No reinado
Neste riquíssimo mosteiro e a par
de uma doçaria conventual riquíssima, fazia-se uma marmelada de cor clara que
seria da predilecção do guloso D. João V e cuja receita original nunca foi
passada ao papel e ter-se-á perdido durante o declínio do convento, cuja última
freira morreu em 1909, altura em que começou uma história muito mal contada
sobre uns tais apontamentos que esta freira teria deixado a uma familiar onde
constaria a receita da célebre “marmelada branca”.
Este manuscrito de autenticidade algo
duvidosa, serviu para a publicação* da receita, que assim se popularizou e hoje
é até objecto de um nome registado, e uma infinidade de indústrias doceiras locais, mas
que, na verdade, é uma receita muito pobre duma marmelada que é de tom claro
porque quando pronta tem mais de 70% de açúcar, muito pouco recomendável para
acrescentar ao já demasiado açúcar que consumimos, por querer ou sem querer, na
alimentação moderna.
A marmelada branca não difere no
sabor ou textura da marmelada avermelhada vulgar, mas é uma coroa de glória
para qualquer cozinheiro. Faço-a com uma receita minha, muito simples,
acessível a qualquer e com uma quantidade de açúcar menos pecaminosa, criada
não a partir de qualquer “manuscrito perdido” mas simplesmente evitando os
pontos da receita em que a marmelada escurece: a oxidação inicial do fruto e a
inversão química do açúcar que sempre acontece em presença de ácidos durante a
fervura final.
Ingredientes:
1 kg de polpa cozinhada de
marmelo (ou gamboa***)
750g de açúcar branco
Sumo de um limão (ou 1 c.café de
ácido cítrico)**
Preparação:
Ferva água abundante durante
cerca de quinze minutos e deixe-a arrefecer até ficar morna. Esta fervura serve
para retirar grande parte do oxigénio dissolvido na água, que vai assim servir
para isolar o fruto descascado.
Descasque os marmelos,
retire-lhes as sementes e parta-os em pedaços não muito grandes para dentro da
água fervida e morna.
Se achar que mesmo assim os seus marmelos escurecem
durante o descascar, faça-o dentro de uma bacia com água fria acidulada com
vinagre.
Escorra os pedaços e acomode-os
num ou mais recipientes resistentes ao calor,
tape-os com película aderente
apropriada e leve-os ao microondas ou ao forno a 180ºC, assim tapados, para
cozinharem.
Quando bem cozidos, triture-os
com a varinha ou passe-vite,
pese o polme obtido e leve-o ao lume, mexendo sempre até ferver.
Junte então o açúcar usando a proporção de 4:3 (3 partes de açúcar para cada 4
de polme),leve ao lume até que ferva de novo e junte o sumo de limão (ou o ácido cítrico)**, mesmo no fim.
Passe logo para tigelas, onde irá
solidificar.
Notas:
*Livro de Receitas da Última Freira de Odivelas, Verbo editora,
1999.
** Esta acidificação é necessária
para que a pectina possa dar forma à marmelada; se quiser uma marmelada de
barrar, use apenas o marmelo e o açúcar.
*** As gamboas são os grandes
marmelos que aparecem geralmente à venda nas cidades. Em relação aos pequenos
marmelos “originais”, apresentam uma quantidade de pectina muito reduzida, pelo
que se utilizar gamboas para marmelada, terá que adicionar pectina em pó, ou a
marmelada de gamboa nunca ficará firme de cortar à fatia, sendo embora
deliciosa como marmelada de barrar.
2 comentários:
Só poderia ser pela oxidação certamente.
Achei curioso ao ler este post porque outro dia encontrei por aqui um site que diz conter as "famosas receitas das freiras do Mosteiro de Odivelas".
http://www.mosteirodeodivelas.org/
Site esse que tem alguns outros doces que não me parecem "conventuais"
Mas quem sou eu para duvidar...
Eu por acaso gosto de fazer a marmelada bem escura e com alguma textura.
Bem haja
A minha mãe, e eu, fazemos a marmelada assim desde que tenho memória. Foi sempre a marmelada branca, sem o sumo de limão. Gosto de ir barrando enquanto não endurece. Obrigado
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