quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Arte de Feijoar

                  Quando o Amândio nos indicou “ Arte de feijoar” como tema para esta 154ª Trilogia, tive de decidir sobre a sua intenção ao criar este neologismo verbal, ou seja, entre algo sobre o fruto feijoa, coisa exótica que cresce nos trópicos e que eu nunca vi, e algo que tivesse a ver com os bons e velhos feijões de que tanto gosto. Não sei o que a Ana nos vai apresentar mas por mim, naturalmente, escolhi o feijão e, já que de “arte” se tratava, da magna questão da sua cozedura, caminho essencial para a execução de qualquer receita em que eles entrem, desde uns pastéis de feijão de Torres Vedras até uma bela feijoada transmontana, passando pelas deliciosas sopas do nosso contentamento.
A arte de cozer feijão é bem daquelas que se pode considerar talvez até mais do que em vias de extinção, já que mais apropriado seria considerá-la defunta e virtualmente extinta, com os “altos comandos” (conjunto dos chefs) da nossa cozinha rendidos às amenidades de latas e frascos, sendo que um ou outro lá menciona a cozedura em panela de pressão e nada mais; asneira sobre asneira que, como é sabido da matemática, dá apenas “um”: uma asneira pegada!
O uso de feijão e outras leguminosas em conserva deve ser sempre uma excepção, um recurso de emergência face à possibilidade do seu consumo a partir da semente crua. Os frascos de feijão contêm antioxidantes e estabilizadores químicos para proteger o feijão da acção da luz (E385, Etilenodiaminatetracetato de cálcio dissódico, EDTA Ca Na2); já as latas não contêm aditivos adicionados mas não se livram do controverso e potencialmente perigoso bisfenol que passa para os alimentos a partir de uma camada de plástico que recobre o interior da maioria das latas. Resta-nos pois a cozedura a partir da semente seca, devendo aqui a escolha ser entre o uso da panela de pressão e a cozedura em panela normal.
Pessoalmente, a minha escolha vai direitinha para a cozedura em panela normal, única maneira em que o processo pode ser controlado e em que os feijões não rebentam. Numa cozedura à pressão, admissível apenas quando o feijão se destine a puré, além de não se saber exactamente em que ponto está a cozedura, o que varia imenso de feijão para feijão e até dentro da mesma variedade com uma infinidade de factores que vão desde a dureza da água ao tempo que o feijão leva depois de colhido, provoca-se uma diminuição brusca da pressão no fim da cozedura, sendo que o interior de cada feijão, na altura a uma temperatura e pressão maiores que o caldo, vai rebentar ficando o caldo grosso e os feijões rebentados e empapados de caldo.
Um feijão bem cozido deve estar totalmente cremoso por dentro mas com a película intacta e o caldo em que cozeu ser límpido e não cheio de “pó” de feijão rebentado. Assim:

Ingredientes:

Feijão Catarino seco
Entrecosto fumado
Sal e pimenta
Couve portuguesa ou repolho “coração”

Preparação:

À excepção do feijão frade, que não precisa, todos ou outros têm de ser demolhados até terem recuperado toda a água perdida durante a secagem.
Isto consegue-se mantendo-o coberto de água por um período entre oito e dezasseis horas, ou até ter duplicado os seus volume e peso apresentando a película esticada, sem qualquer ruga. Neste caso, em que ia temperar o feijão catarino com carne fumada, demolhei-a também juntamente com o feijão.

Leve então o feijão ao lume, a partir de frio, bem coberto de água e temperado com sal, pimenta, louro e alho com casca, bem como com a carne fumada ou salgada, se a estiver a usar. Quando levantar fervura, baixe o lume para mínimo, tape e deixe por cerca de quarenta minutos. Vá então observando e provando até sentir que os feijões estão perfeitamente cozidos. Como neste sistema os feijões não se rebentam ou desfazem

terá mesmo de provar pois apenas pelo seu aspecto não chega a nenhuma conclusão.
Após cozedura, retirei alguns feijões e caldo e cozi ainda couve repolho coração que, servida juntamente com o feijão e o entrecosto, fez refeição inesquecível de simplicidade e encanto.

Untada com um fio de azeite e uns borrifos de vinagre de vinho, soube pela vida este reconfortante exemplo do que pode ser a arte de feijoar.





4 comentários:

Lulis disse...

Adorei seu blooog... esse post do feijão então! rs!!

Me segue lá no meu blog, também falo de comida ( na verdade estou iniciando agora!!)
Beijo , e sucesso =D

Maria José Andrade disse...

Em vez da pimenta não vai antes cominhos? Eu, na feijoada, prefiro. À moda do Porto, pois claro!

Fartinho disto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ticher disse...

Obrigada, Luís Pontes, pelo seu blogue e pelos ensinamentos. Já aprendi a cozinhar um bom polvo, a fazer croquetes de rojões, a preparar azeitonas... Verdadeiro serviço público.