Quando um barco se afunda, as águas geladas acolhem sem distinção os passageiros da luxuosa 1ª classe e também os desgraçados que se amontoam nas camaratas de 3ª.
Se outras não houvesse a extrair, essa lição igualitária podia bem ser a maior a aprender de catástrofes como a do Titanic, hoje reduzida a uma historieta cinematográfica lamecha, de lágrima fácil e planos grandiosos para encher o olho e esconder a metáfora evidente, assustadora e surpreendentemente actual, na qual os actores somos nós, todos, seis mil milhões de embarcados nesta titânica nave em colapso que se chama Terra.
Teoricamente, se dividirmos a área do planeta pelos seus habitantes, obteremos cerca de 1,8 hectares pessoa. Esta área, um pouco menos de dois campos de futebol por pessoa, é o limite da sustentabilidade da vida na Terra.
No entanto, desde 1999, a média de consumo per capita no mundo é de 2,2 hectares, cerca de 25% a mais do que o planeta pode suportar. E estamos a falar de média, é claro.
À área de planeta utilizada por cada um de nós para vivermos, chama-se “Pegada ecológica” e aqui as assimetrias entre a 1ª e a 3ª classes são colossais: o consumo de um somali “ocupa” 0,4 hectare, um norte-americano usa 9,6 hectares e um europeu, nós, 4,8 hectares.
Ou seja, se todos no mundo consumissem como nós, na Europa, seriam precisos quase 3 planetas (2,66) para nos mantermos.
O planeta que nos foi emprestado, apesar de gostarmos de lhe chamar nosso, está a morrer às nossas mãos e de entre as muitas atitudes irresponsáveis ou até criminosas que constituem o nosso modo de vida, a atitude perante os dilemas alimentares, culinários e gastronómicos é das mais importantes na determinação do tamanho da nossa pegada ecológica.
O planeta que nos foi emprestado, apesar de gostarmos de lhe chamar nosso, está a morrer às nossas mãos e de entre as muitas atitudes irresponsáveis ou até criminosas que constituem o nosso modo de vida, a atitude perante os dilemas alimentares, culinários e gastronómicos é das mais importantes na determinação do tamanho da nossa pegada ecológica.
Porque as alimentação, culinária e gastronomia são e foram desde o seu início as razões de existência deste blog e, apesar de ser um pequeno blog ao pé de outros, o certo é que quatro dezenas de milhar de visitas só este ano, geram uma responsabilidade que não estou disposto a sacudir do meu “capote”.
Se herdei um planeta doente mas vivo, não tenho o direito de deixar um planeta de morte aos que aqui ficam depois de mim.
É por isso que o Outras Comidas deixa de ser, a partir de agora, aquilo que tem sido desde o seu início: uma crónica bastante irresponsável das comidinhas boas que eu vou fazendo, por sua vez cópias dos milhões de receitas também irresponsáveis que, por todo o mundo, arrogantemente, vão difundindo práticas culinárias exóticas que, aliadas ao eterno seguidismo cego bem português em relação a tudo o que vem de fora, faz aqui, quase sempre, que se consiga ficar ainda mais igual ao original que o próprio original!
É triste que num país com queijos fabulosos, se ache que é legítimo emitir uns quilos de dióxido de carbono para importar de avião um queijo, um presunto ou iogurte gregos ou italianos, que lá, naturalmente, são os usados porque são os que lá se fazem!
É triste que a delícia que é o Tiramisu seja manchada por essa exigência provinciana de ter de se usar o “legítimo” Mascarpone, feito a 3000 quilómetros daqui e portanto responsável por mais um pouco do efeito estufa que nos aflige.
Do mesmo modo que, há tempos, alguns blogs se dedicaram a compor refeições a preço módico, também a partir de hoje o Outras Comidas passará a pautar as suas intervenções pelo grau de predação ecológica que esse prato produz e na procura do modo de, activamente e sem desculpas, minorar a sua contribuição para desfigurar esta nossa belíssima casa.
7 comentários:
gostei imenso do seu texto... e da sua ideia...
:)
Nem sei o que diga... fico contente por tê-lo de volta!
Adorei a imagem da pegada (pisadela) no planeta!
Fez-me pensar, já que uma imagem destas vale mil palavras bonitas...
Beijinhos.
Fico à espera para ver essas sugestões :) Infelizmente está nas nossas mãos (e pés) mudar o rumo a isto mas nem todos se incomodam com o assunto!
Olá, servi-me do seu post http://outrascomidas.blogspot.com/2008/08/geleia-de-camarinhas.html para me informar sobre as camarinhas...
Obrigada
Parabéns pelo texto, pela lucidez, pelo "abanão"...
Continuarei a visitá-lo assiduamente, porque este é um assunto que me interessa sobremaneira.
mutio legal esse texto.
acho q poderia complementar mostrando os parametros para a gastronomia sustentavel.
aproveitando para divulgar a cidade de paraty em conjunto com o restaurante caminho do ouro e o arranjo produtivo local como o percursor desse movimento.
O Movimento da Gastronomia Sustentável de Paraty na abertura do Festival Brasil Sabor, que aconteceu no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
http://www.paraty.com/diversos/cadastro-tv/index.php?id_video=249
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