-o bem por dentro e por fora e passe ao aspecto fulcral deste processo:
com a ajuda de uma agulha curva e linha de algodão,
suture toda e qualquer
abertura que exista na pele, rasgões etc. deixando apenas a abertura ventral,
através da qual se introduz o recheio, que deve preencher a cavidade interna
por completo. Isto não é negociável: a cavidade comporta-se durante a assadura como se fosse o exterior e a humidade da carne irá escapar-se se encontrar por onde, pelo que aqui, mesmo que não goste por aí além de recheio, há que deixar a cavidade totalmente preenchida. Depois é trabalho de “corte e costura”, unindo a pele e cosendo até que não reste qualquer sítio que não esteja coberto por pele,
usando se necessário pele suplementar que guardou de outro frango ou que lhe arranjaram no seu talho.
Devidamente isolado na sua pele e
amarrado,
é altura de pincelá-lo com um creme gordo feito com os ingredientes
indicados e levá-lo ao forno.
Regule a temperatura do forno
para os 100-110ºC ( o que na prática dará cerca de 85-90ºC reais) e deixe o frango
por um mínimo de três horas, pincelando-o de tempos a tempos para a pele não
ficar ressequida.
A partir da terceira hora, deve
verificar a temperatura interna, com o auxílio de um termómetro de carne, espetando-o
sempre no mesmo orifício até ao meio do recheio. Entre a quarta e a quinta
horas, dependendo de muitos factores imprevisíveis como a temperatura real do
forno, o centro do recheio atingirá os 80ºC e o assado está pronto. Retire o
frango do forno, leve a temperatura a 220ºC e meta-o lá de novo por cinco
minutos para corar a pele.
Trinche o peito como se fosse um perú e aprecie a
suculência da carne que normalmente ninguém aprecia por causa da sua secura e
que assim é soberba. Sirva com acompanhamento a gosto.
4 comentários:
A paciência compensa, ficou fantástico!
já almoçava. e que bem almoçava...
Eu até já me contentava com o recheio...
Sem dúvida que as temperaturas são muito importantes. A primeira vez que me aventurei a assar um leitão num forno a lenha, o sabor ficou lá mas a pele em vez de tostada ficou cozida
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