Quando o
Amândio nos indicou “ Arte de feijoar” como tema para esta 154ª Trilogia, tive de decidir sobre a
sua intenção ao criar este neologismo verbal, ou seja, entre algo sobre o fruto
feijoa, coisa exótica que cresce nos trópicos e que eu nunca vi, e algo que tivesse
a ver com os bons e velhos feijões de que tanto gosto. Não sei o que a Ana nos vai apresentar mas por mim,
naturalmente, escolhi o feijão e, já que de “arte” se tratava, da magna questão
da sua cozedura, caminho essencial para a execução de qualquer receita em que
eles entrem, desde uns pastéis de feijão de Torres Vedras até uma bela feijoada
transmontana, passando pelas deliciosas sopas do nosso contentamento.
A arte de cozer feijão é bem daquelas que se pode
considerar talvez até mais do que em vias de extinção, já que mais apropriado
seria considerá-la defunta e virtualmente extinta, com os “altos comandos”
(conjunto dos chefs) da nossa cozinha rendidos às amenidades de latas e
frascos, sendo que um ou outro lá menciona a cozedura em panela de pressão e
nada mais; asneira sobre asneira que, como é sabido da matemática, dá apenas
“um”: uma asneira pegada!
O uso de feijão e outras leguminosas em conserva deve ser
sempre uma excepção, um recurso de emergência face à possibilidade do seu
consumo a partir da semente crua. Os frascos de feijão contêm antioxidantes e
estabilizadores químicos para proteger o feijão da acção da luz (E385, Etilenodiaminatetracetato de cálcio
dissódico, EDTA Ca Na2); já as latas não contêm aditivos adicionados mas
não se livram do controverso e potencialmente perigoso bisfenol que passa para
os alimentos a partir de uma camada de plástico que recobre o interior da
maioria das latas. Resta-nos pois a cozedura a partir da semente seca, devendo
aqui a escolha ser entre o uso da panela de pressão e a cozedura em panela
normal.
Pessoalmente, a minha escolha vai direitinha para a
cozedura em panela normal, única maneira em que o processo pode ser controlado
e em que os feijões não rebentam. Numa cozedura à pressão, admissível apenas
quando o feijão se destine a puré, além de não se saber exactamente em que
ponto está a cozedura, o que varia imenso de feijão para feijão e até dentro da
mesma variedade com uma infinidade de factores que vão desde a dureza da água
ao tempo que o feijão leva depois de colhido, provoca-se uma diminuição brusca
da pressão no fim da cozedura, sendo que o interior de cada feijão, na altura a
uma temperatura e pressão maiores que o caldo, vai rebentar ficando o caldo
grosso e os feijões rebentados e empapados de caldo.
Um feijão bem cozido deve estar totalmente cremoso por
dentro mas com a película intacta e o caldo em que cozeu ser límpido e não
cheio de “pó” de feijão rebentado. Assim:
Ingredientes:
Feijão Catarino seco
Entrecosto fumado
Sal e pimenta
Couve portuguesa ou repolho “coração”
Preparação:
À excepção do feijão frade, que não precisa, todos ou
outros têm de ser demolhados até terem recuperado toda a água perdida durante a
secagem.
Isto consegue-se mantendo-o coberto de água por um período entre oito
e dezasseis horas, ou até ter duplicado os seus volume e peso apresentando a
película esticada, sem qualquer ruga. Neste caso, em que ia temperar o feijão
catarino com carne fumada, demolhei-a também juntamente com o feijão.
Leve
então o feijão ao lume, a partir de frio, bem coberto de água e temperado com
sal, pimenta, louro e alho com casca, bem como com a carne fumada ou salgada,
se a estiver a usar. Quando levantar fervura, baixe o lume para mínimo, tape e
deixe por cerca de quarenta minutos. Vá então observando e provando até sentir
que os feijões estão perfeitamente cozidos. Como neste sistema os feijões não
se rebentam ou desfazem
terá mesmo de provar pois apenas pelo seu aspecto não chega a nenhuma conclusão.
Após cozedura, retirei alguns feijões e caldo e cozi ainda
couve repolho coração que, servida juntamente com o feijão e o entrecosto, fez
refeição inesquecível de simplicidade e encanto.
Untada com um fio de azeite e
uns borrifos de vinagre de vinho, soube pela vida este reconfortante exemplo do
que pode ser a arte de feijoar.
4 comentários:
Adorei seu blooog... esse post do feijão então! rs!!
Me segue lá no meu blog, também falo de comida ( na verdade estou iniciando agora!!)
Beijo , e sucesso =D
Em vez da pimenta não vai antes cominhos? Eu, na feijoada, prefiro. À moda do Porto, pois claro!
Obrigada, Luís Pontes, pelo seu blogue e pelos ensinamentos. Já aprendi a cozinhar um bom polvo, a fazer croquetes de rojões, a preparar azeitonas... Verdadeiro serviço público.
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