sexta-feira, 30 de abril de 2010

Carne Assada no Tacho

................................ Tecnicamente, não se lhe pode chamar assado, pois, in stricto sensu, de um estufado se trata.
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No entanto, e porque a inventiva quando se trata de transformar fraquezas em forças não tem fim, esta é a forma, practicamente a única, de "assar" as peças menos nobres e caras e, portanto, mais duras, em verdadeiros pitéus de sabor e tenrura.
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O pobre raramente se conformou com o que o seu fado lhe reservava para refeição e das suas tentativas para fazer do amargo, doce, do pouco, muito, do tacho, forno, nasceu uma cozinha a que hoje chamamos tradicional mas que era ainda há pouco a cozinha das famílias, esses laboratórios de chefs anónimos onde se construiu esse enorme património que hoje se malbarata por umas novidades quaisquer e que se chama Cozinha Portuguesa.
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A carne estufada em vinho, de que são exemplos a chanfana, utilização de caprinos velhos e normalmente sem utilidade culinária, ou a Carne de Vaca Estufada à Catarina, que Olleboma imortalizou na sua Culinária Portuguesa, executadas com a maestria anónima das cozinheiras populares, rivalizam e ganham em explendor de sabor aos assados no forno tradicionais, das partes ditas nobres.
Razão têm os alcacercences na sua sabedoria feita de antigas provações e fomes: ao contrário de todo o resto de Portugal que se verga aos ditames do marketing citadino e das aparências, em Alcácer do Sal as costeletas do fundo (cachaço) é que são as caras, sendo as bonitinhas do lombo, com o seu pé, impingidas em lotes promocionais misturadas, pois de facto aqui ninguém as quer; e é vulgar o lombo ser mais barato que perna.
De uma rabadilha de porco que era grande e por isso com grande possibilidade de ser dura, se fez esta magnífica carne assada/estufada.
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Ingredientes:
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1 Rabadilha (lacão) de porco
2 Cebolas grandes
1 Lata de tomate triturado
4 Cenouras
4 dentes de alho
2 folhas de louro
Sal, pimenta, pimentão doce e salsa
Azeite
1 colher de sopa de Vinagre
0,5l de Vinho branco
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Preparação:
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O estufado convém a qualquer carne, bovina, suína ou ovina que se apresente mais seca ou dura. O ambiente de cocção ácido, proporcionado pelo vinho e vinagre e ainda o tempo permitem equiparar esta técnica ao assado em papelote ou ao confitado.
Quanto ao efeito "assado", é conseguido com um pequeno truque final; lá iremos.
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Para começar, deve temperar a carne de véspera para melhor resultado, esfregando-a com os temperos, e borrifando com o vinagre. Pode, se necessário, saltar este passo.
Refogue a cebola com os alhos, tomate, louro, salsa e cenouras, em azeite. Junte a carne temperada com sal, pimenta e colorau. Dê uma volta rápida à peça, com lume forte, para selar, cubra com o vinho branco e o vinagre, se não o tiver posto na carne de véspera.
Tape e depois de levantar fervura, baixe para mínimo e deixe cozinhar por 1 a 3 horas, consoante o tamanho e qualidade da carne, juntando mais vinho branco se necessário.
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Quando a carne estiver cozinhada, isto é, bem tenra, destape o tacho e levante o lume para evaporar o molho até ao ponto que desejar. Se quiser dar à carne o aspecto e sabor de assado, deverá deixar tostar um pouco a parte que encosta ao fundo, virando-a sucessivamente até estar toda alourada.
.Esta operação requer uma vigilância atenta pois o limite entre tostado e queimado é ténue, devendo ter um controlo muito atento à intensidade do lume e quantidade de líquido no tacho. Por fim, junte um copo de vinho branco para soltar os sucos caramelizados no fundo, deixe levantar fervura de novo e apague.
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Nota: O que aqui se fez com porco, far-se-á com acrescidas vantagens com a carne de novilho, mais dura e que, excepto em meia dúzia de peças de tenrura excepcional, apresenta quase sempre grandes dificuldades se se quiser assar "bem passada", que leva sempre a "bem rija"e que motiva que se deixe rosada por dentro, o que é insatisfatório para muita gente.
A menos que opte pela confecção a baixa temperatura, terá no estufado uma opção a considerar.

1 comentário:

anna disse...

Contigo aprendo que do menos se pode fazer o melhor e mais saboroso, que numa cozinha que se preze não há lugar para pressas e que há sempre truques e soluções que nos permitem ultrapassar-nos...
A este vou regressar mais vezes, já sei, para que possa absorver a mensagem toda...
Obrigada e beijinhos.