domingo, 6 de novembro de 2016

Marmelada Branca

                      O Mosteiro de Odivelas, nos arredores de Lisboa, foi fundado por D.Dinis e nele se albergavam as freiras Bernardas, geralmente filhas da nobreza que não casavam por falta de dote e que aqui eram acolhidas, houvesse ou não vocação.
No reinado
de D. João V, o Mosteiro de Odivelas era famoso, não pela sua piedade, mas por se ter tornado num verdadeiro bordel onde o rei e a nobreza iam escolher amantes. Famosa ficou a concubina real, Madre Paula, de quem o rei teve pelo menos um bastardo, D. José, a quem ofereceu um palácio que é hoje a embaixada de Espanha.
Neste riquíssimo mosteiro e a par de uma doçaria conventual riquíssima, fazia-se uma marmelada de cor clara que seria da predilecção do guloso D. João V e cuja receita original nunca foi passada ao papel e ter-se-á perdido durante o declínio do convento, cuja última freira morreu em 1909, altura em que começou uma história muito mal contada sobre uns tais apontamentos que esta freira teria deixado a uma familiar onde constaria a receita da célebre “marmelada branca”.
Este manuscrito de autenticidade algo duvidosa, serviu para a publicação* da receita, que assim se popularizou e hoje é até objecto de um nome registado, e uma  infinidade de indústrias doceiras locais, mas que, na verdade, é uma receita muito pobre duma marmelada que é de tom claro porque quando pronta tem mais de 70% de açúcar, muito pouco recomendável para acrescentar ao já demasiado açúcar que consumimos, por querer ou sem querer, na alimentação moderna.

A marmelada branca não difere no sabor ou textura da marmelada avermelhada vulgar, mas é uma coroa de glória para qualquer cozinheiro. Faço-a com uma receita minha, muito simples, acessível a qualquer e com uma quantidade de açúcar menos pecaminosa, criada não a partir de qualquer “manuscrito perdido” mas simplesmente evitando os pontos da receita em que a marmelada escurece: a oxidação inicial do fruto e a inversão química do açúcar que sempre acontece em presença de ácidos durante a fervura final.


Ingredientes:

1 kg de polpa cozinhada de marmelo (ou gamboa***)
750g de açúcar branco
Sumo de um limão (ou 1 c.café de ácido cítrico)**

Preparação:

Ferva água abundante durante cerca de quinze minutos e deixe-a arrefecer até ficar morna. Esta fervura serve para retirar grande parte do oxigénio dissolvido na água, que vai assim servir para isolar o fruto descascado.
Descasque os marmelos, retire-lhes as sementes e parta-os em pedaços não muito grandes para dentro da água fervida e morna.
Se achar que mesmo assim os seus marmelos escurecem durante o descascar, faça-o dentro de uma bacia com água fria acidulada com vinagre.
Escorra os pedaços e acomode-os num ou mais recipientes resistentes ao calor,
tape-os com película aderente apropriada e leve-os ao microondas ou ao forno a 180ºC, assim tapados, para cozinharem.
Quando bem cozidos, triture-os com a varinha ou passe-vite,
pese o polme obtido e leve-o ao lume, mexendo sempre até ferver. Junte então o açúcar usando a proporção de 4:3 (3 partes de açúcar para cada 4 de polme),
leve ao lume até que ferva de novo e junte o sumo de limão (ou o ácido cítrico)**, mesmo no fim.
Passe logo para tigelas, onde irá solidificar.


Notas:
*Livro de Receitas da Última Freira de Odivelas, Verbo editora, 1999.
** Esta acidificação é necessária para que a pectina possa dar forma à marmelada; se quiser uma marmelada de barrar, use apenas o marmelo e o açúcar.

*** As gamboas são os grandes marmelos que aparecem geralmente à venda nas cidades. Em relação aos pequenos marmelos “originais”, apresentam uma quantidade de pectina muito reduzida, pelo que se utilizar gamboas para marmelada, terá que adicionar pectina em pó, ou a marmelada de gamboa nunca ficará firme de cortar à fatia, sendo embora deliciosa como marmelada de barrar.

2 comentários:

Anónimo disse...

Só poderia ser pela oxidação certamente.
Achei curioso ao ler este post porque outro dia encontrei por aqui um site que diz conter as "famosas receitas das freiras do Mosteiro de Odivelas".

http://www.mosteirodeodivelas.org/

Site esse que tem alguns outros doces que não me parecem "conventuais"
Mas quem sou eu para duvidar...
Eu por acaso gosto de fazer a marmelada bem escura e com alguma textura.
Bem haja

Unknown disse...

A minha mãe, e eu, fazemos a marmelada assim desde que tenho memória. Foi sempre a marmelada branca, sem o sumo de limão. Gosto de ir barrando enquanto não endurece. Obrigado