Quando
Deus quis tornar irresistível a visão da terra que prometia ser a destinada ao
Seu povo, não foi com exóticas paisagens, terras férteis, carne, vinhos ou
legiões de virgens que o fez.
O que Ele prometeu foi uma terra onde corria o leite e o
mel!
Seja o que for que tenham encontrado quando lá chegaram, o
certo é que o mel, esse mágico alimento que aprendemos a roubar às abelhas,
continua nos nossos dias a ser sinónimo de delícias várias e não só gustativas,
de tal modo que nem aqueles que se insurgem contra o consumo de leite, por ser
alimento, dizem, destinado às crias de vacas, ovelhas e cabras, se atrevem a
renunciar ao mel, afinal o alimento das colmeias nos tempos invernosos.
Composto essencialmente de água e açúcares provenientes do
néctar das flores que as abelhas incessantemente visitam, constitui um
substituto vantajoso e natural do açúcar refinado, dando uma magia especial aos
pratos em que é utilizado pela delicadeza do sabor e untuosidade das texturas
que proporciona.
Quando a Ana
propôs, a mim e ao Amândio, o tema “Açúcar, mel e compotas” para esta 160ª Trilogia, foi logo no mel que
pensei, no incrível mel alentejano que o meu amigo Joaquim Gervásio
produz a
partir de colmeias e flores ali da minha aldeia e numa barriga fresca de atum,
a bela “ventresca” que parecia estar a chamar por aquela doçura para se fazer comer.
Fez-se assim:
Ingredientes:
Barriga fresca de atum
Mel*
Vinagre fraco (Sherry, malte ou maçã)
Sal, pimenta (moída e grão)
Azeite
Raspa de laranja
Preparação:
Corte um pedaço regular de uma barriga fresca de atum
e
retire-lhe a pele com a ajuda de uma faca bem afiada.Conserve a pele fina transparente (peritoneu) que está do outro lado. Salpique de sal e pimenta e reserve.
Prepare o molho levando ao lume mel* e a mesma quantidade de
vinagre de malte ou de Sherry, raspa de laranja, sal e grãos de pimenta branca.
Se na falta destes vinagres fracos decidir usar vinagre de maçã, deve
enfraquecê-lo com alguma água. Vinagres de vinho ou balsâmicos são
inapropriados.
Deixe ferver o molho durante uns minutos de modo a reduzir o
vinagre e retire do lume de modo a que arrefeça e o mel o torne mais espesso.
O atum em geral e a sua barriga em particular são
extraordinariamente exigentes no que respeita a tempos de cozinhado e qualquer
excesso transforma a sua textura suculenta num emaranhado fibroso. Aqui, se
houver que pecar, que seja sempre por defeito. É melhor que fique um pouco
menos cozinhado do que queríamos do que irremediavelmente sobrecozinhado.
O que vamos fazer à nossa ventresca é aquilo que, embora impropriamente, costuma ser
designado por brasear** e que é fritar rapidamente mas com muito calor a camada
mais exterior da peça, provocando o aparecimento de uma crosta castanha
(reacção de Maillard) e de sabor muito acentuado.
Esta operação, muito comum nas carnes, supostamente para
lhes conservar os sucos internos (o que também não é assim, mas isso fica para
outro dia), tem no atum grandes riscos, principalmente quando se aplica o calor
no lado onde esteve a pele, pois a barriga é muito gorda e as lascas abrem
imediatamente levando o calor a penetrar até ao interior da peça, cozinhando-a
em segundos.
Optei por isso por fazer uma passagem muito rápida todo à
volta, num pouco de azeite misturado com mel em lume muito forte.
Durante estes
segundos o mel vai caramelizar e tornar-se muito escuro; para não queimar deve
juntar uns borrifos de água se começar a fumegar.
Junte este azeite com o mel caramelizado ao outro molho que
já estava feito e passe a pôr pequenas porções sobre o lado “aberto” da ventresca, ao mesmo tempo que vai
tostando com o auxílio de um maçarico culinário,
formando então uma crosta
agridoce sem risco do calor subir entre as lascas abertas em leque.
Fatie
e sirva com o acompanhamento que achar conveniente
(aqui usei rábano roxo e acelgas selvagens salteadas em azeite e alho), regadas
as fatias com o molho de mel, que também pode usar sobre os acompanhamentos.
Notas: * Sendo de
falsificação relativamente simples e tendo uma procura a nível mundial muito
acima da capacidade de produção, o risco de utilizar um mel falsificado com
adição de açúcares industriais invertidos é muito grande. A maioria dos méis “de
marca” que encontra em supermercado tem origem declarada na Europa mas o que
não diz é como chegou à Europa, geralmente da China, primeiro produtor mundial
e que também consegue o feito de exportar mais do que aquilo que produz…
Aconselho vivamente a comprar o seu mel a um apicultor
português. Pode encontrar esses produtores em feiras e mercados, geralmente a
vender o seu próprio mel e outros produtos da colmeia ou em pequenos supermercados
de comércio local onde os tenham à venda. Não são conhecidos casos de
falsificação de mel produzido em Portugal, lutando geralmente os produtores
para conseguirem escoar o que produzem.
** Brasear, termo geralmente usado em culinária popular para
esta operação de fritura exterior rápida de carnes (também conhecida
popularmente por “selar”), designa realmente uma técnica culinária de baixa
temperatura de cocção, mais aparentada com os cozinhados lentos ou com os
confitados.
4 comentários:
És fantástico!!!!
Quem diria???? Uma vez meti-me a fazer salmão com mel e consegui um desastre...
O «btasear» é o segredo!!!
Beijinho.
adorei a receita e identifico-me completamente pois adoro regar 1 fiozito de mel em quase toda a comida que tempero com azeite a cru. Aprendi isto pois antes de nascer o meu pai, emigrado nos arabes unidos e mediante o que os contentores de materiais e comida traziam, disfarçava os sabores com mel pois eram capazes de comer a mesma coisa semanas a fio! até folhas de alface com mel me ensinou a comer, mas a melhor receita de todas que continuo a praticar é....ovos estrelados com mel! uma delicia depois de estrelados, regados com mel e partidos com o garfo e mergulhando o pão naquele molho!! Obrg por mais uma maravilhoa receita
Realmente, espetacular!
Tudo tem um aspeto delicioso....
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