A BSE, uma doença terrível que ficou conhecida
por “doença das vacas loucas”, foi controlada através de uma enorme mortandade
sanitária, graças à qual podemos hoje consumir de novo carne bovina com
absoluta segurança.
Se em relação ao músculo, essa
fase recente ficou apenas como uma má recordação, já em relação aos produtos
viscerais, não só de bovinos como de outras espécies, ficaram várias
interdições legais de comercialização que ainda hoje se mantêm e que provocaram
uma verdadeira razia gastronómica em certos pratos que utilizavam miolos,
tutanos, sangue, etc., cuja tradição foi assim interrompida, o que geralmente
leva à sua inevitável extinção na prática culinária dos povos.
Um dos casos mais flagrantes é a
proibição de comercialização do baço suíno, proibição tanto mais estúpida
quanto não existe qualquer correlação entre o seu consumo e o risco de se contrair qualquer doença conhecida.
O baço é um órgão imunitário e de
“limpeza”, muito sanguíneo e a alma culinária da deliciosa espessura do molho
das iscas de porco, essa maravilha que povoa o nosso imaginário, até dos que
não gostam de fígado, mas o molho das iscas, esse, só por si era razão para uma
sandes!
Excepto para quem tenha acesso
aos produtos de matanças privadas, é virtualmente impossível na cidade aceder a
um baço de porco, com as nefastas consequências para quem, como eu, ainda mais
que por iscas, anseia por um molho espesso e sem grânulos a embeber o pão: a
sandes de molho!
A necessidade gera o engenho e
sendo o molho a parte essencial de umas iscas, vamos então ver o que fazer para
ultrapassar dificuldades e voltar a ter um molho fabuloso a encharcar o nosso
pão.
Ao molho, então:
Ingredientes:
Fígado de porco
Vinha de alhos
Banha de porco
Sangue
Preparação:
Não vamos perder tempo com as
iscas em si, que ficam para outro post.
Corte-as muito finas e ponha-as, por um ou dois dias, numa vinha de alhos com
os ingredientes habituais e um golpe de vinagre.
A espessura do molho final é
determinada pela proteína existente na vinha de alhos, para a qual é
determinante a quantidade de sangue. Como o fígado em si não liberta sangue
suficiente (a menos que para uma quantidade muito pequena de molho), é
necessário aumentá-la, que era o que dantes se fazia “raspando” o baço para
assim libertar sangue para a vinha de alhos. Existem duas alternativas:
1º processo – Liquefaça
totalmente uma isca com um pouco de vinagre, no processador ou com varinha, até
estar reduzida a um creme liso e sangrento que vai então misturar na vinha de
alhos, que logo toma um aspecto mais denso e espesso. Este processo implica um
grande cuidado na fritura, pois fígado, mesmo desfeito, não é sangue e tende a
aglomerar se não se mantiver a agitação constante.
2º processo – Junte sangue à
vinha de alhos. O ideal seria sangue de porco, que não sendo proibido é ainda
assim difícil de encontrar (mas consegue-se por encomenda nalguns talhos); o
prático e de resultados idênticos no paladar é usar sangue de ave, desse que
vem em saquetas com os frangos do campo e que em qualquer talho se pode
arranjar, grátis, já que muitas pessoas não o levam quando compram a ave. Uso
meio pacote de sangue para cerca de 750g de iscas.
Aqueça banha de porco e frite
nela em lume muito forte, as iscas escorridas da vinha de alhos.
Quando todas
as iscas estiverem fritas, junte a vinha de alhos e vá agitando a frigideira.
Depressa o molho passará de líquidoa um creme espesso* e escuro
como cabidela, com o inconfundível aroma que enche a casa (e a rua!) e pede por um bocadinho de pão que o prove.
Uma sandes de molho faz-se
molhando as duas partes do pão,
generosamente, no molho de iscas. Depois, é carregá-la
com a carne… ou não,
e comê-la, num processo escorrido, lambuzado e pouco bonito de se ver, mas uma sandes de molho é para comer, não é para ver!
Nota:
*Se o molho talhar, isto é, se
houver separação entre o “castanho” e a gordura
ou formação de grumos, quer
dizer que ferveu demais sem agitação constante, o lume foi demasiado forte ou
havia demasiada banha para aquela quantidade de vinha de alhos. Não desespere! Retire
a frigideira do lume, dissolva uma colher de café de amido de milho (Maizena)
na quantidade de água de uma chávena de “bica”, junte ao molho talhado e leve
de novo ao lume, agitando sempre, o que reconstituirá o molho.
1 comentário:
Salivei durante a leitura. Um espanto de receita!
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